DOS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS DE ACORDO COM A LEI 6.385/76

20/03/2021

A Lei 6.385/76 dispões sobre o mercado de valores mobiliários, onde criou-se a Comissão de Valores Mobiliários – CMV. A CVM é uma entidade autárquica, com regime especial e vinculada ao Ministério da Fazenda, visto que o mercado de capitais integra o sistema financeiro nacional, portanto de interesse da União. Tem a finalidade de regulamentar, desenvolver, controlar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários do Brasil.

Entende-se por Mercado de Valores Mobiliários como “o segmento do mercado financeiro em que são criadas as condições para que as empresas captem recursos diretamente dos investidores, através da emissão de instrumentos financeiros, com o objetivo principal de financiar suas atividades ou viabilizar projetos de investimentos” ¹

Ou seja, as instituições financeira atuam como prestadoras de serviços, negociando diariamente no mercado financeiro títulos de propriedade (ações) ou de crédito (obrigações), proporcionando aos investidores diferentes rentabilidades e riscos, sendo que no Brasil as ações debêntures e cotas de fundo de investimento são os principais título negociados.

 

DOS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS DE ACORDO COM A LEI 6.385/76

O capítulo VII-B da Lei 6.385/76 dispõe sobre tipos penais, ou seja, dos crimes contra o mercado de capitais, em seus artigos 27-C, 27-D e 27-E. Com a globalização sendo uma realidade inegável, os crimes financeiros são cometidos além das fronteiras do país, nascendo a macrocriminalidade, que pode ser entendido como os crimes praticados com um grande número de vítimas. Dessa forma, a necessidade criminalizar condutas ilícitas foram de extrema necessidade, assim a Lei 10.303/2001 introduziu os crimes contra o mercado de capitais na Lei 6.385/76, que passaremos a analisar a seguir.

1) O artigo 27-C da Lei 6.385/76 prevê o crime de manipulação do mercado, trata-se de conduta que tem por finalidade violar a lei da oferta e demanda, criando operações com aparência de regularidade, mantendo, elevando ou baixando a cotação, o preço ou o volume de um valor mobiliário, com o intuito de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou induzindo terceiros à sua compra e venda, lhe causando prejuízo. Vejamos o que diz o artigo:

“Art. 27-C.  Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros: (Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.”  

Trata-se de crime de perigo abstrato, visto que o tipo penal se satisfaz com a mera finalidade buscada pelo agente, não necessitando concretizar a obtenção de lucro ou resultar em prejuízo a terceiro. Importante a caracterização do Dolo, visto que a vontade livre e consciente de praticar o crime deve estar implícita. Do outro lado estar a vítima, que poderá ser uma única pessoa ou a coletividade. Analisando o artigo 27-C temos que destacar os seguintes termos:

a) realizar ou executar: fazer, colocar em prática, efetivar, fazer que tenha uma existência concreta;

b) operação simulada: toda e qualquer operação que oculta da verdade, assim não demonstra a realidade, apresentando-se apenas com aparência de regularidade; e

c) manobras fraudulentas: artifícios para induzir ou manter alguém em erro, dando-lhe a impressão de operação vantajosa.

2) O artigo 27-D da Lei 6.385/76 tipifica a conduta relativa ao uso indevido de informações privilegiadas, é o tipo penal que tutela a igualdade de informações entre os agentes do mercado de capitais. Este crime se direciona a proteção das informações, assegurando a divulgação ampla de fato ou ato relevante garantindo a igualdade de condições a todos os investidores.

Vejamos o que diz o artigo 27-D da lei 6.385/76:

“Art. 27-D.  Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários:                         (Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.                   (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

§1oIncorre na mesma pena quem repassa informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor.                     (Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017)

§2oA pena é aumentada em 1/3 (um terço) se o agente comete o crime previsto no caputdeste artigo valendo-se de informação relevante de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo.                     (Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017).”

Recentemente noticiou-se a venda de ações da Petrobrás com suspeita de uso de informações privilegiadas que rendeu a um investidor cerca de 18 milhões de reais, iniciando assim um processo administrativo pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários para análise das operações, conforme noticiado no site https://www.suno.com.br/noticias/cvm-opcoes-petrobras-petr4-nao-liquidadas/

Caso venha ser verdadeiro que um investidor teria informações privilegiadas o crime do artigo acima citado poderá estar configurado visto a informação relevante. No que tange a informação relevante podemos citar aquela que não foi tornada pública e que seja capaz de influir na cotação de títulos ou valores mobiliários, assim para configurar o crime a utilização das informações devem ocorrer antes da divulgação no mercado de capitais.

O bem jurídico tutelado neste crime é o aumento arbitrário dos lucros, o regular funcionamento do mercado, a confiança das transações e a igualdade entre os investidores. O crime só pode ser cometido por aquele que tenha as informações privilegiadas e como vítima teremos aqueles que operam no mercado de capitais ou aqueles que tiveram perda econômica pela ocorrência do crime. Importante ressaltar que a informação privilegiada por acarretar lesão ao sistema financeiro nacional, na medida que põe em risco a confiança dos investidores.

3) Por fim, o artigo 27-E da lei 6.385/76 tipifica o crime de exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função. A CVM possuí também diversas instruções normativas a respeito deste crime, destaca-se a instrução normativa 483/10, 497/11 e 558/15, que será estudado em outra oportunidade. Vejamos então o que diz o artigo 27-E da lei 6.385/76:

“Art. 27-E.  Exercer, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, a atividade de administrador de carteira, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou qualquer outro cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado na autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento:    (Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017)

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

O crime tipificado neste artigo se dirige ao agente que sem autorização ou registro, exerce atividade, cargo ou profissão no mercado de valores imobiliários. Necessário se faz o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar o crime. Não visualizo a possibilidade de tentativa, visto que a partir do momento que o agente exerce as atividades, cargos ou profissão sem o devido registro ou autorização já se caracteriza o crime, independente da obtenção de vantagem ou dano a terceiro, visto que estamos diante de crime formal, pois a mera atuação no mercado sem autorização ou registro por si só já caracteriza o crime.

 

Conclusão

Conforme demonstrado, os crimes são complexos e não tão simples de serem detectados. A falta de previsão de outras condutas existentes dificultam a condenação de agentes que possuem condutas desleais e contrárias ao mercado de capitais, sendo ainda necessário um estudo mais aprofundado sobre novas condutas ilícitas para prevenção e repressão às práticas ilícitas, além mudanças, acrescentando outras condutas ao tipo penal.

 

Notas e Referências

¹COMISSÃO. Valores Mobiliários. O mercado de valores mobiliários brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro. 2014, p. 36.

Lei 6.385/76.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Justice - The Old Bailey // Foto de: Ronnie Macdonald // Sem alterações

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