1 - A primeira questão que vamos enfrentar se refere às homologações de acordos de cooperação premiada por órgão colegiado e a sua vinculação à pena prevista neste negócio jurídico processual.
A princípio, por uma questão de pura lógica, as homologações das chamadas delações premiadas não deveriam ser da atribuição de um ministro ou desembargador, competente para relatar o julgamento de futuros processos. Tais homologações deveriam ser da atribuição do colegiado que tenha competência para aplicar a eventual pena.
Este entendimento seria absolutamente correto e lógico se estabelecêssemos a seguinte premissa: homologada judicialmente a pena prevista no acordo de cooperação premiada, o órgão jurisdicional que viesse a condenar o réu cooperador não poderia "traí-lo", estando vinculado à pena ajustada, individualizada e homologada.
Se isto fosse inteiramente correto, a conclusão seria de que, no caso de julgamento por órgão colegiado dos tribunais, a homologação da "delação premiada" teria de ser feita pelo colegiado (turma, câmara ou pleno). Caso contrário, os membros destes órgãos coletivos ficariam vinculados à pena homologada apenas pelo relator. Isto violaria a independência constitucional dos magistrados e seria a negação mesma do colegiado.
Por outro lado, a necessidade de individualização judicial da pena está assentada também na Constituição Federal e tal individualização é da competência do órgão colegiado (juízo da condenação).
Em textos que publicamos na nossa "Coluna" do site Empório do Direito, já advertimos para isso, com certa insistência. Entretanto, contestamos essa premissa, em parte: achamos que há a vinculação, mas o acordo não pode prever uma pena já individualizada, conforme voltamos a sustentar abaixo.
O juiz Sérgio Moro, percebendo este problema, tem dito nas suas sentenças que o magistrado, ao aplicar a pena, não está vinculado à sanção penal estipulada no acordo homologado. Entretanto, esse magistrado sempre aplicou a pena acordada pelo Ministério Público Federal e os réus...
Em conclusão: se entendermos que a pena especificada na "delação premiada" vincula o julgador em caso de futura condenação, a homologação tem de ser votada pelos membros do colegiado. Por outro lado, a não vinculação da pena prevista no acordo de cooperação ao julgamento tiraria total segurança para os réus colaboradores, que poderiam ser "traídos" por um outro magistrado que venha a julgá-los. Isto debilita o instituto processual e traria sérios problemas éticos para o processo penal.
O grande equívoco, causador deste enorme problema jurídico, é um só e também o tenho "denunciado" em meus trabalhos supra referidos. O acordo de cooperação premiada NÃO PODE ESTIPULAR UMA PENA JÁ INDIVIDUALIZADA.
Note-se que o artigo primeiro da lei n.12.850/13 dispõe como "prêmio" a redução da pena de prisão até 2/3. Tal regra jurídica não permite que já individualize a pena, mas apenas o quanto de redução da futura pena base. Caso a redução resulte em pena não maior de 4 anos, poderia já se ajustar ao regime aberto. Aqui, o regime aberto fica condicionado às regras do Cod. Penal e da Lei de Execução Penal.
Desta forma, a solução que estamos propondo, desde longa data, opta por uma posição intermediária e conciliadora: os acordos de cooperação premiada não podem prever penas determinadas, penas já especificadas e individualizadas. Devem prever apenas a redução admitida na lei n.12850/13, vinculando o futuro julgamento apenas em relação a esta redução.
A individualização da pena, prevista expressamente na Constituição Federal, pertence ao juiz do processo de conhecimento, que irá julgar os réus. Cabe a ele fixar a pena base e fazer a redução prevista no acordo homologado e nas regras previstas no Cod. Penal.
Assim, o acordo de cooperação premiada deve prever apenas o quanto da redução da pena de prisão. Pode ainda assegurar o regime aberto, caso este caiba em face da redução. Ao juiz da condenação, caberá fixar a pena base, segundo os critérios do artigo 59 do Código Penal. Lógico que fica vedada a redução superior a 2/3 prevista na lei de regência.
Esta é a única saída para que aceitemos, no caso de órgãos colegiados, que a homologação dos acordos de cooperação premiada possa ser da atribuição apenas do relator sorteado, segundo regras de competência (não escolhido por quem quer que seja).
Enfim, um negócio jurídico - acordo entre acusação e réu - não pode fixar penas, submetendo os magistrados, tirando do julgador a independência para individualizar e aplicar a pena, segundo critérios legais e não os previstos no acordo firmado entre o órgão acusador e o réu, muitas vezes ao arrepio do que dispõe o Cod. Penal e a Lei de Execução Penal.
2 - Cabe aqui examinar como deverá ser encontrado o substituto do falecido ministro Teori Zavascki para homologar os acordos de delação premiada já existentes e para atuar, como relator, nos inquéritos e processos da chamada “Operação Lava Jato”.
A toda evidência, a solução tem de ser encontrada a partir da Constituição Federal. As regras do regimento interno do S.T.F. devem ser aplicadas e interpretadas de forma a concretizarem as regras e os princípios estabelecidos na Constituição Federal.
Desta forma, julgo sem muita relevância as interpretações que estão fazendo das regras do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Primeiro, vale a pena repetir, temos de considerar o sistema de regras e princípios CONSTITUCIONAIS.
Em razão do princípio constitucional do “juiz natural” e da necessidade da imparcialidade da atividade judicial e jurisdicional, os inquéritos e processos da “Lava Jato” devem ser livremente redistribuídos, por regular e regimental sorteio, entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o lamentável falecimento do Ministro Teori Zavascki, ainda que unificados em razão da prevenção, havendo conexão ou continência de infrações penais.
Violaria até mesmo o princípio constitucional do “devido processo legal” se um suspeito, investigado ou delatado (Presidente Temer e alguns de seus ministros) viesse a escolher o seu juiz...
No caso concreto em exame, caberia até mesmo invocar o princípio da moralidade da atividade do Poder Público. Como se costuma dizer, não basta para a legitimidade da atividade jurisdicional que ela seja independente e imparcial. Exige-se que ela assim pareça aos jurisdicionados.
A toda evidência, o sistema normativo da constituição é hierarquicamente superior às regras regimentais dos tribunais. Em um Estado Democrático de Direito, não se pode admitir que o investigado ou réu escolha o seu juiz.
Em resumo: o princípio constitucional do "Juiz Natural" proíbe claramente o chamado "juiz encomendado". A imparcialidade da atividade judicial é fundamental para que tenhamos "o devido processo legal".
Destarte, para a situação concreta que ora se apresenta, entendemos o que elencamos abaixo:
1 - Como é óbvio, temos de distinguir a nomeação do novo ministro do S.T.F., que é da atribuição do presidente da república, após aprovação do Senado Federal, da tormentosa questão de saber qual ministro vai substituir o falecido Teori Zavascki nos inquéritos e processos de sua atribuição e competência, mormente aqueles relacionados à operação “Lava Jato”.
2 – Como assinalei acima, a solução para esta segunda questão tem de ser buscada nas regras e princípios que compõem o nosso sistema constitucional.
Constatado que não é compatível com o Estado Democrático de Direito que se “escolha determinado” juiz para atuar em inquéritos e processos já instaurados, tendo em vista que a IMPARCIALIDADE é inerente à própria atividade jurisdicional, devemos estabelecer uma premissa, que se extrai do nosso sistema normativo constitucional: o novo “relator da Lava Jato” não pode ser escolhido “a dedo” por quem quer que seja.
Não pode ser escolhido pelo presidente da república, não pode ser escolhido pela presidente do S.T.F. e não pode ser escolhido pelo Plenário do S.T.F., da mesma forma que nenhum deles poderia escolher, por exemplo, um juiz especifico para julgar o Manoel pelo furto que praticou na cidade de São Paulo.
As regras de competência visam assegurar a imparcialidade do órgão jurisdicional e fazer parecer aos jurisdicionados tal imparcialidade. É mesmo um pressuposto de legitimidade da atuação judicial.
3 – Estabelecida esta premissa, temos de buscar aplicação e interpretação das regras do Regimento Interno do Supremo Tribunal em absoluta conformidade com o que se extrai da Constituição Federal. Em outras palavras: primeiro vamos à Constituição e depois interpretamos o regimento interno, sempre em conformidade com a Lei Maior, vale repetir...
4 – Assim, deve ser afastada qualquer regra regimental que, no caso concreto, possa levar à violação dos postulados constitucionais, ou seja, que permita a designação específica de um relator para a Lava Jato, escolhido de forma pessoal e subjetiva. Tal regra não pode ser aplicada à situação concreta. Outra regra regimental que se mostre pertinente deve ser “interpretada conforme a constituição”.
5 – NOSSA CONCLUSÃO: entendemos que a presidente do S.T.F. deveria determinar que os inquéritos e processos relativos à operação “Lava Jato” sejam redistribuídos entre todos os demais ministros, através do tradicional e regimental sorteio. Evidentemente, a nova distribuição seria unificada, valendo para todos os casos em que haja conexão ou continência de infrações penais.
Caso o ministro sorteado não pertença à segunda turma, seria ele para lá removido, segundo consentimento prévio expresso antes do sorteio. Na pior das hipóteses, a redistribuição mediante sorteio seria feita entre os ministros da segunda turma. Digo pior, porque o sorteio seria em um “universo” bem mais reduzido (apenas quatro ministros).
Aliás, a rigor, todos os processos, que eram da competência de algum ministro falecido ou aposentado, deveriam ser redistribuídos. Entretanto, esta é uma questão que não cabe enfrentar aqui e que envolveria uma “logística” bem mais complicada.
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