Doze contribuições reflexivas para um Direito à Sustentabilidade

04/02/2016

Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino - 04/02/2016

Luis Alberto Warat, na sua obra A rua grita Dionísio! desenvolve, com propriedade, o que seriam os Direitos da Alteridade. Esse é um tema, junto com Sustentabilidade, no qual tenho insistido como fundamento ao reconhecimento da pluralidade de seres que habitam esse planeta e formam uma imensa cadeia sinergética que mantem a Terra dentro um (razoável) equilíbrio entrópico[1].

É necessário começar a pensar em algo além do Direito Ambiental, cujo fundamento nem sempre acompanha o progressivo desapego à postura antropocêntrica, não obstante reconheça a importância dos ambientes, dos seres – desde os unicelulares aos pluricelulares – que formam o belo mosaico da biodiversidade da Terra. Esse reconhecimento, insisto, ainda é parcial, no Brasil, diante de outros avanços – epistemológico e jurídicos – nessa relação entre Homem e Natureza, como é o caso a proposição do Buen Vivir[2] (Bem Viver) ou do Biocentrismo[3] devidamente assegurados na linguagem constitucional de países como Equador e Bolívia.

Por esse motivo, e como têm demonstrado os trabalhos do Professor Dr. Gabriel Real Ferrer[4], a polissemia da Sustentabilidade sintetizaria como o relacionamento entre Humanos e a Terra se desenvolveria, desvelaria e traria novas possibilidades de compreensão e ação no sentido de se ter a seguinte epifania: Somos todos em um e um em todos. A unidade de vida abrigada por este Planeta somente surge a partir de sua biodiversidade.

No entanto, mesmo que se reconheça a sua existência, não significa que todos os seres participam ou estão inclusos na cadeia da vida. Na dimensão humana, insiste-se numa lógica – política, economia, jurídica - aniquiladora de uma compreensão ecológica e sistêmica[5] dessas relações, especialmente quanto à identificação e ao acesso de bens comuns[6] indispensáveis para se desenvolver não apenas uma vida sustentável, capaz de disseminar a Dignidade Humanas, mas uma Dignitas Terrae[7].

Na mesma proposição de Warat quando elaborou uma pequena lista de Direitos da Alteridade a serem observados, trago ao leitor e leitora, doze breves apontamentos reflexivos de como é possível insistir nessa utopia carregada de esperança[8] chamada de Direito à Sustentabilidade:

1) A matriz da vida – seja no seu sentido físico ou elaborado pelo conhecimento humano – é sistêmico e ecológico. É impossível obter respostas mais esclarecedoras acerca desse fenômeno quando esse é reduzido em fragmentos e isolados dessa condição de integralidade;

2) O reconhecimento da Natureza como ser próprio põe fim ao seu uso – desde a Idade Média – como coisa, patrimônio, e, numa atividade interpretativa, confere maior grau de significado histórico ao Direito à Sustentabilidade;

3) A pluralidade de culturas, inclusive as indígenas, ampliam o debate de como é possível ter desenvolvimento sem que haja adjetivos, pleonasmos ou oximoros para se frisar uma preocupação de ordem planetária;

4) O desenvolvimento não se destina a tão somente às presentes e futuras gerações, ou seja, os beneficiários de uma vida equilibrada não são apenas os seres humanos, porém todos que comungam o mesmo planeta;

5) O alcance do Direito à Sustentabilidade é semelhante aos Direitos Humanos e possui a mesma dificuldade de viabilidade enquanto não houver, de modo habitual, esforços que mitiguem, complementem ou modifiquem as atuais posturas civilizatórias altamente segregadoras e excludentes entre homens e espécies;

6) O Direito à Sustentabilidade fomenta a preservação da Dignitas Terrae, desde as relações entre os seres que ocorrem na dimensão local às principais questões que interferem no equilíbrio da vida mundo;

7) A responsabilidade estimulada pelo Direito à Sustentabilidade não se esvazia em expressões puramente abstratas como se observa nesse exemplo: toda a humanidade é responsável pela poluição na Terra. Aqui, é necessário identificar quem causa o maior dano e impede o outro de ter uma vida qualitativa. Por exemplo: se os Estados Unidos desfrutam de uma vida sadia em decorrência da exploração da Natureza do Equador, percebe-se que aquele causa dano mais significativo e não deverá ser diluído pela expressão toda a humanidade;

8) O Direito à Sustentabilidade precisa traçar os limites da elaboração social do ambiente e meio ambiente para que a Natureza não se transforme, integralmente, em algo não natural. O ambiente é sempre algo construído por seres humanos. Trata-se da Natureza pensada, representada pelo humano. O meio ambiente se refere às relações de uma espécie e/ou indivíduo com o lugar. Em ambos, observa-se, em maior ou menor medida, a presença da interferência humana, cuja atitude desmedida contra lugares ou seres provocará a eliminação do meio ambiente humano e meio ambiente natural[9];

9) A importância da pluralidade de experiências entre todos os seres e o seu reconhecimento deve trazer duas bases necessárias para que o Direito à Sustentabilidade cumpra seus objetivos: a) a ecosofia do sensível[10] e; b) a ecologia dos saberes[11];

10) O Direito à Sustentabilidade é, também, um Direito da Alteridade, porém, na relação do Homem com a Natureza, deve-se observar a Alteridade Ecosófica[12];

11) Não é o propósito do Direito à Sustentabilidade salvar o Planeta e os seres que o habitam, mas identificar e preservar condições razoáveis de vida contra as atitudes humanas exclusivamente egoístas e indiferentes perante o mosaico vital terrestre. Trata-se de não acelerar o tempo de morte natural de tudo e todos;

12) A governança da Sustentabilidade[13] ocorre somente por intermédio do Direito à Sustentabilidade, o qual não promoverá tão somente uma justiça global perfeita[14] a partir da criação de diversos e diferentes mecanismos institucionais, mas persistirá numa atitude ética que combata os abusos e ilegitimidade de um poder o qual não seja destinado a ampliar os espaços de cuidado e respeito por todos os ecossistemas que habitam a Terra.


Notas e Referências:    

[1] Caracteriza-se como a lei da natureza que tende a reduzir as diferenças (pressão, temperatura, concentração química, movimento) entre os fluxos energéticos fazendo com que os resíduos produzidos por essas interações sejam eliminados espontaneamente. Alcança-se o equilíbrio termodinâmico. CECHIN, Andrei. A natureza como limite da economia: a contribuição de Nicholas Georgescu-Roegen. São Paulo: SENAC/EDUSP, 2010, p. 69.

[2] [...] el “paradigma comunitario de la cultura de la vida para vivir bien”, sustentado en una forma de vivir reflejada en una práctica cotidiana de respeto, armonía y equilibrio con todo lo que existe, comprendiendo que en la vida todo está interconectado, es interdependiente y está interrelacionado. Los pueblos indígenas originarios están trayendo algo nuevo (para el mundo moderno) a las mesas de discusión, sobre cómo la humanidad debe vivir de ahora en adelante, ya que el mercado mundial, el crecimiento económico, el corporativismo, el capitalismo y el consumismo, que son producto de um paradigma occidental, son en diverso grado las causas profundas de la grave crisis social, económica y política. Ante estas condiciones, desde las diferentes comunidades de los pueblos originarios de Abya Yala, decimos que, en realidad, se trata de una crisis de vida. HUANACUNI, Fernando. Buen vivir/ Vivir bien: Filosofía, políticas, estrategias y experiencias regionales andinas. Peru: CAOI, 2010, p. 3. Grifos originais da obra em estudo.

[3] [...] Es importante advertir que el biocentrismo no niega que las valoraciones parten del ser humano, sino que insiste en que hay una pluralidad de valores que incluye los valores intrínsecos. Otros aspectos se esta situación se discuten más adelante, pero aquí ya es necessário señalar que esta postura rompe con la pretensión de concebir la valoración económica como la más importante al lidiar con el ambiente, o que ésta refleja la esencia de los valores en todo lo que nos rodea. Por el contrario, el biocentrismo alerta que existen muchos otros valores de origen humano, tales como aquellos que son estéticos, religiosos, culturales, etc., les suma valores ecológicos (tales como la riqueza en especies endémicas que existe en un ecosistema), e incorpora los valores intrínsecos. Al reconocer que los seres vivos y su soporte ambiental tienen valores propios más allá de la posible utilidad para los seres humanos, la Naturaleza se vuelve sujeto. Las implicaciones de ese cambio son muy amplias, y van desde el reconocimiento de la Naturaleza como sujeto de derecho en los marcos legales, a la generación de nuevas obligaciones hacia ella (o por lo menos, nuevas fundamentaciones para los deberes con el entorno). GUDYNAS, Eduardo. La senda biocéntrica: valores intrínsecos, derechos de la naturaleza y justicia ecológica. Revista Tabula Rasa, n. 13, Bogotá, julio-diciembre, 2010, p. 50/51.

[4] En términos jurídicos, el derecho de la sostenibilidad deberé articularse como un derecho transnacional cuyo fundamento no trae causa de las soberanías nacionales, sino de la nueva sociedad global. Trae parte de la estructura clásica de los órdenes jurídico, social, económico y ambiental, que son propios de los Estados soberanos, pero desborda claramente ese ámbito. Su vocación es aportar soluciones que sirvan a todos, sin importar donde se encuentren o donde nacieron. Pretende aportar la esperanza de una sociedad futura global y mejor. FERRER, Gabriel Real. Del Derecho Ambiental al Derecho a la Sostenibilidade. Material impresso [2012], p. 9.

[5] “Compreender a natureza da vida a partir de um ponto de vista sistêmico significa identificar um conjunto de critérios gerais por cujo intermédio podemos fazer uma clara distinção entre sistemas vivos e não-vivos. Ao longo de toda história da biologia, muitos critérios foram sugeridos, mas todos eles acabavam se revelando falhos de uma maneira ou de outra. No entanto, as recentes formulações de modelos de auto-organização e a matemática da complexidade indicam que hoje é possível identificar esses critérios. A idéia-chave da minha síntese consiste em expressar esses critérios em termos das três dimensões conceituais: padrão, estrutura e processo”. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica sobre os sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 135.

[6] “[...] O tema dos bens comuns, de fato, tem a ver com a questão fundamental sobre o domínio das coisas e da relação da pessoa com a natureza. Por esse motivo, o tema não pode ser abordado, nem compreendido, sem expor no cerne do debate a dimensão institucional do poder e a sua legitimidade. [...] Pensar sobre os bens comuns exige, antes de tudo, uma postura central tipicamente global capaz de situar no centro do problema o problema do acesso igualitário das possibilidades que o planeta nos oferece. Uma perspectiva desse sentido suscita perguntas difíceis de contestar para quem opera numa fé inabalável sobre a constante depredação dos recursos naturais [...]”. MATTEI, Ugo. Bienes comunes: un manifiesto. Traducción de Gerardo Pisarello. Madrid: Trotta, 2013, p. 16/17. Tradução livre do original em espanhol dos autores deste texto.

[7] “A vida, como vimos, é frágil e vulnerável. Está à mercê do jogo entre o caos e o cosmo. A atitude adequada para a vida é o cuidado, o respeito, a veneração e a ternura. [...] São essas atitudes que nos abrem à sensibilização da importância da vida. Elas implicam a mudança do paradigma cultural vigente, assentado sobre poder-dominação, e a introdução de um paradigma de convivência cooperativa, de sinergia, de enternecimento por tudo o que existe e vive. Em razão dessa viragem, urge redefinir os fins inspirados na vida e adequar os meios para esses fins. Só assim a vida ameaçada terá chance de salva-guarda e promoção”. BOFF, Leonardo. Ética da vida: a nova centralidade. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 75/76.

[8] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994, p. 19.

[9] Recomenda-se a leitura do artigo de Job Antonio Garcia Ribeiro intitulado “Os conceitos de ambiente, meio ambiente e natureza no contexto da temática ambiental: definindo significados”. Disponível em: https://www.academia.edu/5854270/Os_conceitos_de_ambiente_meio_ambiente_e_natureza_no_contexto_da_tem%C3%A1tica_ambiental_definindo_significados. Acesso em 02 de fev. de 2016.

[10] A ecosofia do sensível, [...], devolve toda sua importância ao afeto, será a partir de então uma alternativa ao que foi a ‘normopatia’ moderna. Esta, seja ela de obediência religiosa, moral ou política (sua lógica é idêntica: ‘dever-ser’), se dedica a evacuar todo risco: ideologia do ‘risco zero’, para garantir com exagero, asseptizando a existência quotidiana até torná-la incapaz de resistir à intrusão de anticorpos ou às diversas adversidades, no entanto, constitutivas do dado mundano. Ora, é bem conhecido que o medo dos abusos, dos excessos, na verdade, da desordem, [...] conduz ao imobilismo mais embrutecedor”. MAFFESOLI, Michel. Homo eroticus: comunhões emocionais. Tradução de Abner Chiquieri. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 246.

[11]  "A ecologia dos saberes é um conjunto de epistemologias que partem da possibilidade da diversidade e da globalização contra-hegemônicas e pretendem contribuir para as credibilizar e fortalecer. Assentam em dois pressupostos: 1) não há epistemologias neutras e as que clamam sê-lo são as menos neutras; 2) a reflexão epistemológica deve incidir não nos conhecimentos em abstracto, mas nas práticas de conhecimento e seus impactos noutras práticas sociais. Quando falo de ecologia de saberes, entendo-as como ecologia de práticas de saberes". SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006, p. 154.

[12] Me parece que uno de los puntos “ciegos” de la tradición dominante de Occidente, al menos desde el Renacimiento, ha sido justamente el tema de la alteridad “ecosófica”. Aunque la tradición semita (judeo-cristiana) haya introducido al discurso ontológico determinista y cerrado de la racionalidad helénico-romana las perspectivas de la “trascendencia”, “contingencia” y “relacionalidad”, es decir: la no-conmensurabilidad entre el uno y el otro, entre el egocentrismo humano y la resistencia de la trascendencia cósmica, religiosa y espiritual, la racionalidad occidental moderna se ha vuelto nuevamente un logos de la “mismidad”, del encerramiento ontológico subjetivo, de la fatalidad que tiene nombres como “la mano invisible del Mercado”, “coacción fáctica” (Sachzwang), “crecimiento ilimitado” o “fin de la historia”. La crisis civilizatoria actual tiene que ver con el agotamiento de los planteamientos de la modernidad y posmodernidad occidental, planteamientos que se fundamentan básicamente en una falacia que in actu recién se desvirtúa en nuestros días: la expansión humana, en todas sus formas, no tiene límites. O con otras palabras: vivimos supuestamente en un mundo ilimitado. Esta falacia retorna a nuestros preconceptos como bumerán, en forma de los colapsos de eco- y biosistemas, mercados financieros hiper volátiles, necro-combustibles, hambrunas y revueltas políticas de las personas que siempre han sufrido las limitaciones reales de su mundo. Existe un solo crecimiento aparentemente “ilimitado” que se llama “cáncer”, y todos/as sabemos que sólo llega a su fin en la muerte. Esta falacia fue expresada por Hegel en forma insuperable al identificar la filosofía de lo absoluto con la filosofía absoluta, es decir: con el espíritu occidental moderno. El “afán infinito” (unendliches Streben) de Fichte, desencadenado sobre la Naturaleza “ciega y sorda”, se ha convertido en avaricia ilimitada, en explotación y acumulación de bienes y dinero en forma desenfrenada. El homo oeconomicus de la actualidad no es otra cosa que la manifestación materializada de la absolutización del sujeto humano, planteado de distintas maneras por la filosofía occidental moderna. ESTERMANN, Josef. Ecosofía andina: Un paradigma alternativo de convivencia cósmica y de Vivir Bien. FAIA  - Revista de Filosofía Afro-In do-Americana, VOL. II. N° IX-X. AÑO 2013, España, p. 2.

[13] Ainda deve durar muito tempo a desgovernança da sustentabilidade, [...]. E deve durar, sobretudo, porque tal desgovernança resulta do descompasso histórico entre a atividade econômica e ordem política. A acelerada globalização da primeira vem sendo acompanhada por inevitável resistência da segunda, devido ao aprofundamento dos processos de soberania nacional, que nem sempre estão sendo acompanhados por avanços da democracia, como deixa patente o caso extremo da China”. VEIGA, José Eli. A desgovernança mundial da sustentabilidade. São Paulo: Editora 34, 2013, p. 131.

[14] “[...] A justiça global perfeita, por meio de um conjunto de instituições impecavelmente justo, mesmo que tal coisa pudesse ser identificada, sem dúvida exigiria um Estado global soberano, e na ausência desse Estado, as questões de justiça global pareceriam intratáveis aos transcendentalistas”. SEN, Amartya. A ideia de justiça.  Tradução de Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 55.


. Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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