Efeito suspensivo da apelação no novo CPC: questões velhas e novas – Por Daniel Colnago Rodrigues

13/09/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi 

O novo Código de Processo Civil brasileiro instituiu uma regra geral de ausência de efeito suspensivo recursal. Em outras palavras, isto significa dizer que, no mais das vezes, os recursos não impedem a eficácia da decisão recorrida, salvo no caso de disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso (art. 995, caput, CPC/2015). Pois o recurso de apelação é justamente um dos casos em que, por expressa disposição da lei, a decisão recorrida (sentença) nasce ineficaz.

Em que pese a regra geral do sistema, a verdade é que nosso principal recurso (apelação) segue tendo, em princípio, efeito suspensivo automático (art. 1.012, § 1º). Sobre este tema, algumas questões – umas novas, outras nem tanto assim – merecem análise.

Em primeiro lugar, vale lembrar que até se chegou a prever, na versão inicial do Anteprojeto do novo CPC (Senado), a exequibilidade imediata da sentença. No entanto, após intensos debates no ambiente legislativo, optou-se por manter a mesma lógica do CPC/1973 segundo a qual a apelação produz, via de regra, o efeito suspensivo. Na mesma linha, as hipóteses excepcionais, isto é, casos em que a apelação não dispõe de efeito suspensivo ope legis, foram, em geral, reproduzidas pelo CPC/2015, merecendo destaque, porém, a contida no inc. V do § 1º do art. 1.012, no sentido de que começa a produzir efeitos de imediato a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória.

Não é novidade alguma afirmar que a sentença que confirma (ou concede) tutela antecipada produz efeitos imediatamente. O CPC/1973, em seu art. 520, VII, já dizia isso. A relevante inovação está, na verdade, na combinação de dois pontos: em primeiro lugar, o novo CPC se vale da expressão “tutela provisória”, e não mais, simplesmente, “antecipação dos efeitos da tutela”. Engloba, pois, as tutelas antecipada, cautelar e, inclusive, de evidência (conforme divisão adotada pelo Código); em segundo lugar, o CPC/2015 amplia consideravelmente as hipóteses de tutela de evidência (art. 311), permitindo que o juiz conceda uma tutela provisória, por exemplo, se o pedido do autor estiver lastreado em precedente obrigatório, ou mesmo se, provados os fatos constitutivos do seu direito, o réu não opuser prova capaz de gerar dúvida razoável ao magistrado.

Ora, isto tem o condão de quase inverter a regra geral de que a apelação possui efeito suspensivo automático.

Vejam: se o juiz pode inclusive liminarmente (antes de ouvir o réu) conceder tutela de evidência, por entender que as alegações do autor estão provadas e que há precedente obrigatório em seu favor, o que dirá quando a cognição já estiver exauriente, no momento da sentença?! De igual maneira, o grau de “certeza” de um julgamento definitivo se mostra quase sempre incompatível com a existência de dúvida razoável do julgador. Logo, se bem utilizada (entenda-se: parte precisa pleitear, já que se trata de uma tutela provisória), esta técnica permitirá que grande parte das apelações fique desprovida de efeito suspensivo automático. Uma boa novidade!

Não apenas nesta hipótese de confirmação (ou concessão) de tutela provisória, mas em todos os casos em que a sentença for imediatamente exequível, diz o CPC/2015 que o apelado poderá promover o pedido de cumprimento provisório depois de publicada a sentença (art. 1.012, § 2º). E não se pode confundir, aqui, os conceitos de publicação e de intimação da sentença. Publicar, como se sabe, é o ato de tornar pública a decisão, o que, no caso da sentença, se dá, em regra, no momento em que ela é inserida nos autos. Intimar, por sua vez, é o ato de dar ciência a alguém do teor da sentença, o que, em regra, se dá no momento em que a decisão é veiculada no Diário Oficial. Trocando em miúdos: mesmo antes da disponibilização da sentença no Diário Oficial, o vencedor da ação já pode dar início à atividade executiva.

Seja como for, nos casos em que a apelação não tiver efeito suspensivo automático (ex: apelo contra sentença que condena o réu a pagar alimentos), permite a lei que o recorrente requeira a atribuição de tal efeito por força de decisão judicial. Muito se discutiu, na vigência do Código revogado, sobre a forma mais adequada de obtenção de efeito suspensivo à apelação que fosse dele desprovida: se mediante agravo de instrumento (contra a decisão do juiz que recebesse a apelação apenas no efeito devolutivo); se por meio de medida cautelar, preparatória ou incidental; se através de mandado de segurança; ou, ainda, se por intermédio de petição autônoma dirigida ao relator. A insegurança jurídica era gritante!

Pois o novo CPC resolve, em grande medida, este problema. Estabelece o art. 1.012, § 3º, que o pedido de concessão de efeito suspensivo - nessas hipóteses em que a apelação não o detém automaticamente - poderá ser formulado mediante requerimento simples, sendo desnecessária, portanto, a interposição de novo recurso ou mesmo a propositura de nova ação (cautelar ou MS). Basta uma petição autônoma, que será dirigida ao relator, se já distribuída a apelação; ou dirigida ao tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição. Neste último caso, fica o relator designado para seu exame prevento para julgá-la.

Resta, porém, a seguinte indagação: poderia o pedido de concessão de efeito suspensivo ser formulado antes mesmo da interposição da apelação?

Parece-nos que sim. Muitas vezes, o tempo necessário para elaboração do recurso de apelação revela-se incompatível com a necessidade emergencial de suspensão dos efeitos da sentença. Assim, fazendo uma analogia ao art. 303 do CPC/2015, que trata do pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, pode-se afirmar que, nos casos em que a urgência for contemporânea à interposição da apelação, a parte interessada poderá limitar-se ao requerimento de efeito suspensivo, dirigindo uma petição simples ao tribunal competente, que será regularmente distribuída, ficando o relator designado para exame prevento para futuro julgamento da apelação. Não deixa de ser, em última análise, um exemplo de tutela provisória antecipada antecedente recursal.

Ademais, o CPC/2015 também trouxe novidades quanto aos requisitos para concessão do efeito suspensivo à apelação que, originariamente, não o tenha.

No CPC/1973, o relator estava autorizado a suspender a eficácia da sentença apenas se fosse para evitar risco de dano grave ou de difícil reparação, desde que relevante a fundamentação (art. 558, caput). Dito de outro modo: a obtenção do efeito suspensivo dependia sempre de urgência. No novo CPC, diferentemente, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação (art. 1.012, § 4º). Como se vê, ao utilizar a conjunção alternativa “ou”, permite o legislador que se atribua efeito suspensivo à apelação, suspendendo a eficácia da sentença recorrida, com base tão somente na probabilidade de provimento do recurso (fumus boni iuris). Trata-se de um exemplo de tutela provisória de evidência recursal.

A respeito do tema, uma última observação ainda se mostra pertinente.

Na nova sistemática processual, contra a decisão do relator que julga o pedido de efeito suspensivo recursal, seja ele feito mediante tutela de urgência, seja mediante tutela de evidência, cabe o recurso de agravo interno, conforme art. 1.021 do CPC/2015. O alerta é importante, na medida em que, durante a vigência do CPC/1973, tal decisão era irrecorrível, sendo passível de reforma apenas no momento do julgamento (art. 527, p.u.). Por isto, inexistindo proibição quanto à recorribilidade, não se mostra mais possível - ao menos em tese - a impetração de mandado de segurança contra ato do relator que decide o requerimento de tutela provisória recursal.

Se tudo isto que foi visto sobre efeito suspensivo da apelação se aplica ou não aos demais recursos, notadamente os extraordinários, é assunto para um próximo texto. Até lá!


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