Coluna Defensoria e Sistema de Justiça / Coordenador Jorge Bheron, Gina Muniz e Eduardo Januário
De tempos em tempos, deparamo-nos com a discussão acerca da redução da maioridade penal. O Brasil, como signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotou a idade penal de 18 anos, o que é reforçado pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro quando dispõe que a pessoa com idade inferior a essa não será responsabilizado penalmente pela prática de ato contrário à lei, entretanto, responderá perante o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para a triste surpresa de quem atua na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, a Secretaria Nacional da Juventude, em dezembro de 2020, elaborou nota técnica através da qual se manifestou favoravelmente sobre a PEC nº 32, que defende a redução da maioridade penal de 18 para 14 anos (1).
A PEC em questão visa alterar o art.228 da CF, reduzindo a maioridade de 18 anos para 16 anos, na hipóteses de cometimento de crimes previstos na legislação e em se tratando de crimes definidos como hediondos, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, organização criminosa e associação criminosa, a partir de 14 anos de idade.
Entre outras coisas, o aludido parecer alega “a ineficácia das medidas socioeducativas utilizadas para punição dos jovens infratores”. Ora, medidas socioeducativas perdem sua natureza quando se fala em “punir” jovens, pois na verdade a sua principal finalidade é educar. O que não devemos esquecer é que o Estado fracassa exatamente quando não consegue garantir direitos básicos a esses jovens e oferecer-lhes condições dignas para que possam lutar com igualdade por oportunidades que na verdade nunca chegam.
Consta ainda do parecer que “os jovens do século atual têm capacidade de distinguir entre certo e errado com muita facilidade” e que por terem cada vez mais acesso à informação e a novas tecnologias “não há espaço para ingenuidade”.
Diante de tais argumentos, a intenção é trazer algumas reflexões que possam fundamentar esse tratamento distinto do adolescente com relação ao adulto, mas, para isso, é importante destacar a importância do direito dialogar com outras ciências porque, sobretudo, em uma luta tão desigual não podemos seguir sozinhos.
É preciso alcançar minimante a compreensão do que é defender adolescente. A partir disso, insisto em trazer argumentos neurocientíficos que vem mostrando cada vez mais que podem contribuir com o direito juvenil.
As neurociências, utilizando-se de estudos longitudinais da adolescência, verificou que, não obstante na infância o cérebro já possuir quase o mesmo tamanho do cérebro adulto, ele passa por uma nova série de transformações que dura toda a adolescência e vai até a fase adulta (2).
É na adolescência que o indivíduo passa por um processo de amadurecimento que não ocorre de forma homogênea, pois segundo as neurociências se inicia nas regiões sensoriais do córtex e evolui de maneira diferente por outras regiões até chegarem nas regiões mais frontais do córtex cerebral, sendo esta última a ser completada (3).
O motivo de trazer essa abordagem para a questão da redução da maioridade penal seria mais precisamente para chamar a atenção sobre o fato de que não podemos desprezar critérios neurobiológicos e simplificar soluções. Não se pode tratar jovens de 14 a 16 anos como pequenos adultos quando são indivíduos passando por um processo extremamente complexo com todas as transformações biológicas, cognitivas, emocionais e sociais inerentes à adolescência.
Segundo as neurociências, é por volta dos 11 aos 16 anos, que o adolescente consegue apresentar melhoras no raciocínio, na eficiência e capacidade de processamento de informações, tendo em vista que já consegue desenvolver raciocínio lógico e abstrato (4). Em outras palavras, com essa idade, realmente, a pessoa sabe o que é certo e o que é errado, entretanto, ainda não possui capacidade de na resolução de tarefas e problemas do cotidiano.
É nesse período que o cérebro adolescente precisa de novos estímulos. Devido ao amadurecimento das regiões pre frontais do cérebro, o jovem descobre novas capacidades e novos interesses, como política, filosofia, religião; tudo isso combinado com o aumento da capacidade de memorização e processamento de linguagem, o cérebro adolescente se torna passível de novas possibilidades, novas oportunidades e passa a descobrir novos interesses que, aliados à experiência de vida, vai formar a personalidade e a subjetividade daquele indivíduo que está vivendo um momento complexo de transformações. Além disso, essa busca por novidades se deve à perda de 30% da sensibilidade do sistema de recompensa o que leva a sentir cada vez mais a necessidade de expandir seus horizontes para além do núcleo familiar, aumentando assim seu ciclo social (5).
Para as neurociências, a capacidade cognitiva se desenvolve mais rapidamente do que a capacidade emocional. Isso talvez explique a facilidade de lidar e entender determinadas atividades que exigem eminentemente o uso do cognitivo. Entretanto, quando se encontra diante de situação em que ele tenha de lançar mão do cognitivo e do emocional ao mesmo tempo, o adolescente ficará em desvantagem, pois é somente por volta dos 18 anos, que se formam as regiões frontais do cérebro, mais especificamente o córtex pré-frontal, que é a parte do cérebro responsável pelo controle de impulsos.
O adolescente dispõe de um cérebro impulsivo e isso reflete bastante na tomada de decisões. Olhar para si mesmo, antecipar problemas e visualizar as consequências das próprias ações exige raciocínio consequente e disso o adolescente ainda não dispõe. Não se pode dizer que não é capaz de se arrepender, o que ele não consegue é antecipar esse arrependimento e isso deve ser considerado como base para a imputabilidade penal.
Tendo em vista vivenciar todo esse processo de formação da personalidade e estruturação cerebral o adolescente, ao ser responsabilizado pela prática de ato infracional, deve enfrentar um processo de ressocialização diferenciado a ser desenvolvido com base em sua condição peculiar de desenvolvimento mediante o qual seja reconhecido como membro da sociedade e não como seu algoz (6).
Além disso, não se pode esquecer que a lei considera adolescente alguém que possui de 12 a 18 anos, ou seja, período de tempo compreendido de 6 anos. Nesse período, o adolescente pode ser submetido inclusive a medida privativa de liberdade por no máximo 3 anos, ou seja, período esse período correspondente à metade da adolescência. Então, defender que alguém com 14 anos de idade seja responsabilizado criminalmente como se adulto fosse seria, no mínimo, cruel, pois não se pode ignorar seu processo de formação de personalidade, subjetividade e a estrutura inacabada do cérebro que repercute na tomada de decisões.
Por tudo isso, é importante deixar claro que a questão aqui não é defender a ideia de não responsabilização de jovens que praticam ato infracional, mas chamar a atenção para o fato de que dar a esses jovens o papel de grandes responsáveis pelo aumento da criminalidade seria um grande retrocesso, principalmente, quando partem de organismos com histórico de lutas e conquistas pelos direitos humanos de crianças e adolescentes durante esses 31 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente e Convenção sobre os direitos da criança, que lhes trouxeram a importante condição de sujeitos de direitos, direitos esses que lhes são negados desde “o momento dele rebentar”.
Notas e Referências
.file:///C:/Users/DPGE/Downloads/Nota%20T%C3%A9cnica%20N.pdf. Nota Técnica N.° 132/2020/GABSNJ/SNJ/MMFDH
Esses estudos longitudinais, desenvolvidos há pouco mais de uma década, observaram a trajetória do desenvolvimento cerebral de um mesmo indivíduo desde a infância até a idade adulta. HERCULANO-HOUZEL, Suzana, Neurociências na Educação. Adolescência: o cérebro em transformação (DVD), Atta: Mídia e Educação. São Paulo: Nittaś Digital Vídeo.
HERCULANO-HOUZEL, Suzana, Neurociências na Educação. Adolescência: o cérebro em transformação (DVD), Atta: Mídia e Educação. São Paulo: Nittaś Digital Vídeo.
PAIS, Lúcia G. / OLIVEIRA Miguel, “Decisão (do) adolescente: psicologia e delinquência juvenil” In Ousar e Integrar - Revista de Reinserção Social e Prova, Nº 5, 2010, p.6.
HERCULANO-HOUZEL, Suzana, Neurociências na Educação. Adolescência: o cérebro em transformação (DVD), Atta: Mídia e Educação. São Paulo: Nittaś Digital Vídeo
LIMA, Julliana Nogueira Andrade Lima. Direito Juvenil e Neurociências: fato e responsabilização. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, P.95
Imagem Ilustrativa do Post: Scales of Justice - Frankfurt Version // Foto de: Michael Coghlan // Sem alterações
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