“Encontro entre Direito e Narrativa Literária” – breves comentários sobre o livro - Por Paulo Silas Taporosky Filho

21/01/2018

"Encontro entre Direito e Narrativa Literária" é uma obra coletiva, organizada por Edna Raquel Hogemann e Érica Maia C. Arruda, que reúnes excelentes artigos sedimentados no movimento "Direito & Literatura". Conforme adianta o título da obra, os trabalhos que a compõem contribuem para evidenciar a possibilidade de maior compreensão das questões atreladas ao mundo jurídico através do uso do literário. Daí que se diz do encontro do direito com a narrativa literária, já que através da intersecção de tais saberes, faz-se possível uma reflexão própria sobre questões do cotidiano que acabam sendo objetos presentes em ambos os campos que no livro se assemelham, uma vez “há um ponto de intersecção entre direito e literatura, na medida em que ambos interpretam a sociedade[1]. A aproximação, portanto, é salutar, e seus efeitos estão visivelmente presentes nas excelentes produções no livro. 

"A mulher que habitava em Nísia Floresta" é o primeiro capítulo do livro, escrito por Alana Lima de Oliveira, onde se analisa vida e obra de Nísia, uma vez que "por meio de sua literatura, procura resgatar o sujeito oprimido da situação de vulnerabilidade em que se encontram com o intuito de restaurar sua dignidade"[2], apontando a autora que a produção literária de Nísia Floresta pode ser lida enquanto um manifesto em defesa dos direitos humanos. 

Ana Morena Sayão Capute Nunes escreve "O direito à honra de Quicas Berro d'Água: morto de morte morrida ou de morte matada", onde a partir de uma história de Jorge Amado, a autora promove uma reflexão acerca dos direitos de personalidade, principalmente aqueles que dizem respeito à autodeterminação e à honra, partindo de Dworkin como referencial teórico na análise estabelecida. 

Breno Botelho Vieira da Silva, utilizando-se do romance "O Deserto dos Tártaros", propõe reflexões críticas sobre o ensino jurídico no Brasil no capítulo "A Universidade Bastiani: reflexões sobre o ensino jurídico no país", aduzindo que as diversas falhas existentes no modelo universitário brasileiro engloba o modus operandi da maioria dos cursos jurídicos, de modo que, dado o quadro drástico que apresenta, uma mudança de postura é condição necessária para buscar se superar o problema, principalmente quando considerado que “há várias formas de lutar contra a sina do deserto dos tártaros, dentro e fora das salas de aula, que passam desde pelo fim da santificação do curso em questão, minimizando máximas reproduzidas pela sociedade e pelos próprios juristas, até uma modernização e reforma dos currículos universitários e da própria forma de pensar a universidade no Brasil[3]

No capítulo "O direito fundamental à moradia digna: do "cortiço", de Aluísio Azevedo, ao direito de laje", escrito por Demetrius dos Santos, o autor parte da obra "O Cortiço" com o fito de estabelecer um pensar sobre as políticas públicas que buscam efetivar o direito à moradia da população. 

Eduardo Leal Silva escreve "A Constituição da morte e o direito em pedaços no sertão nordestino", onde trabalha a partir do filme de Walter Salles, "Abril Despedaçado", buscando demonstrar que é o próprio homem "é o verdadeiro responsável pela escolha daquilo que irá nortear o caminho de sua vida". 

"A Constituição Dirigente em sala de aula: dama de triste figura?" é o capítulo escrito por Edípio Paiva Luz Segundo, no qual é examinada a Constituição Dirigente de Canotilho enquanto se apontam semelhanças “entre a hermenêutica jurídica e a literária por meio do exemplo literário de Dom Quixote, de Miguel Cervantes[4], propondo que o ensino da Constituição Dirigente seja estabelecido a partir da metodologia da problematização. 

Érica Maia Campelo Arruda é responsável pelo artigo "A proteção integral de crianças e adolescentes no conto "A Menina Vendedora de Fósforos"", onde faz uma relação do mencionado conto com o Estatuto da Criança e do Adolescente, refletindo sobre as mudanças pela substituição do Código de Menores para o Estatuto da Criança e do Adolescente, no sentido de buscar saber se as alterações se deram apenas no âmbito normativo ou se ocorreu alguma concretude na proteção de crianças e adolescente no Brasil. 

Carla Ferreira Gonçalves e Joaquim Humberto Coelho de Oliveira escrevem o capítulo "Direito e ficção científica: os limites entre humanos e não-humanos e a atribuição de personalidade jurídica a máquinas e ciborgues", abordando questões como direito biônico e personalidade jurídica cibernética através da interface com obras literárias de ficção científica (Philip Dick e Arthur C. Clarke, por exemplo). 

"O Banquete de Platão em análise: a influência do entendimento filosófico acerca do amor homossexual na esfera jurídica", de autoria de Thiago Serrano Pinheiro de Souza, é o capítulo que encerra a obra, onde é trazido ao leitor toda uma análise pormenorizada da mencionada obra de Platão acerca do discurso sobre o amor, concluindo-se no sentido de que o direito deve "legitimar a liberdade de exercício do amor, em suas múltiplas dimensões"[5]

É um livro interessante, profundo no trato das temáticas que aborda, e que muito contribui enquanto produção de relevância para o movimento "Direito & Literatura". Repleto de temas diversificados que se amparam no encontro entre direito e literatura, direito e arte e direito e narrativa literária, certamente será uma leitura proveitosa para aquele que tiver a oportunidade de ter contato com a obra. Vale conferir!

 

Notas e Referências:

[1] HOGEMANN, Edna Raquel; ARRUDA, Érica Maia C. (Org.). Encontro entre Direito e Narrativa Literária. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 2

[2] Ibidem., p. 27

[3] Ibidem., p. 83

[4] Ibidem., p. 147

[5] Ibidem., p. 239

HOGEMANN, Edna Raquel; ARRUDA, Érica Maia C. (Org.). Encontro entre Direito e Narrativa Literária. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

 

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