E o Facebook se fez em cores – Por Léo Rosa de Andrade, Débora Spagnol e Rideko Suzuki

02/07/2015

Por Léo Rosa de Andrade, Débora Spagnol e Rideko Suzuki - 02/07/2015

É a base da nossa formatação mental, constitui a nossa civilização. Se nós quisermos entender a nós mesmos, não há como não ler a Bíblia. Bem procuradas, encontram-se algumas pregações legais perdidas num que noutro lugar. No geral, contudo, seus livros são uma narrativa de ódio, vingança, assassinato, guerra, machismo, preconceito, escravidão, ameaça. Prega o que há de feio e de pior. Os crentes deveriam lê-la e, se a entenderem, se arrepender.

O sistema de poder cujo discurso de fundo é a Bíblia foi instituído por Constantino no início do Século IV e reinou absoluto até o fim do Século XVIII. São mil e quinhentos anos sem nenhuma alternativa a um único indivíduo do Ocidente. Ou se professava sua fé católica e se levava a vida nos seus estritos termos, ou se morria. Os católicos matavam os seus dissidentes de forma horrenda: queimando-os, afogando-os, arrancando-lhes a pele.

O controle do mundo e da forma de pensar das pessoas meio que deixou a História em suspenso. Nada de ciência, de pesquisa, de tecnologia. Tudo se resumia a erguer catedrais e fazer guerras santas. Com o Renascimento, o Iluminismo, a Revolução Inglesa, a Revolução Americana, a Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte, o retorno ao pensamento grego, o desabrochar da indústria, o mundo voltou a ter movimento, a se fazer mais e melhor.

O modo de pensar religioso subsiste, conseguiu sobreviver à Revolução Francesa. O Iluminismo jamais alcançou suficientemente a Península Ibérica. Ainda temos muito da Espanha e do Portugal medieval. O medievo ainda está nas escolas, na cabeça das professoras, nas famílias tradicionais. A educação formal embute o modo católico de pensar. E os religiosos sabem que devem espraiar-se pela mídia. E estão nela. Mas não são os donos dela.

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu derrubar os vetos contrários ao casamento gay mantidos por 14 de seus estados federados. A fundamentação (lavra do juiz Anthony Kennedy) está no princípio da dignidade pessoal (14ª Emenda): o Estado não pode “privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal”. Nos EUA, proteger o indivíduo da invasão estatal é apanágio do seu way of life.

Tanto é assim que a decisão já adianta o reconhecimento de que com base na liberdade religiosa (1ª Emenda) os crentes poderão continuar a se opor ao decidido, sendo o debate permitido. Talvez isso prolongue um pouco a questão. Alguns estados divulgaram comunicado denunciando a decisão suprema, prometendo proteger a religião: liberaram seus tabeliães da obrigação de realizar os atos formais do enlace, se isso contrariar sua fé.

Creio que lá, como aqui, o tabelionato seja serviço de interesse público. Todo tabelião terá de cumprir a tarefa de casar quem aposta na formalização da vida amorosa como maneira de garantir a felicidade. Seja, na prática, pode-se continuar a falar mal dos gays, mas não se pode fazer obstáculo à sua pretensão de igualdade casamenteira. Sai a sacralidade da união entre homem e mulher, entra a legalidade contratual da convivência entre pessoas.

Mas a causa ideológica de fundo perdurará. O cristianismo ainda faz as consciências. Seu manual de vida odeia gays: Trago alguns versículos sobre homossexualismo: “Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante” (Levítico, 18:22); “Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão de ser executados, pois merecem a morte” (Levítico 20:13).

Para o “divino”, gay não presta: “Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens [...] cheios de toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia. São bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos; inventam maneiras de praticar o mal; desobedecem a seus pais; são insensatos, desleais, sem amor pela família, implacáveis” (Romanos 1:21-31).

O Facebook amanheceu colorido. São luzes solidárias sobre a herança intolerante das trevas medievais. A suavidade da cor nas fotos contribui para a melhor aceitação de novos grupos e suas peculiaridades no convívio social. O You Tube se coloriu. The White House, o Palácio do Planalto, o Conselho Nacional de Justiça estão em cores. Amigos meus também. Eu me faço colorido por toda causa de liberdade: que cada qual viva como quiser. Amém.


 

Imagem Ilustrativa do Post: gay@facebook  // Foto de: Quinn Dombrowski // Sem alterações

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