E quando dois dos seus maiores exemplos no magistério, realizam profícua discussão acadêmica?

29/09/2016

Por Tainá Aguiar Junquilho - 29/09/2016

Nesta semana, pude acompanhar à distância o debate entre dois professores queridos[1].

Hermes Zaneti Jr, professor que me deu aulas no Mestrado da UFES. Responsável por longos debates a quem eu devo muito do que aprendi sobre precedentes. E, portanto, sobre ele posso falar: um professor daqueles que te permite debater por amor à construção argumentativa de teses e que tem a noção plena de que o discurso acadêmico é sempre uma ‘verdade’ momentânea e precária, sujeita, portanto, à críticas geradoras de reconstruções constantes.

Lenio Luiz Streck, professor a quem eu sempre admirei, desde antes das polêmicas na Coluna no Conjur, talvez pela influência de que alguns de seus orientandos na UNISINOS deram aula na Faculdade de Direito de Vitória - na qual me graduei.

Em resumo: eu sou suspeita para falar de qualquer um dos dois. Mas esse equilíbrio de admiração por ambos, talvez ‘zere’ a suspeição rs.

“Ao trabalho, pois”.

Em primeiro lugar, sou testemunha de que Zaneti nunca defendeu a “commonlização” do Direito no Brasil.

Ao contrário, comigo em aula sempre defendeu a adequação da teoria dos precedentes ao Brasil de forma responsável e de maneira a respeitar a nossa tradição. Mesmo porque, compreende que o tema “precedentes judiciais” é parte fundamental da teoria do direito e que, portanto, não deve ser encarado como pertencente a uma ou outra tradição.

Da mesma forma, a tese de que a vinculação aos precedentes, justifica-se pela autoridade das Cortes de Vértice sempre foi por ele muito questionada.

Zaneti compreende que o STJ e o STF são Cortes que cumprem um papel democrático fundamental o qual inclui o de conferir racionalidade na interpretação das leis.

Todavia, sabe que antes de um precedente ser proferido pelas Altas Cortes e, assim, a questão ser resolvida (ainda que não definitivamente, devido a multiplicidade das situações que desafiam a constante interpretação do texto), o papel de conferir integridade ao sistema cabe a todas as instâncias judiciais, que não somente o STJ e o STF. Além disso, sabe também que diante das possibilidades interpretativas do texto, se a situação exigir distinção do precedente criado pelo STJ ou STF, essa deverá ser realizada pelo julgador e apontada pela parte.

Por fim, dou razão, contudo, a questão colocada por Lenio, no que tange à crítica a interpretação operativa - a qual, todavia, é (ao contrário do que afirma Lenio) é respeito fiel ao seu orientador, Ferrajoli.

Zaneti entende que;

“Diante de textos vagos e ambíguos, os juízes proferirão decisões interpretativas sobre o significado da norma legal. Nestes momentos, haverá a chamada interpretação operativa7, isto é, reconstrução da norma pelo julgador e devolução ao ordenamento jurídico de conteúdo normativo reconstruído. A interpretação operativa enseja a formação do precedente (aspecto material), desde a decisão seja qualificada como vinculante pelo art. 927 do CPC/2015 (aspecto formal)”. (Texto de seu orientando Carlos Frederico Bastos Pereira – Por que o Poder Judiciário não legisla no modelo de precedentes do CPC/2015)

Não entendo que isso faz com que ele compreenda que juízes possam ser legisladores. Mas sempre critiquei[2] (quem sou eu não é mesmo? rs), em aula, essas afirmações, por compreender que Zaneti entende que existe a possibilidade de textos chamados “vagos e ambíguos”. Aí sim, nesse ponto, concordo com Lênio, no sentido de que não há como se exigir ausência de vagueza e ambiguidade nos textos.

Todas essas questões puderam por mim ser percebidas em aula, mas também parecem estar profundamente presentes nos inúmeros textos em que Zaneti aborda o tema. Estaríamos, então, diante de uma “má” interpretação do texto do autor?

Finalmente: o que pude aprender com esse debate?

1) Primeiro aprendizado:

Quando se vê um leitor do texto (Lenio) criticando algo que o próprio autor (Zaneti) diz ter sido uma compreensão com “erro crasso”, reafirma-se a tese de que o texto, após escrito, é do mundo!

Se por um lado isso conforta, por saber que quando escrevemos, a responsabilidade pela interpretação é do intérprete e não do autor; por outro lado, desespera, pois passa-se a compreender que o texto poderá não cumprir as “funções” que desejamos ao escrevê-lo.

2) O segundo aprendizado veio em forma de questionamento, sempre importante para a compreensão e evolução das precárias teses da modernidade:

Dado um texto que será interpretado (e se transformará em norma, no caso jurídico), como construir a interpretação que ao mesmo tempo não seja justificada, pela tese da “autoridade”, mas que cumpra, ao mesmo tempo, a função de racionalizar a aplicação das leis?

Levando à discussão ao contexto:

É possível que se fale em interpretação absurda ou completamente desconforme do texto de Zaneti? Quais as balizas interpretativas de seus textos? Qual papel cumpre a mens legislatoris nesse caso (opinião do autor)?


Notas e Referências:

[1] O debate começou na coluna do Conjur e se seguiu no Facebook de ambos. http://www.conjur.com.br/2016-set-22/senso-incomum-commonlistas-brasileiros-proibir-juizes-interpretar

[2] Vale ressaltar que o Professor sempre respeitou muito meu espírito questionador em sala de aula, o que sempre me fez admirá-lo muito.


taina-aguiar-junquilho. . Tainá Aguiar Junquilho é Mestre em Direito pela UFES. Fã de Lenio Luiz Streck e de Hermes Zaneti Jr. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Debate // Foto de: Rising Damp // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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