Do recurso adesivo ao recurso adesivo cruzado – Por Denarcy Souza e Silva Júnior

11/09/2017

De início, convém esclarecer que o recurso adesivo, apesar do nome, não se trata de uma espécie recursal, mas sim de uma forma de se interpor certos recursos. Cuida-se, em verdade, de uma segunda oportunidade que a lei confere às partes para recorrer, desde que haja, no caso concreto, sucumbência recíproca.

Preceitua o art. 997, do CPC-15, que cada parte interporá o seu recurso independentemente da outra parte, no prazo e com a observância das exigências legais. Trata-se, portanto, de um recurso independente. Sendo, porém, vencidos autor e réu (sucumbência recíproca), ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro. A essa adesão ao recurso interposto pela parte contrária, ainda que impropriamente, dá-se o nome de recurso adesivo, que, aliás, seria melhor descrito como recurso subordinado.

Havendo sucumbência recíproca, ambas as partes poderiam cogitar de interpor seu recurso de forma independente. Entretanto, pode acontecer que uma das partes, embora sucumbente, prefira se conformar com a decisão, assim agindo na esperança de que a outra também se conforme. Como o prazo para a interposição do recurso independente é comum, não se sabe ao certo, até o término do prazo, qual a conduta a ser adotada pela parte contrária. Em havendo a interposição do recurso independente, a lei confere uma segunda oportunidade à parte sucumbente que não recorreu de interpor o recurso (no prazo das contrarrazões) subordinado ao recurso da parte contrária.

Perceba que o recurso pode ser interposto de forma independente ou de forma adesiva, mas se interposto adesivamente ficará subordinado ao conhecimento do recurso independente. Insista-se, o recurso adesivo não é uma espécie recursal, mas uma forma de se interpor certos recursos. Admitem, assim, a interposição na forma adesiva a apelação, o recurso especial e o recurso extraordinário (art. 997, § 2º, II, do CPC-15).

Em regra, o recurso adesivo será da mesma espécie do recurso independente, uma vez que se trata de uma segunda oportunidade de se interpor aquele mesmo recurso não interposto, só que no prazo das contrarrazões, diferenciando-se, apenas, pela técnica de interposição.[1] Ressalve-se, entretanto, a possibilidade excepcional de se interpor recurso adesivo cruzado, em se tratando de recurso especial e extraordinário, o que será analisado mais abaixo.

Como dito, nem todos os recursos admitem a interposição na forma adesiva, apenas a apelação, o recurso especial e o recurso extraordinário. Entretanto, a doutrina reconhece a possibilidade do recurso ordinário constitucional na forma adesiva, mas apenas quando fizer as vezes da apelação (art. 1.027, II, “b”, do CPC-15), ou seja, nas causas internacionais e não em todas as hipóteses de seu cabimento.[2] De mesmo modo, vem se admitindo a interposição na forma adesiva do agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória de mérito (art. 354, par. ún.; e art. 356, ambos do CPC-15).[3] Não se vem admitindo a interposição adesiva de recurso inominado nos juizados especiais cíveis[4], embora se admita a interposição adesiva de recurso extraordinário no âmbito dos juizados especiais.

O recurso adesivo deve obedecer a todos os requisitos de admissibilidade exigidos para o recurso independente, inclusive o preparo (art. 997, § 2º, do CPC-15). Se o recurso for objetivamente dispensado do preparo (e.g. apelação nas causas do ECA), o recurso adesivo também o será, mas se o recurso exigir preparo e o recorrente independente for dispensado de fazê-lo por causas pessoais (for fazenda pública ou beneficiário da assistência judiciária gratuita, por exemplo), o recorrente adesivo não ficará dispensado do recolhimento do preparo. Tais circunstâncias são personalíssimas, não se transferindo para o recorrente adesivo.[5]

Diga-se o mesmo em relação ao prazo. Se o recorrente principal tiver algum benefício em relação ao prazo, em razão de circunstâncias pessoais (prazo em dobro da defensoria pública, Ministério Público e Fazenda Pública, por exemplo), não o terá, necessariamente, também, o recorrente adesivo.[6]

O recurso adesivo será interposto no prazo de que a parte dispõe para oferecer contrarrazões ao recurso independente (art. 997, § 2º, I, do CPC-15). A boa técnica induz a elaboração de peças distintas para as contrarrazões e para o recurso adesivo, muito embora, como cediço, a parte não seja obrigada a recorrer adesivamente, tampouco a responder ao recurso interposto pela parte contrária. Nada impede, entretanto, que se apresente uma peça única, com as contrarrazões e o recurso[7], bem assim que se apresentem as peças distintas em momentos diferentes, desde que dentro do prazo das contrarrazões.[8]

É comum em doutrina a afirmação de que a legitimidade para a interposição de recurso na forma adesiva é conferida apenas às partes, diante do que preceitua o art. 997, § 1º, do CPC-15, que textualmente fala em “autor” e “réu”.[9] Nesta interpretação restritiva, terceiros prejudicados e o Ministério Público como fiscal da ordem jurídica não teriam legitimidade para a interposição de recurso na forma adesiva, tampouco se poderia aderir a recursos independentes por eles interpostos. Embora esse seja o entendimento mais aceito pela doutrina, há quem defenda a possibilidade de recurso adesivo interposto por terceiro que poderia ter sido assistente litisconsorcial, mas não o foi, tendo em vista que este terceiro, em regra, fica submetido à coisa julgada.[10]

Por ser subordinado, o exame do recurso adesivo fica condicionado ao juízo de admissibilidade do recurso independente (art. 997, § 2º, III, do CPC-15). Se por qualquer motivo o recurso independente não for conhecido, o recurso adesivo também não o será. Caso o recurso independente seja admitido, o recurso adesivo dele se desprende, passando a ser analisado como um recurso independente, seja em relação ao juízo de admissibilidade, seja em relação ao juízo de mérito.

Caso o recorrente independente desista do seu recurso, obstará a análise do recurso adesivo. No julgamento do Recurso Especial 1.285.405/SP, o STJ entendeu não ser possível a desistência do recurso independente quando concedida tutela antecipada recursal no recurso adesivo, em atenção ao princípio da boa-fé e da efetividade da tutela jurisdicional.[11] Não seria o caso de o STJ não aceitar a desistência do recurso, porque tal ato independe de homologação judicial para produzir efeitos, nos termos do art. 200, do CPC-15.  Seria mais adequado ter se homologado a desistência do recurso independente e julgado, excepcionalmente, o recurso adesivo.

Em resumo, seriam pressupostos para a interposição na forma adesiva: a) sucumbência recíproca; e b) recurso de uma parte e o silêncio da outra parte (aquela que poderá interpor o recurso adesivamente). Este último pressuposto merece atenção mais detida. O recurso adesivo não se presta a complementar recurso já interposto, tampouco para elidir preclusão temporal havida em recurso intempestivo ou para o exercício de arrependimento de uma parte que já havia recorrido, mas tenha optado por desistir do seu recurso. Tendo a parte recorrido de forma independente, não há o que se falar em recurso adesivo pela parte que já recorreu; é pressuposto do recurso adesivo que a parte que pretenda recorrer desta forma não tenha recorrido independentemente.[12]

Recurso adesivo cruzado (recurso adesivo condicionado).

Como dito, em regra o recurso adesivo será da mesma espécie do recurso independente ao qual ele é subordinado. É possível, porém, em situações excepcionalíssimas, que os recursos não tenham a mesma natureza. A essa possibilidade dá-se o nome de recurso adesivo cruzado ou condicionado. Um exemplo deixará mais clara essa possibilidade.

Pense numa situação onde a parte fundamente a sua pretensão em questão constitucional e questão federal, vindo o tribunal a acolher o pedido, mas rejeita o fundamento constitucional (ou federal). A parte vencida, porque sucumbente, poderá interpor recurso especial para discutir a questão infraconstitucional que foi acolhida. Neste caso, a parte vencedora não tem interesse recursal para interpor recurso extraordinário (para discutir a questão constitucional, que foi rejeitada), uma vez que, como foi vitoriosa na questão principal, não tem interesse em recorrer para discutir simples fundamento. Ocorre que a parte vencedora, neste caso, pode sofrer prejuízo, em razão de não poder recorrer extraordinariamente: em sendo dado provimento ao recurso especial, a questão constitucional restará preclusa, não mais podendo ser discutida.

Nesta situação, defende a doutrina a possibilidade da interposição do recurso extraordinário (ou especial) cruzado (porque será um recurso extraordinário adesivo a recurso especial, ou vice-versa), sob a condição de somente ser processado (analisado) se o recurso independente for acolhido.[13] O recurso adesivo será interposto por cautela, para ser julgado, apenas, no caso de o órgão ad quem convencer-se da procedência do recurso independente (principal).[14]

Assim, em se tratando da interposição de recurso especial e extraordinário, é possível, embora não usual, a interposição condicionada de um recurso diferente daquele interposto de forma independente, que somente será julgado se o recurso independente for provido, o que vem sendo denominado de “recurso adesivo cruzado”.


Notas e Referências:

[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 11ª ed. v. V. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 316.

[2] DIDIER, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 149.

[3] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, volume 2 [livro eletrônico]: cognição jurisdicional: processo comum de conhecimento e tutela provisória. 5ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 342.

[4] Enunciado n. 88 do Fórum Nacional de Juizados Especiais – FONAJE: “Não cabe recurso adesivo em sede de Juizado Especial, por falta de expressa previsão legal”.

[5] DIDIER, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 150.

[6] Idem. ibidem. p. 150. No mesmo sentido: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.460. Informativo 458/STJ: 4ª Turma, REsp 912.336/SC, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 02.12.2010.

[7] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 11ª ed. v. V. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 325.

[8] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.462.

[9] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 529.

[10] DIDIER, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 151.

[11] Informativo 554. 3ª Turma, REsp 1.285.405/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.12.2014, Dje 19.12.2014.

[12] DIDIER, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 153.

[13] DIDIER, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 154. Contra, não admitindo essa espécie de interposição, em texto escrito sob a égide do CPC-73, ROSSI, Júlio César. “O recurso adesivo, os recursos excepcionais (especial e extraordinário) e o art. 500 do CPC”. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2005, n. 32, p. 69-75.

[14] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 11ª ed. v. V. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 329.


 

Imagem Ilustrativa do Post: 288/365 // Foto de: David Mulder // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/113026679@N03/15548000212

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura