Em tempos de reforma trabalhista, o que é mesmo o trabalho?

08/11/2016

Por Guilherme Wünsch – 08/11/2016

Nestes últimos meses, a pauta política acerca da reforma trabalhista tem despertado a atenção da sociedade acerca da possibilidade de supressão, flexibilização ou uma espécie de releitura de institutos jurídicos consagrados pelo Direito do Trabalho. Diversas opiniões têm sido veiculadas, sejam contrárias ou favoráveis à chamada atualização das relações entre empregado e empregados. Mais do que pensar sobre tais possibilidades de reformas, há que se questionar o que é, ainda, o trabalho?

As últimas décadas evidenciaram que o trabalho passou por um processo de transformação, com significativas repercussões nos países em desenvolvimento, mormente naqueles de industrialização imediata. Ao mesmo tempo em que não se vislumbrara mais um trabalhador fabril, proletário, cresceu aquele trabalhador que se pode chamar de subproletário, assujeitado a condições precárias de trabalho, como na terceirização, em contratações informais, que amplificaram a fragmentação que o próprio trabalho passou com a criação de múltiplas categorias. Refere Ricardo Antunes que “a década de 80 presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e política. Foram tão intensas as modificações que se pode mesmo afirmar ter a classe-que-vive-do-trabalho presenciado a mais aguda crise deste século, que não só atingiu a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento desses níveis, afetou a sua forma de ser’.[1]

É inegável, entretanto, que os últimos anos foram marcados por um processo de intensa transformação tecnológica, nanotecnológica inclusive, que afetou sobremaneira a forma como as relações trabalhistas e o próprio trabalho são pensados. A forma de produção do capital adaptou-se à emergência de um novo processo de trabalho, em que não apenas o tempo e a produção são fatores de avaliação, mas a flexibilização dos padrões, com novos modelos de busca de produtividade, viram sinônimos de uma gestão de trabalho. Neste sentido, novamente as palavras de Antunes, quando explica que “de um lado verificou-se uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, manual, especialmente (mas não só) nos países de capitalismo avançado. Por outro lado, ocorreu um processo intensificado de subproletarização, presente na expansão do trabalho parcial, precário, temporário, que marca a sociedade dual no capitalismo avançado. Efetivou-se, também, uma expressiva terceirização do trabalho, em diversos setores produtivos, bem como uma enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços.”[2]

Desta forma, inobstante todo o desenvolvimento tecnológico que permeia as relações modernas de trabalho, se verifica a ainda existente desqualificação de formas de trabalho, demonstrando que esta pretensa atualização das relações entre empregado e empregador não parece que fará desaparecer esta classe-que-vive-do-trabalho, para se usar aqui a expressão referida anteriormente. Os trabalhadores não se enxergam como sujeitos em um processo de negociações diretas com os empregadores, ou até mesmo por seus sindicatos, porque a lógica ainda presente no trabalho dos dias atuais, não é a que busca a qualificação de tais relações, mas manter a centralidade do poder nas mãos do empregador. Mais do que uma crise de empregos, vive-se uma crise do que é mesmo o trabalho.


Notas e Referências:

[1] ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho Ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2009. p.206.

[2] ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho Ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2009. p.207.


Guilherme WunschGuilherme Wünsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) foi assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, é advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS e professor convidado dos cursos de especialização da UNISINOS, FADERGS, FACOS, FACENSA, IDC e VERBO JURÍDICO.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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