ENSINO JURÍDICO CRÍTICO EM ASCENSÃO: OLHANDO O DIREITO INTERNACIONAL SOB PERSPECTIVAS PÓS-COLONIAIS

08/03/2021

 Coluna Empório Descolonial / Coordenador Marcio Berclaz

No ensino jurídico brasileiro, e principalmente no projeto metodológico e bibliográfico do direito internacional, há uma notável óbice pedagógica na forma como a matéria internacional é lecionada para os(as) futuros(as) operadores(as) do direito. Ocorre que, conforme ampla literatura demonstra (como estudos terceiro-mundistas do direito internacional - TWAIL), a concepção pedagógica do curso jurídico foi formada a partir de referências teóricas que possuem uma base predominantemente eurocêntrica. Essa concepção epistêmica destina seus conhecimentos para uma determinada universalidade que silencia narrativas alternativas, privilegiando a história do Norte Global, além de carregarem em si premissas, direta ou indiretamente, supremacistas e racistas.

Surge, nesse contexto, uma maneira de desviar essa perspectiva colonial presente nas faculdades de direito do Brasil para um prisma descolonial, emancipatório e pluralista. Esse diagnóstico constata que, pensar o direito de forma crítica e situada, é uma forte ferramenta para darmos início a uma visão multicultural do direito. Para tanto, como bem argumenta Paulo Freire na sua obra “Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos”, devemos recorrer a criação de mecanismos pedagógicos que incentivem os(as) alunos(as) a uma aprendizagem e reflexão também da história do Sul Global, incorporando suas lutas sociais, políticas e epistêmicas.

Para confrontar a hegemonia imperialista, a descolonização do direito aparece como uma pauta primária de discussão em termos epistemológicos. O projeto de descolonizar é baseado no diagnóstico de que o regime colonial modificou o mundo e, constantemente fomenta uma transformação com seus legados, assumindo conotações e dinâmicas diversas no debate contemporâneo, que podem ser vistas e confrontadas por práticas sociais de movimentos de resistência.

No Brasil, professores(as) e pesquisadores(as) de direito internacional e de direitos humanos como Adilson Moreira, Arthur Capella Giannattasio, Bruno Pegorari, César Augusto Baldi, Cícero Krupp da Luz, Douglas de Castro, Fábia Veçoso, Fabio Morosini, Fernanda Franco, Fernanda Bragato, Élida Lauris, Ísis Conceição, João Henrique Roriz, Karine de Souza Silva, Lucas Tasquetto, Michelle Badin, Odara Gonzaga de Andrade, Thiago Amparo, Thula Pires, Tiago Botelho, Vitor Ido e tantos outros(as) têm se dedicado a essa agenda de práticas críticas e emancipatórias, buscando (des)centralizar os legados coloniais do direito. A coletânea Direito internacional: leituras críticas, organizada por Michelle Badin, Fábio Morosini e Arthur Giannattasio é um exemplo dessas tentativas de olhar, pensar e fazer o direito internacional a partir de outros lugares.

Do ponto de vista pragmático, advoga-se por uma intenção política anticolonial, que é livrar as “coisas” do mundo das relações de poder assimétricas entre povos, culturas e territórios. Ressalta-se, assim, uma inspiração histórica nas lutas anticoloniais vivenciadas nos países e nas comunidades que sofreram ou ainda sofrem o império do regime colonial. Vemos essas resistências sociais como objeto de libertação humana, das quais fragmentam a opressão colonial e elucidam as transformações sociais periféricas.                                        

Portanto, é no fazer pedagógico crítico que os estudos pós-coloniais e o giro decolonial ganham relevo. Catherine Walsh propõe uma pedagogia decolonial que engloba o debate acerca da interculturalidade, construindo uma educação com novas identidades e conhecimentos e afastando a construção de conhecimento da episteme do Norte Global. Destarte, a referida autora ratifica que a virada decolonial deve ser vista como mecanismo de luta e sobrevivência que, consequentemente, objetiva mudanças educacionais para influenciar uma noção crítica dos fatos. Desse modo, somente quando o direito internacional enxergar a formação de conhecimento pela ótica decolonial da emancipação dos imaginários e subjetividades é que poderemos começar a perceber uma ruptura na hegemonia de poder, que é transparentemente transferida à faculdade do ser e do saber.

Para finalizar sumariamente, rememoremos que a construção e valorização do pensamento e ensino crítico no direito internacional depende de uma reformulação no sistema de ensino. Como defende Aimé Césaire, no importante Discurso sobre o colonialismo, é preciso “estudar como a colonização funciona para descivilizar o colonizador”. Existe um diagnóstico de que grande parte das narrativas de sustentação e hierarquização educacionais tem abertura para compreender as especificidades e verdades da episteme dos países colonizados. Nesse contexto, deve servir como objetivo a formação de sujeitos atentos e atentas ao convite das propostas decoloniais e antirracistas, que rompam com as dinâmicas superficiais das matrizes curriculares a fim de desenvolver um raciocínio crítico e situado do direito.

 

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