Efeitos da revogação da tutela antecipada na judicialização da saúde – Por Clenio Jair Schulze

27/06/2016

Questão importante na judicialização da saúde é saber se é necessária a devolução dos valores dos medicamentos adquiridos por ordem judicial nas hipóteses de revogação da tutela antecipada, de improcedência do pedido ou de extinção do processo sem resolução do mérito.

Há três posições sobre o tema.

Um primeiro entendimento, majoritário, isenta o autor do processo a devolver os valores. O principal fundamento aponta que os valores são irrepetíveis. Neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL. TRATAMENTO DE SAÚDE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA. EFEITOS EX TUNC. INAPLICABILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES GASTOS PARA AQUISIÇÃO DO MEDICAMENTO. DESCABIMENTO. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Consoante entendimento da Sexta Turma deste Tribunal, "a revogação de ato judicial que assegurou o fornecimento de medicamento à autora, decorrente da extinção do processo sem resolução de mérito, deve operar efeitos 'ex nunc'" (AC n. 0031547-42.2014.4.01.3803 - Relator Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian - e-DJF1 de 23.07.2015). 2. Extinto o processo, sem resolução do mérito, não há que se falar em devolução dos medicamentos fornecidos e das importâncias fornecidas para a sua aquisição, considerando que os valores "que revelem natureza alimentar ou se destinem a suprir necessidades médicas, são irrepetíveis" (STJ: AREsp n. 447.339 - Relator Ministro Benedito Gonçalves - DJe de 27.02.2014). 3. Sentença mantida. 4. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, desprovidas.[Grifado]. (TRF1, Apelação Cível 00057214420094013300, DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, SEXTA TURMA, j. 02/05/2016, e-DJF1 DATA 11/05/2016)

Ou ainda:

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO. AGRAVOS RETIDOS. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. HIPOSSUFICIÊNCIA. LEGITIMIDADE. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO. MULTA (ASTREINTES). FALECIMENTO DO AUTOR. PERDA DE OBJETO. EXTINÇÃO. MULTA DIÁRIA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCESSÃO. [...] 7. Hipótese em que, dado o falecimento da parte autora, configurada a perda superveniente do objeto da ação, uma vez que o fornecimento de medicamentos por parte do Poder Público é um direito intransmissível, em razão de sua natureza personalíssima, impondo-se a extinção do feito, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI e IX, do CPC. 8. A improcedência ou a extinção sem resolução de mérito de ação onde se postula a prestações de serviços de saúde pelo Poder Público não implica na necessária restituição de valores relativos à aquisição de medicamentos ou despesas com tratamentos de saúde advindos de antecipação dos efeitos da tutela deferida nos autos. Referidos valores são irrepetíveis, uma vez que possuem natureza semelhante à verba alimentar. [...] [grifado] (TRF4, APELREEX 5000833-18.2014.404.7202, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 10/12/2015)

Um segundo entendimento afirma que é possível a devolução desde que demonstrada a má-fé da parte autora (fraude, simulação, conluio, etc).

O Tribunal Regional Federal da 4a Região já decidiu neste sentido:

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. DEFERIMENTO EM TUTELA ANTECIPADA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. O recebimento dos fármacos se deu com amparo em decisão judicial que se pautou pela íntima convicção do Julgador e diante da verossimilhança das alegações. Não ficou reconhecida a má-fé da autora no recebimento dos medicamentos, o que obsta qualquer pedido de restituição de valores. Tocante ao pedido de repartição dos valores gastos, a parte deve buscar o ressarcimento na via administrativa, com base na legislação de regência, sem prejuízo do disposto no art. 80 do CPC, em que prevista a possibilidade de ressarcimento junto aos demais co-devedores, por quem satisfizer a dívida, a ser manejado em ação própria. [grifado] (TRF4, AC 5003711-12.2011.404.7204, QUARTA TURMA, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 20/06/2012)

Seguindo a mesma posição:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RELATIVOS À AQUISIÇÃO DOS MEDICAMENTOS. DESNECESSIDADE. Não havendo má-fé, não há necessidade de restituição dos valores despendidos pelos entes federativos para aquisição dos fármacos alcançados à parte autora. [grifado] (TRF4, AC 5003108-84.2012.404.7112, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 18/05/2016)

Por fim, há um terceiro entendimento, que exige a devolução dos valores correspondentes aos medicamentos - ou outros produtos em saúde - pagos por força de ordem judicial. Neste caso, o fundamento reside na responsabilidade do processo, porquanto a parte autora assume os riscos da judicialização. E se a decisão lhe é desfavorável - ainda que positiva em momento inicial - será do demandante o dever de assumir os gastos decorrentes do processo. Além disso, a decisão provisória não configura direito adquirido e o bem obtido no provimento judicial sem definitividade não se incorpora no patrimônio do autor.

Esta posição é adotada pelo Superior Tribunal de Justiça nos casos de ações previdenciárias em que há revogação da tutela antecipada que determinou a concessão de algum benefício no INSS. A decisão foi proferida, inclusive, em sede de recurso repetitivo, de modo que sua aplicação é automática em todos os casos semelhantes. Observe-se:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C DO CPC/1973. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO  PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. ARTIGO 115 DA LEI 8.213/1991. CABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1.  Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai a  incidência  do  Enunciado  Administrativo n. 2/STJ: "Aos recursos interpostos   com  fundamento  no  CPC/1973  (relativos  a  decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de  admissibilidade  na  forma  nele prevista, com as interpretações dadas,  até  então,  pela  jurisprudência  do  Superior  Tribunal de Justiça." 2.  Firmou-se em sede de representativo de controvérsia a orientação de  que a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação   a   devolver   os  benefícios  previdenciários  indevidamente recebidos. 3.  A principal argumentação trazida pela embargante consiste em que a tutela antecipada que lhe reconheceu o direito à aposentadoria por idade  rural,  posteriormente,  revogada  pelo  Tribunal  a quo, foi concedida  de  ofício  pelo  Magistrado  de  primeiro  grau, sem que houvesse requerimento da parte nesse sentido. 4.  A  definitividade da decisão que antecipa liminarmente a tutela, na  forma  do  artigo  273 do CPC/1973, não enseja a presunção, pelo segurado, de que os valores recebidos integram, em definitivo, o seu patrimônio. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada, consoante artigo 273, § 2º, do CPC/1973. 5.  Quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não  é  irreversível.  Nos  dizeres  do Ministro Ari Pargendler, que inaugurou a divergência no âmbito do julgamento do representativo da controvérsia,  mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo que  recebeu  indevidamente. O argumento de que ele confiou no Juiz, ignora  o  fato  de  que a parte, no processo, está representada por advogado,  o  qual  sabe  que  a  antecipação de tutela tem natureza precária. 6. Do texto legal contido no artigo 115 da Lei 8.213/1991, apesar de não  expressamente prevista norma de desconto de valores recebidos a título  de antecipação da tutela posteriormente revogada, é possível admitir,  com  base  no  inciso II e, eventualmente, no inciso VI, o ressarcimento pretendido. 7. Embargos de declaração rejeitados. [grifado] (STJ, EDcl no REsp 1401560/MT, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. 27/04/2016, DJe 02/05/2016)

Como se observa, todas as posições são defensáveis. O importante, neste contexto, é verificar a situação concreta de cada processo judicial e identificar aquela que melhor se ajusta ao núcleo do direito à saúde e à teoria processual.


 

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