"Não é possível uma democracia verdadeira sem a participação igualitária de todas as vozes que a compõem." - Angela Davis
A Constituição Federal de 1988, a Carta Magna do Brasil, traz em seu cerne princípios fundamentais, entre eles, a igualdade de direitos. No artigo 5º, estabelece-se que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". No entanto, observando a realidade do país, torna-se evidente que a concretização deste princípio é um desafio ainda a ser vencido, especialmente quando se trata da participação de mulheres e pessoas negras nos cargos de decisão no governo federal.
A igualdade prevista na Constituição não se limita apenas à igualdade perante a lei, mas também abrange a igualdade de oportunidades e a igualdade de representação. Nesse sentido, é crucial que as instâncias de poder, como o Judiciário, o Executivo e o Legislativo, reflitam a diversidade da sociedade brasileira. A sub-representação de mulheres e pessoas negras nestes espaços não apenas contraria o princípio constitucional da igualdade, mas também compromete a capacidade do governo de tomar decisões justas e abrangentes que atendam às necessidades de todos os cidadãos.
Uma das razões pelas quais a inclusão de mulheres e pessoas negras em cargos de alta gestão no governo federal é tão importante reside no fato de que esses grupos são a maioria da população brasileira. Ignorar essa realidade é negar a representatividade e, consequentemente, enfraquecer a legitimidade das instituições democráticas. Angela Davis, em seu livro "Raça, Gênero e Classe", nos lembra que a interseccionalidade dessas identidades é fundamental para entender as complexas formas de opressão que enfrentam. A sub-representação é um reflexo direto dessa opressão estrutural que permeia a sociedade brasileira.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) incluem a promoção da igualdade de gênero e o combate à desigualdade racial como metas essenciais. O ODS 5 busca alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas, enquanto o ODS 10 visa reduzir as desigualdades dentro e entre países. A sub-representação de mulheres e pessoas negras no governo federal é incompatível com esses objetivos internacionais, comprometendo a imagem do Brasil no cenário global e minando seus esforços em direção a um desenvolvimento sustentável.
Além disso, a diversidade é um princípio fundamental para a construção e execução de políticas públicas eficazes. A inclusão de diferentes perspectivas e experiências enriquece o processo de tomada de decisões, garantindo que uma variedade de vozes seja ouvida. Como Simone de Beauvoir argumentou em seu livro "O Segundo Sexo", as mulheres não devem ser apenas vistas como "o outro", mas devem participar ativamente na definição das políticas que afetam suas vidas. O mesmo princípio se aplica às pessoas negras, que enfrentam desafios únicos que devem ser abordados de forma adequada pelo governo.
A transformação interna do governo federal é crucial para combater a violência de gênero e raça. A inclusão de mulheres e pessoas negras em cargos de alta gestão não é apenas uma questão de representatividade, mas também de eficácia na elaboração de políticas públicas. É necessário um esforço intencional para que esses grupos sejam devidamente representados e ouvidos nas esferas de poder. Silvio Almeida, em seu livro "Racismo Estrutural", nos alerta para as estruturas profundamente enraizadas de desigualdade racial no Brasil, e a transformação do governo é um passo fundamental para combatê-las.
A interseccionalidade, conceito explorado por Carla Acotirene em seu livro "Interseccionalidade", nos ensina que as experiências das pessoas não podem ser reduzidas a uma única dimensão de identidade. As mulheres negras, por exemplo, enfrentam opressões que são tanto de gênero quanto de raça. Portanto, é fundamental abordar essas intersecções nas políticas públicas. Isso só pode ser alcançado com uma maior representação desses grupos nos cargos de decisão.
Em resumo, a igualdade prevista na Constituição brasileira não pode ser apenas um ideal abstrato, mas deve ser traduzida em ações concretas. A participação de mulheres e pessoas negras no governo federal, especialmente em cargos de alta gestão, não é apenas uma questão de justiça, mas também de eficácia na governança. A diversidade é essencial para equilibrar as relações sociais e para a criação e execução de políticas públicas mais abrangentes e eficientes.
O Brasil possui uma rica diversidade de culturas, perspectivas e experiências, e é hora de refletir essa diversidade em todas as esferas do governo. Somente assim poderemos cumprir não apenas as metas dos ODS da ONU, mas também o princípio fundamental da igualdade de direitos inscrito em nossa Constituição. É hora de agir de forma intencional e inclusiva, promovendo a igualdade de gênero e racial e combatendo a violência que continua a afetar esses grupos marginalizados. É hora de construir um governo que verdadeiramente represente todos os brasileiros.
Notas e referências
DAVIS, Angela. Raça, Gênero e Classe. Editora Boitempo, 2016.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Editora Nova Fronteira, 2019.
ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Editora Política, 2018.
ACOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Editora Letramento, 2017.
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