É muito comum ouvir-se a expressão “hoje em dia”. No mais das vezes se a usa para desmerecer a época corrente, afirmando-se que atualmente as coisas – todas e quaisquer coisas – são piores do que no passado.
Então, conclui-se sem a devida reflexão: hoje em dia somos mais “dinheiristas”, mais interesseiros, mais insensíveis. Hoje em dia não temos valores. Hoje em dia nem mesmo se pode confiar muito nos outros.
São afirmações equivocadas, sem perspectiva histórica. Hoje em dia o mundo é extremamente melhor do que foi no passado. É mais solidário socialmente, é mais confortável individualmente.
Gente de mau caráter houve e há. Não é pouca no presente, não foi escassa no passado. Tolos, igualmente, existem de sobra, mas o pretérito também não foi econômico na oferta de curtos de entendimento.
A natureza humana mudou pouco – se mudou alguma coisa –, não obstante os discursos moralistas de direita, que veem degeneração no avanço dos tempos, e de esquerda, que asseveram o crescimento da injustiça.
O que está inteiramente diferente são os ambientes privado e social em que os humanos vivem. E eu diria que, felizmente, estão totalmente diferentes. Estão muito mais francos e generosos. Estão mais “descontrolados”.
Não se analisa a vida contemporânea com facilidade. É difícil falar da época atual com isenção, porque ela incide sobre a nossa consciência e compõe nossos meios de compreensão, contagiando nossas conclusões.
Arrisco-me, todavia, a levantar argumentos em favor da contemporaneidade. Sem desprezar as misérias do mundo – tantas e tão tristes –, ouso afirmar que vamos relativamente mais confortáveis, moral e materialmente.
Longe de mim declarar o “fim da História”, mas, estudando-a, sei que temos mais liberdade de posição pessoal, mais meios de conforto físico e mais conhecimento à disposição de um número crescente de pessoas.
Conhecimento acera o curioso; ele aprende, ainda que aprender doa. Saber faz questionar o mundo, desprende das verdades religiosas e ideológicas. Sem verdades explicativas, pensa-se, mesmo que pensar angustie.
Comodidades nos proporcionam tempo, permitem divertimento. Desafeitos ao uso do tempo e um tanto angustiados pela falta de explicações para o mundo, muitas vezes nos extravasamos na diversão; nos excedemos.
Menos censura, mais excesso. O excesso é perdulário da própria vida, mas é erro reparável para quem o errar educa. Resta menos mal, de toda forma, o exceder-se que a submissão ao autoritarismo privado ou público.
Conhecimento, tempo e conforto dão liberdade. Liberdade provoca incertezas. Se não me dizem aonde ir, eu tenho que decidir. Se as religiões e as ideologias são confrontadas pelo saber, eu estou solto das rédeas da tradição.
Eis-me, assim, num mundo sem respostas. Cabem-me as perguntas. Cabe-me respondê-las. Tenho que lidar comigo com minha luz própria. Luz própria pede conhecimento, que pede esforço para conhecer.
O mundo está menos complicado, mas está mais complexo. É mais difícil. Agora, contudo, eu posso; antes eu não podia. Hoje há possibilidades ao meu alcance; antigamente nem era permitido buscá-las.
Sim, as circunstâncias da sociedade de consumo são avassaladoras. Se não nos precatamos, elas nos tragam. De fato, elas fascinam, mas, pelo andar da História sempre houve o seduzimento dos tolos de hábito.
No passado, multidões foram manipuladas pela invenção de deuses (sempre maus), reis (em geral, déspotas), organizações religiosas e aparelhos de poder à esquerda é à direita, em nome da salvação no Céu ou na Terra.
Na contemporaneidade, somos massas manejadas pelas mídias ou aglomeradas em bolhas de internet, recebendo “sabedoria” robotizada, objeto de algoritmia; não somos mais lúcidos ou mais éticos.
Sem desconsiderar as armadilhas do “sistema”, entretanto, insisto: no tempo presente é possível desvencilhar-se: quem se atina e recusa o facilitário banal reciclado tem mais e melhor com que viver a vida.
Imagem Ilustrativa do Post: Stained glass ceiling // Foto de: Kevin Burkett // Sem alterações
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