E agora, Neil Young? Sai Monsanto, entra Bayer

17/08/2018

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Logo de início, gostaria de fazer algumas ressalvas introdutórias a fim de ambientar os leitores desavisados acerca do conteúdo a seguir exposto.  

Primeiramente, escrevo esta coluna sob influência de notícias sobre a conclusão da compra da Monsanto, gigante da agroquímica, pela Bayer, empresa com sede na Alemanha que atua no ramo farmacêutico e agora, mais do que nunca, engenharia química. A fusão entre as corporações já era anunciada há alguns anos e obteve seu desfecho no começo desse mês, movimentando cifras por volta dos 63 bilhões de dólares.

Tomei conhecimento de tal informação por meio de um comentário realizado pelo Prof. Dr. Marciano Buffon em sala de aula, na disciplina de (pasmem) Direito Tributário. Meus agradecimentos, desde já, ao professor.

Além disso, neste momento também sofro influência de uma das obras de Neil Young, músico canadense, verdadeira lenda do rock e do folk. A obra em questão é o álbum The Monsanto Years (“Os anos Monsanto”, em tradução livre), gravado em 2015 juntamente com o grupo Promise of the Real. O disco temático foi concebido para ser um protesto contra a Monsanto, denunciando os danos causados pelos seus produtos, a transformação contemporânea nas vidas dos agricultores, assim como a ganância das grandes corporações. As composições estão presentes no restante desta coluna, do mesmo modo que me acompanharam enquanto pesquisava as informações aqui apresentadas.

“When these seeds rise they’re ready for the pesticide, and Roundup comes and brings the poison tide of Monsanto, Monsanto” - Trecho da música Monsanto Years [1].

Tamanha indignação de Neil Young não é desmotivada. Como bem sabemos, a Monsanto é no presente a líder mundial na produção de agrotóxicos, sementes transgênicas e herbicidas. Seus produtos, via de regra, são patenteados a fim de que a empresa mantenha o monopólio de sua comercialização. Entre os produtos mais conhecidos, o agrotóxico glifosato, conhecido também sob a marca Roundup, é o mais utilizado no mundo (mais de 160 países) [2].

A utilização em larga escala de agrotóxicos transformou a agricultura no mundo. Em consequência, muitos estudos científicos afirmam que podem ser causados danos irreversíveis à saúde daqueles que manejam tais produtos. Igualmente, inúmeros estudos apontam males à saúde dos consumidores dos produtos finais dessa cadeia, ou seja, os alimentos. A Monsanto, assim, tornou-se alvo de inúmeros processos judiciais ao redor do globo nos quais acusam-na de causarem danos à saúde tanto dos consumidores-agricultores como dos consumidores-finais que ingerem os alimentos derivados das sementes transgênicas. Ademais, os cidadãos que vivem próximo a áreas de grandes plantações também podem ser vítimas dos malefícios causados por tais produtos, como indica a foto-reportagem “O Custo Humano”, do argentino Pablo Piovano [3].   

“In the streets of the capital corporations are taking control, democracy crushed at their feet” - Trecho da música Big Box [4].

Os exemplos citados ilustram algumas consequências que podem ocorrer quando bens fundamentais à vida são submetidos à lógica da livre concorrência entre empresas. Levar alimentação - direito social previsto no artigo 6º de nossa Constituição - ao alcance da população é apresentada como uma das justificativas da empresa para o desenvolvimento de seus produtos. Não obstante, sabemos que o problema da alimentação é substancialmente ligado à desigualdade econômica, não necessariamente à escassez de alimentos. O desperdício de metade das 1,3 bilhão de toneladas de alimentos produzidas anualmente no mundo demonstra isso claramente [5]. 

Seguindo a provocação de Neil Young quando canta que “a democracia está esmagada aos pés (das corporações)”, cabe destacar o contexto em que se encontra o tema dos agrotóxicos no Brasil. Aqui, como boa parte dos congressistas advém do setor da agroindústria ou possui ligação com as grandes empresas, as barreiras à utilização de produtos possivelmente danosos à saúde vão minguando a cada dia. 

Exemplifico. O PL do Veneno (Projeto de Lei 6299/2002), foi aprovado na Câmara dos Deputados em junho de 2018 e facilita a comercialização e a utilização imoderada de agrotóxicos no país. Entre as alterações propostas, a lei pretende mudar o nome dos agrotóxicos para “defensivos agrícolas” e “produtos fitossanitários” e liberar agrotóxicos que apresentarem “risco aceitável” à saúde. Além disso, também avança no congresso o chamado PL da Restrição de Orgânicos (Projeto de Lei 4576/2016), que aguarda parecer da Comissão de Defesa do Consumidor. Este PL pretende, a grosso modo, dificultar  a comercialização de produtos orgânicos no varejo comum, proibindo a venda em supermercados, por exemplo. 

É notório que as normas que visam proteger os consumidores são alvo de disputa nos cenários da economia e política. O desenvolvimento a qualquer custo ganha espaço numa democracia fragilizada como a nossa, a ponto de inúmeros componentes agrotóxicos que são liberados para uso em nosso país, não o serem no resto do mundo [6]. 

A Bayer, por sua vez, já anunciou que a única alteração nos produtos de sucesso da Monsanto será a supressão da marca da antiga empresa dos rótulos. Com isso, aposta num esquecimento da antiga empresa por parte dos cidadãos e numa nova roupagem para produtos já marcados pelos seus efeitos danosos à saúde humana. É a chamada “patologização da vida”:  a concretização de um círculo vicioso a que estará submetida, uma vez mais, grande parte da população. Se, por um lado, os produtos da antiga Monsanto são indicados como causadores de inúmeras enfermidades, por outro, a Bayer é a gerenciadora e produtora de muitos dos medicamentos vendidos nas farmácias.

Tragicamente, se depender dos investimentos em pesquisa e ciência no Brasil, teremos um bom período de tranquilidade para a corporação no que diz respeito à contestação científica de seus produtos. Resta-nos impedir que caiam no esquecimento obras como a realizada por Neil Young, capaz de enfrentar destemidamente corporações que são “grandes demais para falhar e ricas demais para a prisão”.

 

 

Notas e Referências

[1] “Quando as sementes crescem, estão prontas para o pesticida, e o Roundup chega e traz uma onda venenosa de Monsanto, Monsanto”, em tradução livre.

[2] http://www.monsantoglobal.com/global/br/produtos/pages/mitos-verdades-glifosato.aspx 

[3] http://www.pablopiovano.com/human-cost/the-human-cost.html 

[4] “Nas cidades do capital as corporações estão tomando o controle, democracia esmagada aos seus pés”, em tradução livre.

[5] Dados de 2013 da FAO,

 https://www.bancodealimentos.org.br/alimentacao-sustentavel/desperdicio-de-alimentos/

[6] https://www.dw.com/pt-br/brasil-ainda-usa-agrot%C3%B3xicos-j%C3%A1-proibidos-em-outros-pa%C3%ADses/a-18837979

 

Imagem Ilustrativa do Post: Turning Bayer // Foto de: Conan // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/conanil/1201709115

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