É teratológico Juiz de Direito impedir Jogador de Futebol de entrar em campo no Avaí e Figueirense, em Santa Catarina

14/06/2015

 

Por Thiago M. Minagé - 13/06/2015

O Juiz de Direito do Juizados Especiais de Santa Catarina proibiu o jogador do Figueirense Esporte Clube entrar em campo porque teria incitado crime em vídeos na internet (aqui). A decisão só não é mais ilegal do que a que negou a liminar no Habeas Corpus impetrado a favor do jogador. Uma sucessão de atos ilegais, arbitrários e teratológicos, de quem parece não entender nada de garantias constitucionais e confunde suas funções numa Democracia. Sinceramente, parece que pensam estar analisando cautelares cíveis, nas quais existe o poder geral de cautela.

Busco explicar. Tenho lido, estudado, pesquisado e trabalhado o instituto das Medidas Cautelares, ocorre que, certas situações, saltam aos olhos e me faz quase desistir de tudo quando me deparo com desmandos estatais e utilização arbitrária de institutos processuais para interesses sabe-se lá de onde, para onde ou para quê.

A redação do art. 282 do CPP é clara, as Medidas Cautelares deverão ser aplicadas observando-se, de forma cumulativa os seguintes requisitos autorizadores. De forma simples e objetva, são[1]:

Necessidade – se refere a este requisito, indubitavelmente constata-se a obrigatoriedade do periculum libertatis, verdadeiro fundamento[2] da medida cautelar.

Investigação ou instrução processual – necessário distinguir suspeito, indiciado e acusado. Logo, apenas pode ser sujeito passível de sofrer uma restrição mediante aplicação de medidas cautelares o indiciado ou acusado, uma vez que a legislação é clara ao afirmar no inciso II que: “...para a investigação ou a instrução criminal...”. Dessa forma, SOMENTE NO INQUÉRITO POLICIAL E/PROCESSO CRIMINAL PODE SER DECRETADA MEDIDA CAUTELAR.

Tipicidade processual – nullum iudicum, sine acusatione, sine probatione et sine defensione. Dessa forma, definitivamente, não existe o chamado poder geral de cautela ou mesmo cautelares inominadas[3].

Efetiva potencialidade de reincidência – Deve-se comprovar e demonstrar, reiteradamente, a efetiva possibilidade da prática criminosa por parte do suposto autor do fato, de modo a autorizar uma necessária imposição de medida restritiva de liberdade, a fim de se evitar a possível frustração tanto do processo como também de eventual aplicação da lei penal.

Proporcionalidade da medida inerente ao suposto fato praticado – em decorrência de fervoroso clamor público, a restrição imposta à pessoa humana em nada pode ultrapassar, primeiramente, a necessária e suficiente resposta ao fato supostamente praticado, e em segundo lugar, jamais poderá ser mais gravosa do que a possível pena a ser imposta em caso de condenação penal.

Condições pessoais do indiciado ou acusado – e, por último, mas não menos importante, as condições de caráter pessoal do possível autor da infração penal, que por questões lógicas devem ser levadas em consideração, tais como as condições sociais e as oportunidades não só escolares como de trabalho.

E mais! Dispõe o § 3º do artigo 282 do CPP ora analisado[4] que, “...ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida (...) determinará a intimação da parte contraria...”. Isso significa que o juiz, após o recebimento do pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, com o intuito de evitar tomadas de decisões precipitadas e desconformes com os ditames da alteração legislativa.

Porém, para meu espanto e dor no cérebro, no dia 22 de maio, a Delegada da Polícia Civil de Santa Catarina, informou que iria pedir uma medida cautelar caso considerasse necessário sob argumento de proteger o jogador do Figueirense e que a presença dele no Estádio da Ressacada poderia aumentar a tensão do clássico a ser disputado. E ainda afirmou a Delegada: “Esse pedido foi feito porque o atleta está na posição de investigado. A medida cautelar é prevista no código de processo penal no artigo 319, inciso II”.

Ocorre que, nada de absurdo teria se não estivéssemos falando de um procedimento do JECRIM, isso mesmo, Termo Circunstanciado, ou seja, não existe Inquérito e muito menos processo criminal.

Mas até então, seria somente uma crítica à infeliz manifestação da Autoridade Policial, mas, quando o respectivo jogador esteve presente na delegacia para prestar esclarecimentos foi avisado por um oficial de justiça que a medida cautelar tinha sido autorizada pelo juiz competente do JECRIM. Pronto! Quase enfartei! Para piorar, até porquê, nada é tão ruim que não possa piorar, o juiz do plantão que recebeu o HC para cassar essa anomalia jurídica, cuja finalidade nada mais é que propagar o ódio entre os torcedores a incentivar a insatisfação generalizada da paixão futebolística, negou a ordem em caráter liminar.

Vejam, nítida decisão corporativista, sem base legal, violadora de todos os requisitos e institutos processuais, baseada em alarmismo e bom mocismo de fachada. Só falta o juiz querer anular gol, determinar substituição de jogadores, proibir vendedor de pipocas. O crime imputado não justifica a cautelar deferida, sendo um ato de absoluta ilegalidade, próprio do bom mocismo de fachada e que conta com a guarida inacreditável do Poder Judiciário Catarinense. Cabe até um Mandado de Segurança para conter esta barbaridade junto ao TJSC. No fundo esta decisão fomenta o ódio, a violência e o confronto. Em Santa Catarina Juiz de Direito escala time conforme sua consciência. Daqui a pouco irá escalar o time conforme a ficha de antecedentes dos jogadores. Se um Juiz desses vai ao estádio é capaz de determinar medidas cautelares de oficio no caso de uma entrada mais violenta, proibindo o agressor de se aproximar da vítima. O ativismo e protagonismo do Judiciário, no caso, é ridículo e vergonhoso para a Democracia.


Nota e Referências:  

[1] MINAGÉ. Thiago. Prisões e Medidas Cautelares à Luz da Constituição. 2ª edição. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2015.

[2] LOPES JR. Aury. “Breves Considerações Sobre o Requisito e o Fundamento das Prisões Cautelares”. Informativo ITEC. Ano II, nº 5, abril/maio/junho 2000.

[3] DA ROSA. Alexandre Morais. Guia Compacto de Processo Penal conforme a teoria dos jogos. Pág. 111. A função do poder judiciário é o de garantir os Direitos Fundamentais do sejuito em face do estado, a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam se houver relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes, nos exatos limites normativos. Assim é que, vigorando o principio da legalidade, não pode o juiz invocar o poder geral de cautela e inventar novas modalidades. O poder geral de cautela é estranho ao processo penal até porque coloca o juiz no lugar do jogador.

[4] Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

  • 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo;

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Thiago M. Minagé é Doutorando e Mestre em Direito. Professor de Penal da UFRJ/FND. Professor de Processo Penal da EMERJ. Professor de Penal e Processo Penal nos cursos de Pós Graduação da Faculdade Baiana de Direito e ABDConst-Rio. Professor de Penal e Processo Penal na Graduação e Pós Graduação da UNESA. Coordenador do Curso de Direito e da Pós Graduação em Penal e Processo Penal da UNESA/RJ unidade West Shoping. Advogado Criminalista.

E-mail: thiagominage@hotmail.com


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