Do Novo CPC na justiça do trabalho – Por Fernando Rubin

17/02/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Da mesma forma que defendemos a aplicação do Novo CPC no rito dos juizado especiais, de acordo com a última coluna, publicada em 31.01.2017[1], entendemos como viável a aplicação subsidiária da Lei n° 13.105/2015 no rito trabalhista, com os devidos temperos a serem examinados – respeitada sempre a ratio da legislação processual trabalhista, que protege (justificadamente) a parte hipossuficiente (empregado)[2].

Entendemos que há uma série de dispositivos novos que tratam de encaminhar melhor prestação de jurisdição, notadamente em matéria fático-probatória juslaboral; embora não olvidemos das críticas eventualmente lançadas à aplicação subsidiária do Novo CPC especialmente em matérias eminentemente de direito, com a formação de precedentes inclusive, por engessar o juízo de primeiro grau, muitas vezes submetido a determinados entendimentos de índole mais conservadora dos Tribunais superiores – em um contexto pátrio de dificuldade judiciária no ulterior encaminhamento do overruling e mesmo do distinguishing[3].

Primeiramente há de se reconhecer que a legislação processual trabalhista encontra-se misturada a disposições de direito material em meio à CLT/1943, estando os comandos adjetivos mais próximos do CPC/1939 do que do recentemente destituído CPC/1973. Sensato admitir que avanços na seara processual se deram ao longo desse longo período (1943/2016), principalmente no período pós CF/88, razão pela qual simplesmente desconsiderar todo o novel ordenamento processual é medida que entendemos despropositada[4].

Ademais: o Novo CPC além de prever a aplicação subsidiária no campo trabalhista no art. 15, regulamenta no art. 1046, par. 2° que “permanecem em vigor as disposições dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este código”. Por sua vez, na CLT, o art. 769 prevê que nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo que for incompatível.

Do ponto de vista legal, maior resistência pode se dar justificadamente no campo de execução, já que o art. 889 da CLT expressamente determina que se aplica supletivamente não o direito processual comum, mas sim “o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal”[5].

Mesmo assim, já há correto entendimento jurisprudencial no sentido de aproveitamento de disposições executivas favoráveis ao obreiro contidas na Lei n° 13.105/2015, e que nada contrariam os ordenamentos processuais outrora vigentes. Nesse diapasão, tem-se julgado pela aplicabilidade da multa coercitiva de 10% prevista no artigo 523 §1º do novo CPC ao processo do trabalho, sendo a matéria já pacificada no âmbito do TRT4, por exemplo. Neste sentido dispõe a Súmula 75 deste Regional:  "A multa de que trata o artigo 523 §1º do CPC é compatível com o processo do trabalho, e a definição quanto à sua aplicação efetiva deve ocorrer na fase de cumprimento da sentença"[6].

Seja como for, entendemos que há, na verdade, uma tentativa cada vez maior de aproximação dos ritos comum e trabalhista, mais ainda em razão de esforços do direito processual comum, o que corrobora o entendimento pela aplicação supletiva da Lei n° 13.105/2015. Assim, notamos no novel diploma adjetivo a) a redução do espaço do agravo de instrumento, com a não preclusão de decisões interlocutórias de menor gravidade – como se sucede no campo laboral; b) a redução do rigor quanto às questões formais que implicam em preclusões com limitação do direito à prova, com inversão da ordem de eventos e dilações de prazo – como sempre defendido no campo laboral; c) e o incentivo à realização de audiências, com prestígio à oralidade e à efetividade – a espelho do que vem sendo realizado com sucesso no âmbito trabalhista.

Portanto, com o devido respeito a quem pense diversamente, entendemos que é o caso de propormos sim a aproximação dos ritos e não o seu isolamento[7] – como parece corretamente se colocar preambularmente a Instrução Normativa n° 39 do TST, de março de 2016[8].

Novo CPC no campo laboral – Disposições favoráveis. Das novidades destacadas pela doutrina a respeito do novel diploma adjetivo, entendemos por relevante sugerir as seguintes aplicações subsidiárias para o rito trabalhista: a) ajustes na sentença de acordo com o conjunto da postulação e respeitada a boa-fé objetiva – a consagrada novidade do art. 322, par. 2° viria em muito boa hora no campo trabalhista, corrigindo eventual ausência de informações da petição inicial do procurador do trabalhador; b) cabimento de multa em obrigação de pagar e outras medidas restritivas aplicáveis pelo Estado-juiz mesmo ex officio – diante de empregador com amplas condições financeiras, valendo-se da dicção do art. 139, IV, em nome dos valorizados conceitos da efetividade e do processo sincrético; c) aumento significativo das hipóteses de tutela provisória – como a de evidência pró obreiro, respeitadas as disposições do art. 311, em especial a do inciso IV; d) possibilidade de protesto do título judicial transitado em julgado – não cumprido voluntariamente pelo empregador, conforme autorização do art. 517; e) não aplicação do parcelamento da dívida (moratória) no título judicial – medida que, em tese, beneficiaria o reclamante, a fim de receber integralmente e de plano o seu crédito alimentar, de acordo com o art. 916, par. 7°; f) disposições favoráveis quanto aos honorários sucumbenciais e sua natureza alimentar – o que poderia determinar o aumento da condenação da reclamada em esfera recursal, na forma do art. 85, par. 11°; e g) redução da jurisprudência defensiva em nome do julgamento do mérito da contenda – com autorização de peças extemporâneas, de acordo com o comando geral do art. 218, par. 4° do Novo CPC.

Além dessas possibilidades, encontramos na Instrução Normativa n° 39, do TST, outros exemplos de ajustes do Novo CPC no âmbito juslaboral: a) a insuficiência no valor do preparo do recurso no processo trabalhista, para os efeitos do parágrafo 2° do art. 1007, se aplica unicamente às custas, não ao depósito recursal – assim se a reclamada deixou de fazer o depósito recursal ao tempo de interpor o recurso ordinário, não teria prazo adicional para fazer, sendo de plano não conhecida a irresignação; b) aplicam-se as normas do art. 356, que regem o julgamento antecipado parcial do mérito, cabendo recurso ordinário de imediato da decisão proferida em meio ao feito – já que não seria possível o cabimento de agravo de instrumento de um dos pedidos julgado antecipadamente, como se dá no procedimento comum em razão do permissivo contido no art. 1015, II do Novo CPC; c) o art. 489, par. 1°, IV não obriga o juiz ou o Tribunal a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido examinados na formação dos precedentes obrigatórios ou nos fundamentos determinantes de enunciado de súmula – aqui sendo proposta uma aplicação mitigada do grande dispositivo do Novo CPC, a regular a fundamentação completa das decisões judiciais.

Outras relevantes aplicações do Novo CPC no processo trabalhista. Fora as aproximações já realizadas, fechamos essa breve apresentação tratando da aplicação subsidiária em mais seis destacados cenários previstos na Instrução Normativa n° 39, do TST: a) fundamentação maior das decisões judiciais, a partir do comando do art. 11 do Novo CPC, levando em consideração aqui todos os incisos do parágrafo 1° do art. 489, em especial o inciso III, ao reconhecer como nula a decisão genérica, que invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; b) contraditório prévio, mesmo nas matérias de ordem pública – respeitada a dicção do art. 10, de acordo com a lógica do princípio da não-surpresa; c) formação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica – ponto mais polêmico, sendo admitido, ao menos, já na fase de conhecimento trabalhista, conforme art. 133 e ss.; d) a aplicação da lógica e estrutura dos precedentes - respeitados os termos do art. 927 e ss.; e) previsão de aplicação dos institutos da reclamação e da ação rescisória, com os contornos previstos no novel diploma adjetivo; f) e os reforços nos poderes concedidos ao juiz na condução do processo, forte no art. 139 do Novo CPC.

Não aplicações do Novo CPC no processo trabalhista. Por derradeiro, devemos tratar das hipóteses de não compatibilidade dos sistemas, conforme orientação geral da noticiada Instrução Normativa 39. Nada obstante concluirmos pela ampla aplicação subsidiária da Lei n° 13.105/2015 no campo juslaboral, por certo determinados dispositivos foram desde o início tratados como de anormal compatibilidade, quais sejam: a) prazos em dias úteis no Novo CPC: seguem na justiça do trabalho sendo corridos, como também os do juizados especiais antes tratados; b) prazos recursais de 15 dias no Novo CPC: seguem sendo de 8 dias na justiça do trabalho, com exceção dos embargos de declaração com prazo tradicional de 5 dias; c) prescrição intercorrente no Novo CPC: o instituto que aparece forte no rito executivo cível, segue estando fora do processo trabalhista, em razão de determinar prejuízo evidente à parte hipossuficiente, a qual teria direito de executar o seu crédito alimentar sem disposições prescricionais exíguas; d) audiência de conciliação e mediação do art. 334 do Novo CPC: a audiência inicial trabalhista segue tendo o mesmo formato, presidida pelo juízo da causa (juiz togado), como também a contagem do prazo contestacional, sendo aqui natural a apresentação da defesa já na audiência inaugural, imprimindo rito ainda mais coeso e célere do que o procedimento comum; e) negociação processual e acordo de procedimento, na forma dos arts. 190 e 191 do Novo CPC: trata-se de flexibilização procedimental que exige equidade de forças das partes, razão pela qual não seria recepcionada na justiça do trabalho – como também é tratada com muita reserve nos juizados especiais; e f) inquirição direta das testemunhas prevista pelo Novo CPC: segue sendo exigida a intervenção do Estado-juiz no processo trabalhista, também em razão da postura ativa buscando o equilíbrio de forças que é exigida do magistrado no âmbito juslaboral.


Notas e Referências:

[1] RUBIN, Fernando. Cenários de aplicação do Novo CPC no rito sumaríssimo dos juizados especiais in Empório do Direito: http://emporiododireito.com.br/cenarios-de-aplicacao-do-novo-cpc-no-rito-sumarissimo-dos-juizados-especiais/.

[2] RUBIN, Fernando. Procedimentos Judiciais em Direito Social in Revista de Direito do Trabalho n° 150 (abril/2013), p. 189/214.

[3] RUBIN, Fernando. O Novo CPC: Da construção de um novel modelo processual às principais linhas estruturantes da Lei n° 13.105/2015. São Paulo: Lex Magister, 2016, 1ª edição esgotada.

[4] Destacamos aqui Barbosa Garcia como um dos grandes e primeiros nomes a buscar corretamente a compatibilização do Novo CPC no âmbito do Direito Social: BARBOSA GARCIA, Gustavo Filipe. Curso de direito da seguridade social – de acordo com o Projeto do Novo CPC. Rio de Janeiro: Forense, 2015; Curso de direito processual do trabalho – de acordo com o Projeto do Novo CPC. Rio de Janeiro: Forense, 2012, 2ª Tiragem.

[5] CALCINI, Ricardo Souza. Novo Código de Processo Civil causa impactos no processo do trabalho. Texto extraído do sítio Conjur: http://www.conjur.com.br/2016-abr-28/ricardo-calcini-cpc-causa-impactos-processo-trabalho. Acesso em 18.01.2017.

[6] Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Processo: 0001688-64.2011.5.04.0231 Agravo de Petição, Data: 29/11/2016, Origem: 1ª Vara do Trabalho de Gravataí/RS, Órgão julgador: Seção Especializada Em Execução, Redator: Luiz Alberto De Vargas.

[7] Nesse mesmo sentido, vale a perspicaz observação de Edilton Meireles de que o processo do trabalho não guarda autonomia em relação ao processo civil brasileiro, não passando aquele de mais um dentre muitos procedimentos especiais previstos em nosso ordenamento processual: “a tentativa de se ressaltar a autonomia do processo do trabalho por parte dos processualistas trabalhistas e, por outro lado, o ‘esquecimento’ do processo laboral por parte dos processualistas civis, somente têm contribuído para frear o desenvolvimento daquele e retardar a modernização deste outro” (MEIRELES, Edilton. O Novo CPC e sua aplicação supletiva e subsidiária no processo do trabalho in Coleção Novo CPC: Doutrina selecionada, Vol. 1. Salvador: Jus Podivm, 2016, 2ª ed., p. 713/740).

[8] O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho aprovou, em 15/03/2016, a Instrução Normativa 39, que dispõe sobre as normas do novo Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis e inaplicáveis ao processo do trabalho. A IN 39 relaciona ao todo 15 dispositivos do novo código que não são aplicáveis, por omissão ou por incompatibilidade, ao processo do trabalho. Outros 79 dispositivos são listados como aplicáveis, e 40 têm aplicação em termos. O texto da IN 39 é resultado do trabalho de uma comissão criada em 2015 pelo então presidente do TST, ministro Barros Levenhagen. A comissão foi presidida pelo ministro João Oreste Dalazen e formada pelos ministros Ives Gandra Filho, Aloysio Corrêa da Veiga, Vieira de Mello Filho, Walmir Oliveira da Costa, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Alexandre Agra Belmonte e Cláudio Brandão – Notícia do Sítio do Tribunal Superior do Trabalho: http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/tst-regulamenta-pontos-do-novo-cpc-relativos-ao-processo-do-trabalho. Acesso em 16.03.2016.


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