Por Patrick Lendl Silva - 01/09/2016
O Código Civil de 1916, na sua Parte Geral (“Livro III, Título III”), dispunha em seus artigos 161 a 179 sobre a prescrição apenas, mas ao tratar dos prazos no artigo 178, trazia casos em que o prazo era decadencial, e não prescricional. Ou seja, o Código Civil de 1916, ao disciplinar a prescrição, confundia os dois institutos; tratava de prazos decadenciais como se fossem prescricionais.
Com a vigência do atual Código Civil, essa confusão deixou de existir, pois houve a preocupação em distinguir os dois institutos. No novo Código Civil, em sua Parte Geral (“Livro III, Título IV”) estão disciplinadas separadamente a prescrição (“Capítulo I”) e a decadência (“Capítulo II”).
Resta claro que o novo Código Civil adotou a teoria de Agnelo Amorim Filho para distinguir a prescrição da decadência (“Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”). O Professor paraibano utiliza como premissa para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis a moderna classificação dos direitos e das ações[1].
Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “o melhor critério doutrinário é ainda o proposto por AGNELO AMORIM FILHO, no memorável estudo analítico já citado, calcado na classificação dos direitos subjetivos e nos tipos de ações correspondentes”[2].
Para entendermos essa teoria, podemos iniciar identificando que, pela moderna classificação dos direitos, existem duas classes de direitos subjetivos: direitos subjetivos a uma prestação; e direitos subjetivos de sujeição, também chamados potestativos ou formativos.
Os direitos subjetivos a uma prestação são aqueles em que se pode exigir da outra pessoa uma prestação, que pode ser de dar, de fazer ou de não fazer. Mas para que esse direito possa ser exercitado de forma plena é necessário que essa pessoa ofereça a prestação, caso contrário haverá um direito que não pode ser exercitado.
Exemplo disso, é o caso da pessoa que vende o seu veículo para um amigo. O vendedor tem direito subjetivo a uma prestação, qual seja, o recebimento do preço do veículo. Todavia, para que possa exercitar esse direito de forma plena, necessário que o amigo ofereça o preço; faça o pagamento. Depende, portanto, para o pleno exercício de seu direito da atuação da outra parte, da manifestação de concordância da outra parte.
Já os direitos subjetivos de sujeição são aqueles em que o exercício pleno independe da atuação ou concordância da parte contrária. O titular do direito simplesmente sujeita o interesse alheio ao seu interesse, exercitando plenamente o seu direito.
Como exemplo, podemos imaginar o caso de uma pessoa que pretende a anulação de determinado negócio jurídico por conter um defeito, um vício social, por ter sido praticado em fraude contra credores. Presentes os requisitos legais, caracterizada a fraude contra credores, basta que o autor da ação, dentro do prazo legal, requeira a anulação do negócio jurídico. E essa anulação ocorrerá independentemente da atuação ou concordância daquelas pessoas que realizaram o negócio jurídico fraudulento. Mesmo que essas pessoas não concordem, o negócio será anulado. O interesse dessas pessoas estará sujeito ao interesse daquele que propôs a ação pauliana.
Fazendo uma análise das duas classes de direitos subjetivos existentes, podemos perceber que apenas os direitos subjetivos a uma prestação é que podem ser violados, pois apenas esses dependem de uma atuação da parte contrária. Se a parte contrária não oferece a prestação, viola o direito subjetivo.
Os direitos subjetivos de sujeição não podem ser violados, pois o seu exercício pleno independe da atuação ou concordância da parte contrária. Ao exercitar esse direito, a pessoa sujeita o interesse alheio ao seu interesse, de modo que não há como ocorrer violação desse direito subjetivo.
Quando ocorre a violação de um direito subjetivo, nasce para o titular do direito subjetivo violado a pretensão (artigo 189, do Código Civil). Por pretensão, podemos entender o poder ou a faculdade de exigir uma prestação, de reagir à violação do direito subjetivo.
Nesse sentido, estando claro que a pretensão apenas nasce com a violação de um direito subjetivo, e que apenas os direitos subjetivos a uma prestação é que podem ser violados, já é possível afirmar que apenas existe pretensão quando se trata de violação de um direito subjetivo a uma prestação.
Os direitos subjetivos de sujeição, como visto, não podem ser violados. Logo, desses direitos não nasce pretensão.
Por outro lado, segundo Agnelo Amorim Filho, a partir da moderna classificação das ações, que as distingue em ações condenatórias, constitutivas (positivas ou negativas) e declaratórias, é possível identificar que as ações condenatórias são aquelas em que se pretende a condenação da parte contrária ao oferecimento de uma prestação, que pode ser de dar, de fazer ou de não fazer, e, assim, é por meio dessa espécie de ação que se busca a satisfação de um direito a uma prestação. As ações constitutivas (positivas ou negativas) são aquelas em que se pretende a criação, a modificação ou a extinção de relações jurídicas, sujeitando o interesse da outra parte ao interesse próprio, de modo que é por meio dessa espécie de ação que se busca a satisfação de um direito de sujeição. E as ações declaratórias são aquelas por meio das quais se busca apenas certeza jurídica acerca de relações jurídicas já existentes ou inexistentes[3].
Dito isso, cabe mencionar que, como regra, os direitos existem para serem exercitados. O contrário não faria sentido. Todavia, a possibilidade de os direitos serem exercitados para sempre, a qualquer momento, traz consigo a ideia de insegurança jurídica, pois, com isso, as pessoas passariam toda a sua vida inseguras quanto a serem ou não submetidas ao exercício de um direito por uma pessoa.
Nesse caso, por exemplo, seria necessário que fossem guardados todos os recibos de pagamentos efetuados para sempre, pois a qualquer momento o credor, mesmo já tendo recebido o pagamento, poderia realizar nova cobrança, e, sem o comprovante do pagamento já efetuado, o devedor ver-se-ia obrigado a pagar novamente. Esse não é o interesse da norma. O Direito não socorre aqueles que dormem, ou seja, como regra, se a pessoa tem um direito deve exercitá-lo dentro de determinado período de tempo. Se não o fizer no tempo determinado pela lei, não mais poderá fazer.
Assim, surgem os dois institutos em questão: a prescrição e a decadência. Ambas são efeitos extintivos, ou seja, fazem com que determinado direito não possa mais ser exercitado.
Importante, todavia, mencionar que a prescrição, além de ser efeito extintivo, também é considerada efeito aquisitivo, pois, por meio da usucapião, instituto disciplinado pelos artigos 1.238 e seguintes, do Código Civil, e que é chamada de prescrição aquisitiva, adquire-se a propriedade. No entanto, isso é matéria para o Direito das Coisas. Dentro dos Fatos Jurídicos, o estudo que se faz da prescrição diz respeito apenas ao efeito extintivo, que não permite mais que determinado direito possa ser exercitado.
Sabendo que prescrição e decadência são efeitos extintivos, interessante observar o que dispõe o artigo 189, do Código Civil (“Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”).
Como já visto, apenas os direitos subjetivos a uma prestação é que podem ser violados, e, assim, apenas desses direitos é que pode nascer a pretensão. De acordo com o disposto no artigo 189, do Código Civil, a prescrição extingue a pretensão. Logo, se a prescrição extingue a pretensão, e se a pretensão apenas nasce da violação a um direito subjetivo a uma prestação, fica fácil perceber que a prescrição está relacionada tão somente com os direitos subjetivos a uma prestação.
No entanto, como também já visto, em regra, os direitos existem para serem exercitados. O contrário não faria sentido. Mas pela moderna classificação dos direitos, além dos direitos subjetivos a uma prestação, existem também os direitos subjetivos de sujeição. Estes não podem ser violados; deles não nasce pretensão. Se dos direitos subjetivos de sujeição não nasce pretensão, e se a prescrição extingue a pretensão, é possível dizer que os direitos subjetivos de sujeição não estão sujeitos à prescrição.
É aí que entra a decadência como efeito extintivo. Como o direito não socorre aqueles que dormem, os direitos subjetivos a uma prestação estão sujeitos ao efeito extintivo chamado prescrição, e os direitos subjetivos de sujeição estão sujeitos ao efeito extintivo chamado decadência.
Ambas, prescrição e decadência, caracterizam-se por serem decurso de prazo. Assim, não exercitado um direito subjetivo a uma prestação no prazo previsto em lei, ocorre a sua prescrição. E não exercitado um direito subjetivo de sujeição no prazo previsto em lei, ocorre a sua decadência.
Antes de encerrarmos, duas observações são necessárias: primeira, a prescrição, conforme previsão do artigo 189, do Código Civil, extingue a pretensão, e não o direito subjetivo a uma prestação. A pretensão é o poder ou a faculdade de exigir uma prestação, de reagir à violação do direito subjetivo. É a pretensão que se extingue com a prescrição.
Isso quer dizer que o direito continua existindo, porém, como não há mais pretensão, não pode ser exercitado. A pessoa tem o direito, mas não pode mais exercitá-lo. Poder-se-ia indagar sobre qual a finalidade de ter-se um direito que não se pode mais exercitar. É que o artigo 191, do Código Civil (“A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição”) prevê a possibilidade de renúncia à prescrição pela parte a quem aproveita.
Assim, como o que prescreve (extingue-se) é a pretensão, e não o direito, a pessoa não pode exigir a prestação da outra, mas se esta espontaneamente quiser oferecer a prestação nada obstará, pois a primeira ainda tem direito a essa prestação. É o caso, por exemplo, daquele que não efetua um pagamento por não ter condições financeiras. Decorrido o prazo prescricional, extinta a pretensão, o titular do direito não pode mais exigir a prestação, mas o devedor, querendo, pode efetuar o pagamento, renunciando à prescrição, pois aquele ainda tem o direito.
De outro lado, a decadência extingue o direito subjetivo de sujeição, pois decorrido o prazo decadencial, o titular do direito não pode mais sujeitar o interesse alheio ao seu próprio interesse. Se, nos termos do artigo 178, do Código Civil, é de quatro anos o prazo para pleitear-se a anulação de um negócio jurídico em virtude da fraude contra credores, decorrido esse prazo, não há mais a possibilidade de anulação, ou seja, não há mais como sujeitar o interesse alheio ao próprio interesse. O direito subjetivo de sujeição não pode mais ser exercitado, ainda que as pessoas que praticaram a fraude concordem com isso, pois extinto estará. Eis uma diferença entre os institutos: a prescrição extingue a pretensão; a decadência extingue o próprio direito.
A segunda observação diz respeito ao fato de que há direitos subjetivos de sujeição que não possuem prazo para exercício. Isso acontece, por exemplo, com relação ao reconhecimento de paternidade, que pode ocorrer a qualquer tempo. Assim, é importante que se tenha em mente que a regra é a fixação de prazo para o exercício dos direitos subjetivos de sujeição. Porém, em determinadas situações, considerando o interesse jurídico tutelado, não haverá prazo para o exercício de certos direitos subjetivos de sujeição. Isso não ocorre com os direitos subjetivos a uma prestação, que sempre terão prazo definido para o seu exercício.
Notas e Referências:
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. RT, v. 300, out. 1960, p. 7 – reproduzido na RT, v. 711, out. 1997, p. 725-6.
PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: parte geral. vol. 1. 12.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
SILVA, Patrick Lendl. Fatos jurídicos – teoria e prática. 1.ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011.
[1]Agnelo Amorim Filho, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis, RT, 300:7, out. 1960, reproduzido na RT, 711:725-6, out. 1997.
[2]Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, v. 1, p. 510.
[3]Critério científico, cit.
Patrick Lendl Silva é oficial de justiça avaliador federal na Seção Judiciária de Santa Catarina. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino – UMSA. Especialista em Direito Constitucional (com formação para o magistério superior) pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Professor do curso de graduação em Direito do Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE, além de já ter lecionado em outras instituições, em cursos de graduação e pós-graduação. Autor das obras “Fatos Jurídicos – Teoria e Prática” e “Os fatos jurídicos em exemplos práticos”, ambas pela Editora Verbo Jurídico.
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