“Declaro promulgado o documento da liberdade,
da democracia e da justiça social do Brasil”.
(Ulysses Guimarães)
No último 5 de outubro (sexta-feira) a Constituição da República Federativa do Brasil completou 30 (trinta anos). Quando da sua promulgação em 5 de outubro de 1988, o então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Dr. Ulysses Guimarães com emoção e orgulho em seu discurso ressaltou que:
A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a: reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais.
Afrontá-la, nunca.
Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.
Quando disse que: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”. Ulysses foi calorosamente aplaudido. Pronunciando, ainda: “Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina”.
Ulysses Guimarães foi dado como morto em 12 de outubro de 1992 em razão de um acidente aéreo de helicóptero no litoral de Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Seu corpo nunca foi encontrado. Após sua morte, quando a Constituição da República ainda era uma criança, muita coisa mudou no País.
Hodiernamente, segundo o magistério de Paulo Bonavides a palavra Constituição já não é suficiente no campo do Direito Constitucional, para traduzir e demonstrar toda a realidade relacionada à “organização e funcionamento das estruturas básicas da sociedade política”. [1] De acordo com o eminente constitucionalista, é necessário, hoje, estabelecer uma distinção entre Constituição e sistema constitucional de modo a inserir o Direito Constitucional no âmbito da Ciência Política o que daria mais amplitude ao estudo, já que “pelos moldes clássicos não seria possível adequá-la aos meios jurídicos disponíveis”. [2]
Atualmente, como é sabido, a Constituição não se reduz a um “corpo de normas”, sendo algo muito mais abrangente e complexo. Sendo assim, é que alguns preferem se referir ao “sistema constitucional” expressão que compreende e que tem como conteúdo primeiro a Constituição, mas também as leis complementares e as leis ordinárias.
Infelizmente, o que está proclamado no preâmbulo da Constituição da República (CR) quando da entrega da mesma ao povo brasileiro, com o objetivo de instituir um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, está longe de se tornar realidade.
Nossa democracia é apenas formal e, mesmo assim, foi atropelada pela plutocracia e pela aristocracia. O povo para quem a Constituição, prioritariamente, deveria se destinar continua na busca dos direitos sociais e individuais, na procura do bem-estar, da igualdade e da verdadeira justiça. O povo no sentido trazido pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, para quem a interpretação política do temo povo deve partir do fato em especial, de que este, nas línguas europeias modernas, sempre indica também os pobres, os deserdados, os excluídos.
A democracia, no dizer do constitucionalista José Afonso da Silva,
há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu exercício. [3]
Para efetivação da democracia – em seu sentido material – é necessário que aqueles que forem elegidos para representar o povo, sejam verdadeiramente comprometidos com uma “sociedade livre, justa e solidária”. Como profetizou Ulysses Guimarães, “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança”.
Por tudo, em homenagem aos 30 anos da Constituição, é imperioso que no próximo domingo (7/10) seja repudiado toda e qualquer ideologia fascista tendente a abolir direitos e garantias insculpidas na balzaquiana Constituição brasileira. Necessário, em nome da própria democracia e do respeito a dignidade da pessoa humana, como postulado do Estado democrático de direito, que seja sepultado, definitivamente, o fascismo.
Notas e Referências
[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
[2] BONAVIDES, op. cit. p. 76.
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
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