Distinção entre os conceitos de súmula, jurisprudência e precedentes em uma breve análise sobre as distorções havidas na aplicação da Teoria dos Precedentes em âmbito juslaboral

21/08/2018

 Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

  • Introdução

A análise acerca da adoção da Teoria dos Precedentes pelo ordenamento jurídico brasileiro exige a compreensão exata sobre o conceito de precedente judicial, de sua origem, institutos e fundamentos.

Para tanto, igualmente necessária a compreensão, ainda que concisa, acerca das principais particularidades existentes nos sistemas de common law e civil law, bem como das diferenças entre determinados institutos jurídicos e das referências existentes em cada um destes modelos jurisdicionais.

Ao final, pretende-se evidenciar certas distorções havidas na importação da Teoria dos Precedentes ao ordenamento jurídico pátrio, tanto pelas inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, o qual se aplica supletiva e subsidiariamente ao Processo do Trabalho, quanto pelas normas que visam regulamentar a utilização de seus institutos em âmbito juslaboral, em especial a Instrução Normativa nº 39, do Tribunal Superior do Trabalho.

  • Breve distinção entre os sistemas de common law e civil law

De início, é indispensável traçar, em breves linhas, as distinções existentes entre os sistemas jurídicos de common law e civil law, haja vista a necessidade de compreensão sobre as particularidades de cada um destes modelos, bem como os efeitos práticos decorrentes de sua adoção.

A tradição do civil law, também conhecido como sistema jurídico romano-germânico, representa o modelo jurisdicional mais adotado em todo o mundo, e tem como característica principal a decisão fundada em regras positivadas, as quais se consubstanciam em codificações tendentes a regular todas as relações jurídicas e explicitar todos os possíveis direitos e deveres dos cidadãos.

Daí se diz que, nos sistemas de civil law, em linhas gerais, a atividade jurisdicional fica vinculada ou se limita, necessariamente, à efetiva atividade legislativa, dependendo de diplomas legais que autorizem o magistrado a seguir por determinado caminho na resolução do caso concreto. Portanto, a principal fonte de direito, no sistema de civil law, é a lei, emanada da autoridade legislativa competente. Ato contínuo, a lei é também o vetor tendente a conferir segurança jurídica e previsibilidade às relações.

Curioso notar, todavia, que o sistema de civil law passou a evidenciar, ao longo do tempo, inconsistências no tocante à segurança pretendida, já que, por vezes, a mera aplicação do texto legal não se apresenta suficiente para pacificar as relações jurídicas e gerar consistência nas decisões. Neste sentido, são os dizeres de Luiz Guilherme Marinoni:

[...] a tradição do civil law, ancorada nas razões da Revolução Francesa, foi completamente descaracterizada com o passar do tempo. O juiz, inicialmente proibido de interpretar a lei, passou paulatinamente a interpretá-la, logo caindo em desuso as comissões legislativas, instituídas para resolver as dúvidas de interpretação, e, logo após, a primeira feição da Cassação, delineada como órgão de natureza não jurisdicional para cassar as interpretações judiciais incorretas[1] [...]”

A atividade jurisdicional, portanto, passou por grande revolução ao longo do tempo, dando margem à interpretação jurisdicional cada vez mais ativa. Nos países em que se adota o sistema jurídico romano-germânico, instaurou-se o conflito decorrente da insuficiência ou incoerência da legislação em detrimento de decisões judiciais cada vez mais díspares, que fomentaram o conflito social, ao invés de pacificá-lo, afastando o ideal de segurança jurídica.

O que se observa é uma certa flexibilização do conceito histórico de separação dos três poderes, na medida em que correntes doutrinárias fundadas no constitucionalismo e no ativismo judicial passam a pregar a possibilidade de construção jurídica por parte do juiz, o qual deixa de ser visto como mero aplicador do texto legal. Sábias as colocações de Luiz Guilherme Marinoni a este respeito:

"[...] O civil law vive, atualmente, a contradição entre o juiz real e o juiz das doutrinas acriticamente preocupadas apenas em justificar que a nova função do juiz cabe dentro do modelo do princípio da separação dos poderes. Na verdade, a doutrina esquece de esclarecer que o juiz da Revolução Francesa nasceu natimorto e que o princípio da estrita separação dos poderes sofreu mutação como passar do tempo, tendo, nos dias que correm, outra figura.[2] [...]”

A crítica feita por Marinoni ganha especial importância quando se nota que, mesmo diante da notória evolução histórica do papel do juiz no modelo de civil law, ainda se mantem, nesse sistema, a crença de que a lei é a única forma de prover segurança jurídica, mesmo que, da interpretação jurisdicional, possam advir diferentes decisões, quando ponderadas circunstâncias fáticas e jurídicas peculiares.

É justamente neste ponto que contrasta o modelo jurídico do common law, o qual, por sua vez, é oriundo da reminiscência anglo-saxã e destoa historicamente do civil law em função de sua tradição oral e predominância dos costumes. Neste sistema, as decisões judiciais possuem o importante papel de funcionar como precedentes a serem utilizados em casos posteriores, trazendo consigo, portanto, previsibilidade quanto às decisões futuras.

Para o common law, a segurança jurídica advém da decisão proferida em caso paradigmático, fruto da interpretação e construção jurídica no caso concreto, e não do mero texto legal. Desloca-se, portanto, a competência de construir o direito ao juiz, de acordo com as particularidades do caso em análise, ultrapassando-se eventuais barreiras que possam advir da ausência de legislação ou insuficiência desta.

O modelo do common law reconhece e convalida a importância da evolução histórica do papel do operador do direito na construção da segurança jurídica, partindo da premissa de que casos similares devem obter o mesmo tratamento, privilegiando a interpretação jurisdicional à luz das normas constitucionais.

A despeito de a ideia de utilização de precedentes judiciais como parâmetro para decisões mais justas ser preponderantemente difundida no sistema de common law, não é correto afirmar que seja exclusividade deste. Com efeito, precedentes judiciais sempre foram utilizados de forma argumentativa em discussões travadas no âmbito de países que adotam o sistema da civil law. O que muda entre um sistema e outro, todavia, é a natureza vinculativa de tais precedentes, muito mais contundente no common law.

O reconhecimento de que a atividade jurisdicional não deve se ater à mera aplicação da lei, mas sim, à adoção de um racional jurídico que atenda, da melhor forma, aos interesses e anseios constitucionais, é o pressuposto básico para se compreender que a segurança jurídica advém da construção do direito ao longo do tempo, e não da contemplação de um emaranhado de leis e codificações no intuito de decifrar um direito posto e estático.

Assim, a análise sobre as teorias declaratória e constitutiva do direito, bem como sobre as ideologias estática e dinâmica da interpretação é tarefa necessária para que se possa compreender o fundamento da utilização de precedentes na resolução de casos judiciais, como se verá adiante.

  • Das teorias declaratória e constitutiva do direito – natureza da atividade jurídica de interpretação e as ideologias estática e dinâmica da interpretação

A compreensão ampla e aprofundada sobre as particularidades da Teoria dos Precedentes, originada no sistema do common law, deve partir, necessariamente, de uma análise sobre a atividade jurisdicional na entrega da prestação demandada. Ao longo do tempo, muito se discutiu acerca da natureza desta atividade jurisdicional, tendo surgido duas principais teorias a este respeito.

A primeira teoria, denominada declaratória, afirma que a norma preexiste à decisão judicial. O direito, de origem legislativa ou consuetudinária, fruto do uso imemorial dos cidadãos, independe da decisão judicial, que é, tão somente, a forma pela qual a norma jurídica é exteriorizada pelo agente do Estado. O magistrado apenas declara o direito, que é criado em momento anterior, por obra do legislador ou da própria sociedade[3].

O principal expoente desta teoria foi o jurista inglês Willian Blackstone, que durante o século XVIII defendeu a ideia de que o direito poderia se evidenciar através do statute law (direito escrito) ou da lex non scripta (costumes gerais – common law). O common law abrangeria tanto os costumes gerais do reino quanto os particulares[4]. Complementando tal conceito, assevera Luiz Guilherme Marinoni:

"[...] A suposição de que o common law consiste nos costumes gerais faz sentir a teoria declaratória em outra perspectiva, isto é, a própria teoria declaratória sob disfarce. Partindo-se da ideia de que o common law está nos costumes gerais observados entre os Englishmen, o juiz não o cria, mas tão somente o declara. Daí a conclusão de Blackstone de que as decisões das Cortes constituíam a demonstração do que o common law é[5] [...]”

Por outro lado, a segunda teoria, denominada constitutiva, contrapõe-se à primeira, sustentando que o common law existe porquanto formulado por juízes detentores de autoridade inclusive para construir o direito no caso concreto, ao invés de meramente identifica-lo ou declará-lo de acordo com a lei ou com os costumes. Trata-se, pois, de enxergar a atividade jurisdicional como uma construção por parte do intérprete, que deve buscar a melhor alternativa na geração a norma para decidir o caso concreto.

Em âmbito internacional, essa doutrina foi capitaneada por Jeremy Bentham e John Austin, os quais criticaram a teoria declaratória asseverando que seus entusiastas atribuem a constituição do direito a “ninguém”, como se o direito fosse algo “existente desde sempre e para a eternidade, meramente declarado de tempo em tempo[6]”.

No Brasil, destaca-se posicionamento atual e contundente de Lenio Luiz Streck, o qual assevera que “não se pode conceber a existência de atividade jurídica sem interpretação. Isso porque não há um descobrir a norma, a partir de um significado já contido dentro de seu texto, mas um produzir/atribuir sentido à norma diante da problematização[7]”.

De acordo com a forma pela qual se enxerga a gênese do direito, tem-se uma maior ou menor participação do aplicador do direito na resolução do conflito. Daí advêm, ainda, as ideologias estática e dinâmica da interpretação.

Como já vem sendo dito, não há como se negar que a interpretação (autêntica) do direito há muito deixou de ser meramente declaratória. Com efeito, o juiz não é mero espectador, ou mero ator subordinado à atividade legislativa. Não lhe cabe, no exercício da atividade jurisdicional, meramente dizer o direito aplicável ao caso concreto. Esta já ultrapassada visão jurisdicional tem origem na ideologia estática da interpretação jurídica.

Para a ideologia estática da interpretação, a vontade do legislador adquiriria o status de verdade incontestável, fato que conferiria ao intérprete somente a tarefa de declarar e dizer, passivamente, qual norma solucionaria determinado conflito de interesses. Este modo de interpretação era utilizado, compreensivelmente, sob a égide do pensamento da Escola da Exegese, na França do início do século XIX, para a qual a palavra escrita sob a forma de lei funcionava como garantia do arbítrio judicial[8].

Ocorre que, com o desenvolvimento das democracias e reconhecimento gradativo da forma normativa das constituições, a ideia pregada pela ideologia estática restou superara. A este respeito, bem observam Renato Faloni de Andrade e outros:

“[...] No entanto, atualmente este modus exegético se acha superado pela ascensão institucional do Poder Judiciário que, ao contrário de outros tempos, assume, cada vez mais, um papel ativo na interpretação das normas. Na atual quadra dos tempos, o processo de elaboração das leis não se exaure, por completo, com a sua publicação. Esta fase, ainda que mais complexa, porquanto a lei é ato complexo, configura parcialmente o seu processo de criação que, em verdade, é finalizado em virtude da norma extraída para reger determinada situação da vida concreta[9]. [...]”

Assim, em contraposição ao posicionamento superado, a ideologia dinâmica da interpretação ganhou espaço e se consolidou ao longo do tempo. Essa ideologia busca a conformação da norma à realidade, por meio de uma exegese contextualizada, espacial e temporalmente. Ou seja, deve o intérprete adaptar o direito à realidade subjacente ao caso posto sob seu exame. Assim, a decisão do intérprete partirá não da descoberta, ou da mera declaração da vontade da lei, mas da análise da situação concreta, tomando por base tanto as necessidades das partes quanto às aspirações sociais.

Vale dizer, portanto, que a ideologia dinâmica da interpretação autoriza o intérprete a construir a norma a ser aplicável no caso concreto, sem que isso represente violação ou extrapolação das competências funcionais do poder judiciário.

Eros Roberto Grau reforça este entendimento ao asseverar que o "direito é um dinamismo", afirmando assim a insuficiência da ideologia estática do pensamento voltado unicamente à "vontade do legislador"[10]. Na medida em que o direito é dinâmico, deve se adequar às transformações sociais, em um contínuo processo de adaptação de seus textos normativos.

As posições antagônicas relacionadas às fontes do direito e aos métodos de interpretação jurídica, conforme aqui exposto, espelham a grande e principal distinção entre os sistemas jurídicos do civil law e da common law, haja vista que o uso dos precedentes jurídicos, muito mais presentes e com força vinculativa existentes neste segundo modelo, exigem que se permita pensar o direito de forma dinâmica, a ser construído pelo intérprete em conjunto com os atores sociais para que, assim, se obtenha a ansiada segurança jurídica.

Ou seja, não cabe falar, de plano, na adoção plena de precedentes judiciais em um modelo jurídico fechado que não permita a interpretação dinâmica e não reconheça a natureza declaratória da atividade jurisdicional. Ademais, cuidados de ordem técnica devem ser tomados para que se evite classificar determinados institutos jurídicos como precedentes, sob pena de se lhes desvirtuar a própria natureza e campo de aplicação.

  • Distinção entre súmula, jurisprudência e precedente.

Traçados os conceitos básicos acerca da atividade de interpretação jurídica e distinções existentes entre os dois principais sistemas jurídicos, cabe-nos agora avaliar a distinção entre institutos ou conceitos comumente aplicáveis no âmbito do civil law em comparação com a ideia de precedentes judiciais, fortemente presente no common law.

De início, destaca-se que, embora por vezes os termos “súmula”, “jurisprudência” e “precedente” possam ser utilizados como sinônimos, em maior ou menor grau, os significados de cada uma destas expressões guardam afastada distinção, a despeito de todos esses institutos devam ser produzidos exclusivamente por tribunais colegiados.

Em linhas gerais, por jurisprudência, tem-se o resultado de um conjunto de decisões judiciais, aplicações e interpretações das leis no mesmo sentido sobre determinada matéria, emanada dos tribunais. Trata-se, pois, de conceito que reflete o entendimento de uma determinada corte acerca do assunto e, por tal motivo, não se limita ou restringe, já que o entendimento pode se alterar ou evoluir com o passar do tempo.

A análise da jurisprudência, por vezes, revela-se insuficiente para compreender, de fato, qual é o posicionamento predominante de um determinado colegiado, principalmente porque não se verifica, dos julgados avaliados, a preocupação em delinear corretamente o contexto de análise e o posicionamento vinculado a uma interpretação jurisprudencial específica[11].

José Rogério Tucci também faz crítica à dificuldade de avaliação e compreensão do entendimento jurisprudencial, nos seguintes moldes:

“[...] em nossa experiência jurídica, num universo jurídico com mais de 50 tribunais de segundo grau, a respeito de muitas teses descobrem-se, não raro, num mesmo momento temporal, acórdãos contraditórios, evidenciando significativa ausência de uniformidade da jurisprudência e, como natural decorrência, consequente insegurança jurídica. E esse grave inconveniente pode ser inclusive constatado, por paradoxal que possa parecer, num mesmo tribunal, revelando divergência de entendimento, intra muros, entre câmaras, turmas ou sessões[12]. [...]”

Dada a discrepância de entendimentos que se constata entre as cortes colegiadas e, por vezes, em um próprio tribunal, há que enfrentar os temas de maior discussão com vistas a proceder a famigerada uniformização da jurisprudência e, assim, têm lugar a figura da súmula. Nos dizeres de José Rogério Tucci:

“Ao enfrentarem questões polêmicas ou teses jurídicas divergentes, os tribunais também produzem máximas ou súmulas que se consubstanciam na enunciação, em algumas linhas ou numa frase, de uma “regra jurídica”, de conteúdo preceptivo. Trata-se de uma redução substancial do precedente. A aplicação da súmula não se funda sobre a analogia dos fatos, mas sobre a subsunção do caso sucessivo a uma regra geral.

A construção de súmulas remonta a uma prática tradicional e consolidada do sistema judiciário luso-brasileiro. Não deriva da decisão de um caso concreto, mas de um enunciado interpretativo, formulado em termos gerais e abstratos. Por consequência, o dictum sumulado não faz referência aos fatos que estão na base da questão jurídica julgada e assim não pode ser considerado um precedente em sentido próprio, “mas apenas um pronunciamento judicial que traduz a eleição entre opções interpretativas referentes a normas gerais e abstratas. Sua evidente finalidade consiste na eliminação de incertezas e divergências no âmbito da jurisprudência, procurando assegurar uniformidade na interpretação e aplicação do direito[13]

Desta forma, a súmula representa a consolidação sintética da jurisprudência, ou seja, o resumo de um determinado entendimento jurisprudencial de um tribunal, que é uniformizado e formalizado por meio de um enunciado a fim de retratar e divulgar, de forma objetiva, o referido entendimento a quem possa interessar.

É correto afirmar, portanto, que a súmula consiste em texto, assim como também é a lei. A diferença é que emana de autoridade não imbuída, originariamente, na função legislativa, qual seja o poder judiciário. Antes disso, a súmula tem a função de servir como “lei” para os próprios tribunais, dada a constante dissonância entre decisões.

Por sua natureza textual e, portanto, naturalmente limitada, a súmula não comporta interpretações individualizadas de acordo com o contexto fático-jurídico do conflito em análise. Em verdade, o texto sumular se presta a atender, em última análise, uma demanda de política judiciária, que exige a resolução de um número cada vez maior de processos, em menor tempo, a fim de se resguardar os Princípios da Celeridade e Eficácia Processuais, além da busca pelo resultado útil do processo.

A função da súmula é, desta forma, bastante distinta da função dos precedentes, tal como utilizados no sistema de common law e, ainda de forma embrionária, nos modelos de civil law.

Isto porque, precedente é qualquer julgamento proferido por um órgão colegiado que venha a ser utilizado como fundamento de outro julgamento posterior. É uma decisão judicial tomada em um caso concreto, com todos os seus elementos de delimitação do contexto avaliado, da discussão jurídica em tela e das razões de decidir, que podem servir como exemplo para julgamentos de casos similares.

Nem toda decisão, ainda que proferida por um tribunal, pode ser chamada de precedente, já que somente reunirão essa condição as decisões que ostentarem um elemento de transcendência para outros casos. Ou seja, toda decisão que não transcender o caso concreto nunca poderá ser utilizada como razão de decidir de outro julgamento, por faltar-lhe seu elemento fundamental, que visa servir de parâmetro médio na busca pela construção da segurança jurídica.

Na sistemática do commow law, tradicionalmente, os precedentes apresentam força vinculante para os juízes, em função do princípio da universalização, segundo o qual casos similares devem ser tratados de modo análogo. Essa força vinculante, também chamada de stare decisis[14], é, nos dizeres de Celso de Albuquerque Silva:

“[...] sem dúvida alguma, pedra angular dos ordenamentos jurídicos pertencentes ao sistema da common law. A justificativa teórica clássica dessa doutrina remete às consequências benéficas de sua adoção. Acolhe a noção de que ela permite ao sistema legal usufruir as vantagens da previsibilidade na ordenação da conduta das pessoas, promove a necessária percepção de que a lei é estável, evita as frustrações de legítimas expectativas quanto aos direitos e deveres dos membros da coletividade, reduz o custo econômico e aumenta a eficiência do sistema judicial além de preservar o princípio da separação dos poderes por impedir uma desordenada e abusiva discricionariedade judicial na criação de normas, reforçando o judicial restraint [15]. [...]”

A forma vinculativa dos precedentes está ligada não apenas a uma questão de tradição jurídica mas, principalmente, na ideia de que determinados julgamentos possuem um elemento transcendental, que deve irradiar efeitos para além das partes envolvidas no caso em apreço.

Significa dizer que o precedente, enquanto norma produzida para o caso concreto, no ato do julgamento, sempre será composto pelas circunstâncias fático-jurídicas em análise e, adicionalmente, pela tese ou princípio jurídico que irá compor sua motivação, sendo certo que esta última característica deve conter certo grau de universalidade.

Evidenciada a característica fundamental dos precedentes, passemos a avaliar sua constituição e os institutos ou categorias que devem reger sua aplicação, na busca pela construção da segurança jurídica advinda das decisões judiciais.

  • Principais institutos na aplicação dos precedentes judiciais
    • Ratio decidendi e obter dictum

A ratio decidendi, que em latim significa “razão de decidir”, é também por vezes chamada de “motivos determinantes” da decisão. Trata-se do elemento formador do precedente judicial, porquanto representa os fundamentos da decisão proferida no caso concreto, considerando todas as suas particularidades.

Ao contrário do que ocorre nos sistemas jurídicos de civil law, os precedentes, no common law, possuem a ratio decidendi como elemento de relevância e transcendência imediata, independentemente do trânsito em julgado formal da decisão. Nos dizeres de Luiz Guilherme Marinoni:

“[...] A decisão, vista como precedente, interessa aos juízes – a quem incumbe dar coerência à aplicação do direito – e aos jurisdicionados – que necessitam de segurança jurídica e previsibilidade para desenvolverem suas vidas e atividades. O juiz e o jurisdicionado, nessa dimensão, têm necessidade de conhecer o significado dos precedentes.

[...]

É preciso sublinhar que a ratio decidendi não tem correspondente no processo civil adotado no Brasil, pois não se confunde com a fundamentação e com o dispositivo. A ratio decidendi, no common law, é extraída ou elaborada a partir dos elementos da decisão, isto é, da fundamentação, do dispositivo e do relatório. Assim, quando relacionada aos chamados requisitos imprescindíveis da sentença, ela certamente é “algo mais”. E isso simplesmente porque, na decisão do common law, não se tem em foco somente a segurança jurídica das partes – e, assim, não importa apenas a coisa julgada material -, mas também a segurança dos jurisdicionados em sua globalidade. Se o dispositivo é acobertado pela coisa julgada, que dá segurança à parte, é a ratio decidendi que, com o sistema do stare decisis, tem força obrigatória, vinculado a magistratura e conferindo segurança aos jurisdicionados[16]. [...]”

Apesar de parecer simples, a identificação da ratio decidendi acaba por gerar discussões de ordem prática, dada a dificuldade de se identificar, na decisão analisada, qual é a efetiva parcela da decisão que ostenta o efeito transcendental e vinculante, isolando-a dos demais elementos que compõem a fundamentação do decisum.

Neste particular, exsurge a discussão, também acirrada e antiga, acerca do conceito de obiter dictum (ou obter dicta, no plural), o qual é caracterizado, em linhas gerais, como comentário de passagem ou elementos secundários constantes da decisão, os quais não representam construção imprescindível para o alcance da ratio decidendi e que, por isso, a esta não integram, não servindo de precedente.

Nos dizeres de Marinoni, “para se compreender o significado de obiter dictum, ainda que na dimensão do common law, torna-se necessário sublinhar que a ratio decidendi seria um passo necessário ao alcance da decisão[17]”, ao passo que o obiter dictum não ostenta essa característica.

Em síntese, ao analisar o caso concreto, o julgado deve se aprofundar na pesquisa para compreender se já houve pronunciamento judicial sobre o tema em momento anterior e, constatando a existência deste, proceder à decomposição do precedente no intuito de se obter a ratio decidedi, separando-a dos obiter dicta. Luiz Henrique Volpe Camargo reforça a necessidade de adoção deste processo de decomposição, ao asseverar que:

[...] A decomposição tem o objetivo de separar a essência da tese jurídica ou razão de decidir (ratio decidendi no direito inglês ou holding no direito norte-americano) das considerações periféricas (obiter dicta), pois é apenas o núclero determinante do precedente que vincula (binding precedent) o julgamento dos processos posteriores[18]. [...]”

No intuito de ilustrar o processo de decomposição da decisão entre ratio decidendi e obiter dicta, Marco Antônio Botto Muscari, à luz das regras que regiam os contratos de compra e venda de imóveis antes da vigência do Código Civil de 2002, enumerou o seguinte:

[...] O art. 53 do Código de Defesa do Consumidor impede que, nos contratos de compra e venda de imóveis, seja estabelecida a perda total das prestações em benefício do credor, caso haja inadimplemento do adquirente. Num contrato celebrado no ano de 1988 houve inadimplemento por parte do compromissário comprador. A construtora pleiteia em juízo a resolução do contrato e a perda das prestações que o adquirente moroso desembolsou até então. Questão relevante, no caso sub judice, é saber se o Código do Consumidor incide nos contratos celebrados antes do seu advento. O tribunal afirma que, veiculando normas de ordem pública, a Lei Federal 8.078/1990 pode reger negócios pretéritos. E vai além, frisando que, mesmo que se entendesse inaplicável o Código de Defesa do Consumidor, face a anterioridade do compromisso, a perda das prestações teria natureza penal compensatória, havendo lugar para a redução a que alude o art. 924 do CC. Supondo que estivéssemos no sistema norte-americano, apenas a tese da efetiva aplicabilidade do Código do Consumidor aos contratos pretéritos seria obrigatória. A ratio decidendi seria: veiculando normas de ordem pública, a Lei Federal 8.078/1990 incide em negócios celebrados antes do seu advento. A aplicabilidade do art. 924 do CC foi afirmada de passagem, apenas para enriquecer a fundamentação e demonstrar que, ainda que não se aplicasse o Código de Defesa do Consumidor, estaria afastada a possibilidade de perda integral das prestações; seria um obiter dictum, portanto[19]. [...]”

Portanto, deve-se partir da premissa de que somente será considerado precedente o conteúdo da decisão que consubstancie sua ratio decidendi e, desde que esta apresente certo grau de universalização, que possa ser aproveitado em casos similares ou idênticos.

  • Distinguishing e overruling

Não menos importante, é a compreensão sobre os mecanismos do distinguishing e do overruling, os quais representam, em linhas gerais, alternativas ao intérprete para deixar de aplicar determinado precedente, em função da distinção do caso em análise ou da própria superação do entendimento esposado no caso paradigmático, respectivamente.

Não se pode perder de vista que, na condição de um instrumento de construção do direito no caso concreto e de busca pela consequente segurança jurídica, o precedente deve pautar-se pelo tratamento igualitário, propiciando a mesma entrega jurisdicional a diferentes jurisdicionados, uma vez verificada a transcendência da ratio decidendi existente em casos pretéritos julgados no mesmo sentido.

Por isso, não se concebe aplicar precedentes na resolução de casos distintos, sob pena de desvirtuamento do instituto, dada a generalização e abstração do mecanismo. Nas lições esclarecedoras de Marinoni:

"[...] Ao realizar o distinguishing, o juiz deve atuar com prudência e a partir de critérios. Como é óbvio, poder para fazer o distinguishing está longe de significar sinal aberto para o juiz desobedecer precedentes que não lhe convêm. Ademais, reconhece-se, na cultura do common law, que o juiz é facilmente desmascarado quando tenta distinguir casos com base em fatos materialmente irrelevantes.

Diferenças fáticas entre casos, portanto, nem sempre são suficientes para se concluir pela inaplicabilidade do precedente. Fatos não fundamentais ou irrelevantes não tornam casos desiguais. Para realizar o distinguishing, não basta ao juiz apontar fatos diferentes, cabendo-lhe argumentar para demonstrar que a distinção é material, e que, portanto, há justificativa para não se aplicar o precedente. Ou seja, não é qualquer distinção que justifica o distinguishing. A distinção fática deve revelar uma justificativa convincente, capaz de permitir o isolamento do caso sob julgamento em face do precedente. [20]. [...]”

Um exemplo nítido e de fácil compreensão acerca da aplicação do mecanismo do distinguishing foi apresentado por Maurício Ramires, ao discorrer sobre um caso hipotético no qual um réu é condenado pela prática de crime de racismo, por “escrever, editar, divulgar e comerciar livros fazendo apologia de ideia preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica”, chegando o caso à apreciação da corte.

De acordo com referido autor, o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento, no julgamento do Habeas Corpus de nº 82.424/RS (paciente Siegfried Ellwanger), no sentido de que a publicação de livros com conteúdo discriminatório contra judeus constitui crime de racismo antissemita. A ratio decidendi, portanto, parece se aplicar, igualmente, ao cenário hipotético proposto pelo autor.

Todavia, no decorrer da análise do caso hipotético proposto, o autor sugere que o juiz passou a constatar distinções relevantes do ponto de vista material, de modo a afastar a aplicação do precedente emitido no julgamento do HC 82.424/RS, através do mecanismo do distinguising, conforme segue:

"[...] o juiz percebe uma distinção entre os casos, que pode ser importante. Ellwanger havia editado livros antissemitas de sua própria autoria (como Holocausto: Judeu ou Alemão? – Nos bastidores da mentira do século), além de obras inéditas de outros autores; o réu hipotético, ao contrário, apenas reeditou obras bem conhecidas de autores consagrados no Brasil e no mundo [...]. Além disso, a editora de Ellwanger era dedicada exclusivamente à publicação e divulgação de textos filonazistas; a casa editorial do réu hipotético, por sua vez, publicava uma linha diversificada de obras, sendo aquelas duas apenas um par de espécimes isolados dentre várias curiosidades históricas.

[...] Quando todo o quadro é levado em consideração, o juiz chega à conclusão que os casos não são iguais, muito embora o réu hipotético tenha editado e comercializado os mesmos livros que Ellwanger.

[...] O princípio da (correta) decisão do HC 82424/RS é a vedação do discurso de ódio (hate speech), por exigência da dignidade da pessoa. As ações de Ellwanger eram as de um nazifacista. Ele não dispunha da liberdade de expressão para divulgar suas ideias porque o que pretendia era disseminar a perseguição sistemática aos judeus. [...]

No caso hipotético de um editor eventual de livros conhecidos que tenham algum conteúdo antissemita, porém, não se pode dizer exatamente o mesmo. [...] Assim se ilustra a lógica da pergunta e da resposta. As perguntas do julgador do caso presente à decisão do caso precedente o levaram a descobrir a pergunta para a qual aquele texto era a resposta. E com isso, chegou à conclusão de que os dois casos apresentavam perguntas diversas[21] [...]”

O overruling, por sua vez, caracteriza-se pela revogação ou superação de um precedente, em função da alteração significativa do contexto social que o motivou, seja por aspectos políticos, morais, religiosos, jurídicos ou mesmo tecnológicos. Nos dizeres de Melvin Aron Eisenberg:

“[...] um precedente está em condições de ser revogado quando deixa de corresponder aos padrões de congruência social e consistência sistêmica e, ao mesmo tempo, os valores que sustentam a estabilidade – basicamente os da isonomia, da confiança justificada e da vedação da surpresa injusta – mais fundamental a sua revogação de que a sua preservação[22][...]”

Fredie Didier Jr. também deixa sua contribuição ao definir o overruling como “técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente[23]”.

Trata-se, pois, do método em que os tribunais, depois da reavaliação dos fundamentos que levaram à formação de um precedente que ordinariamente se aplicaria ao caso em julgamento, decidem cancelar a fórmula anterior e atribuir uma interpretação, total ou parcialmente, diferente da antecedente.

Estes mecanismos nos permitem concluir, portanto, que a aplicação dos precedentes visa, primordialmente, a uniformização e constância das decisões judiciais em casos similares, cujo objeto discutido guarde grau de universalidade com outras possíveis discussões jurídicas, havendo plena possibilidade de que os precedentes deixem de ser aplicados em casos de distinguishing e overruling, desde que a não aplicação seja devidamente fundamentada.  

Este viés de aplicação (ou não aplicação) dos precedentes é importante para que possamos compreender a incongruência do modelo de uniformização de jurisprudência por súmulas, que impera em nosso sistema jurídico.

  • Exemplo prático de distinção entre as funções interpretativas na aplicação de súmulas e precedentes

A fim de ilustrarmos a real distinção, na aplicação prática, dos conceitos de súmulas e precedentes, propomos a seguir, a título exemplificativo, a análise do texto do inciso III, da Súmula 244, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), à luz dos precedentes que lhe deram origem.

De início, vale transcrever o teor do inciso destacado na mencionada Súmula 244:

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA.

[...] omissis

III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

Vislumbra-se do referido texto, com caráter prospectivo e abstrato, o entendimento de que, mesmo na hipótese de contratos de trabalho firmados por tempo determinado, a empregada gestante terá direito à estabilidade provisória prevista pelo ordenamento.

Como consequência, muitos julgados emanados de cortes inferiores ou mesmo de magistrados em primeira instância se curvam, de maneira objetiva e inquestionável, ao posicionamento estampado no texto da referida Súmula, como se vê dos exemplos adiante transcritos:

ESTABILIDADE GESTANTE. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. A empregada gestante tem direito subjetivo à estabilidade provisória no emprego, sendo suficiente para obtenção dessa garantia constitucional a concepção no transcorrer do contrato de trabalho, não dependendo de prévia comunicação ao empregador. Aplicação da Súmula 244/TST. O reconhecimento da estabilidade transforma a natureza do contrato de experiência original, para contrato por prazo indeterminado (TRT 11ª Região. Processo nº 0001999-59.2016.5.11.0013. Relator: Desembargador David Alves de Mello Junior. Publicado em 13/12/2017) (grifos nossos).

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. Não obstante a validade do contrato por prazo determinado, a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT (Súmula 244, III/TST), independentemente da ciência do estado gravídico pelo empregador (Súmula 244, I/TST). Apelo da autora parcialmente provido. (TRT 24ª Região. Processo nº 0001032-17.2012.5.24.0005, Relator: Desembargador Marcio V. Thibau de Almeida. Publicado em 15/05/2013) (grifos nossos).

Ocorre que, ao avaliarmos detalhadamente o conteúdo dos precedentes apontados como ensejadores da redação do referido inciso III, da Súmula 244, nos deparamos, de plano, com o acórdão proferido pelo TST no âmbito do Recurso de Revista de nº 1601-11.2010.5.09.0068, de relatoria do Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho[24].

Com efeito, no decorrer de seu voto, o referido ministro faz referência ao entendimento consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), apontando aqueles que seriam os precedentes por ele adotados para seu convencimento, quais sejam:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CARGO EM COMISSÃO. SERVIDORA GESTANTE. EXONERAÇÃO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. 1. As servidoras públicas e empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Precedentes: RE n. 579.989-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Dje de 29.03.2011, RE n. 600.057-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, Dje de 23.10.2009 e RMS n. 24.263, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 9.5.03. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 804574 AgR/DF - DISTRITO FEDERAL - AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - Relator: Min. LUIZ FUX - Primeira Turma - Publicação DJe-15/09/2011). (grifos nossos)

CONSTITUCIONAL. LICENÇA-MATERNIDADE. CONTRATO TEMPORÁRIO DE TRABALHO. SUCESSIVAS CONTRATAÇÕES. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ART. 7º, XVIII DA CONSTITUIÇÃO. ART. 10, II, b do ADCT. RECURSO DESPROVIDO. A empregada sob regime de contratação temporária tem direito à licença-maternidade, nos termos do art. 7º, XVIII da Constituição e do art. 10, II, b do ADCT, especialmente quando celebra sucessivos contratos temporários com o mesmo empregador. Recurso a que se nega provimento. (RE-287905/SC - SANTA CATARINA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relatora: Min. ELLEN GRACIE - Relator p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA - Segunda Turma - Publicação DJ 30-06-2006). Precedentes: RE n. 579.989-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Dje de 29.03.2011, e RMS n. 24.263, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 9.5.03. (grifos nossos)

Vale notar que os mesmos precedentes do STF, mencionados pelo Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, são indicados em diversos outros julgados do TST, também indicados como “precedentes” para a formatação final do inciso III, da Súmula 244, do TST.

Contudo, basta uma análise mais detida do posicionamento esposado pelos julgados emanados pela Corte Suprema para constatar que, em verdade, trataram de situações peculiares em termos fáticos, na medida em que se referiram, em maior ou menor grau, à condição da gestante servidora pública, assim como da admitida em cargo de comissão, ventilando regras de Direito Administrativo no tocante à contratação e remuneração de servidores.

Como é sabido, aos servidores públicos não se aplicam, via de regra, as disposições constantes da Consolidação das Leis do Trabalho, exceção feita aos empregados públicos, cujo Direito Administrativo assegura a extensão do regime celetista, dada a natureza peculiar da exploração da atividade econômica pelo empregador. Por certo, essa característica fora desprezada pelo TST ao formular o inciso III, da Súmula 244, aqui discutida.

O único julgado do STF, apontado como precedente para o entendimento do TST, que tratou puramente da questão de empregadas da iniciativa privada ostentou, também, uma particularidade fática que não pode ser ignorada, qual seja, a existência de contratações sucessivas por parte do empregador, que firmou vários contratos temporários com a empregada gestante.

Ou seja, os julgados emitidos pelo STF, que serviram de base para a formatação histórica do inciso III, da Súmula 244, por parte do TST, não trataram exclusivamente da condição das empregadas gestantes em iniciativa privada, cujos contratos por prazo determinado tenham sido firmados uma única vez com um determinado empregador.

Todavia, a despeito de os supostos precedentes apontarem para situações com contornos fáticos bastante específicos, o texto de Súmula passou a ser aplicado de forma indistinta, a todas e quaisquer relações de emprego nas quais a mera condição fisiológica da empregada (gestação) venha a ser confirmada, não se admitindo qualquer exceção ou consideração acerca dos deveres das partes na relação laboral, em especial dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva que incluem a obrigação de transparência e informação entre as partes.

Outro exemplo eloquente de dissociação entre o texto sumular e os precedentes que lhe deram origem está na Súmula 418, do TST, editada mais recentemente, em abril de 2017, a qual possui a seguinte redação:

MANDADO DE SEGURANÇA VISANDO À HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. A homologação de acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança. (grifos nossos).

De início, verifica-se que os precedentes citados pela referida Súmula[25] remontam a um passado longínquo – final da década de 90 e início dos anos 2000 – razão que, por sí só, já é suficiente para pôr à prova sua adequação em função da evolução dinâmica e implacável das relações de trabalho e necessidades jurisdicionais.

Destaque-se, em resumo, o que citam alguns dos precedentes que deram origem à Súmula 418:

MANDADO DE SEGURANÇA. NÃO-HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EM EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Ato hostilizado consistente na recusa do Juízo em homologar acordo firmado entre o Sindicato-autor e a Empresa, determinando-se o prosseguimento da execução, com a realização de praça. 2. Inexiste imposição legal ao juiz, dado o princípio da persuasão racional, à homologação de transação. 3. Levando-se em consideração as particularidades do caso, tais como a disparidade entre o valor objeto da execução e o acordado, bem como havendo dúvidas quanto à real abrangência dos integrantes da avença (eram 119 os substituídos e apenas 11 foram enumerados no acordo), não se vislumbra nenhuma ilegalidade na ausência de homologação do acordo, inexistindo o alegado direito líquido e certo a ser protegido pelo presente remédio jurídico. 3. Recurso Ordinário desprovido. (ROMS 533427/1999 – Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes – Publicação em 16/05/2003). (grifos nossos)

MANDADO DE SEGURANÇA. RECUSA À HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. Recusa de homologação de acordo individual do substituído firmado com o Banco-reclamado, após prolação de sentença e interposição de recurso ordinário em ação de cumprimento ajuizada pelo sindicato da categoria. Inexiste imposição legal ao juiz, dado ao princípio da persuasão racional, à homologação de transação. Levando-se em consideração a existência de inúmeras petições de acordos protocoladas por quase todos os substituídos, contendo as mesmas condições objetivas (cláusulas e valores a serem pagos), caracterizando verdadeira negociação coletiva, e havendo a expressa discordância por parte do sindicato da categoria, aliado ao fato de já haver nos autos decisão favorável aos substituídos, determinando-se o cumprimento das cláusulas previstas em norma coletiva, não se vislumbra o alegado direito líquido e certo a ser protegido pelo presente remédio jurídico. (ROMS 186/2001-000-17-00.3 – Min. Emmanoel Pereira). (grifos nossos)

MANDADO DE SEGURANÇA. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. Na Justiça do Trabalho, toda conciliação, devido a sua importância, deve se cercar de cuidados, tanto é que para ter validade deverá ser homologada pelo juiz. O juiz, no seu papel de conciliador e de conhecedor da lei, deverá verificar a real vontade das partes, especialmente a do Reclamante, bem como se certificar dos reais termos do acordo. Dessa forma, a homologação do acordo não constitui direito líquido e certo do impetrante, pois se trata de atividade jurisdicional alicerçada no livre convencimento do juiz. Recurso conhecido e desprovido. – trecho da fundamentação: No presente caso, verificamos que as partes celebraram acordo, com o pagamento da importância de R$ 2.700,00, e consignaram que o mesmo era por "mera liberalidade e sem o reconhecimento do vínculo empregatício". Posteriormente, o Reclamante peticionou no sentido de que pretendia manter o vínculo empregatício renunciado ao acordo. O Juiz nada mais fez do que respeitar a vontade do Reclamante, que, nesse caso, é irrenunciável por constituir imposição de ordem pública. Dessa forma, a homologação do acordo não constitui direito líquido e certo do Impetrante, pois se trata de atividade jurisdicional alicerçada no livre convencimento do juiz. (ROMS 645012/2000 – Min. Francisco Fausto Paula de Medeiros) (grifos nossos)

Verifica-se pela leitura atenta dos referidos precedentes que a motivação fundamental para a negativa da homologação judicial do acordo pelos respectivos magistrados esteve intimamente ligada às circunstâncias específicas do caso concreto, seja pelo arrependimento de uma das partes ou pela constatação de indícios tendentes a fraudar direitos trabalhistas.

Ou seja, a regra textual estampada pela Súmula 418 ignora as particularidades fáticas que a deram origem, passando a atuar como permissivo normativo para que juízes, em quaisquer circunstâncias, possam se recusar a homologar determinado acordo, sem receio de terem sua determinação obstaculizada por Mandado de Segurança.

No sistema jurídico da common law, os precedentes apontados pelo TST apenas teriam aplicação para casos de contornos fáticos similares, de modo que, a condição das empregadas gestantes na iniciativa privada, com contratos por prazo determinado, seria tratada à luz do distinguishing, exigindo solução adequada e ponderada sob a ótica dos vários institutos jurídicos que regem as relações de emprego.

Os exemplos aqui traçados são apenas alguns dentre tantos outros que se verificam no dia-a-dia da prática forense. Há inúmeros exemplos de textos de súmula desacompanhados de precedentes específicos, bem como de má-aplicação dos mecanismos de distinguishing e overruling por parte do Judiciário.

  • Do tratamento dado aos precedentes pelo Código de Processo Civil de 2015

O Código de Processo Civil de 2015 (CPC 2015) inovou ao incorporar, de maneira expressa, regras relativas à necessidade de observância aos precedentes judiciais, trazendo consigo, inclusive, a noção de precedentes judiciais vinculantes.

O artigo 489, do CPC 2015, ao tratar dos elementos essenciais da sentença, dispõe em seu parágrafo primeiro, que a decisão não será considerada fundamentada se: a) se limitar a invocar precedente sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos ou b) deixar de seguir precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Evidencia-se, pois, regra destinada ao magistrado de primeira instância que, na análise do caso concreto, sempre que existente ou invocado um precedente (de ofício ou pela parte interessada), deverá confirmar se o mesmo encontra aplicação ou se trata-se de hipótese de distinguishing ou overruling.

Não obstante, o artigo 927, do mesmo diploma legal, dispõe taxativamente o quanto segue:

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados

Pouco antes, o artigo 926, §2º, do CPC 2015, dispõe que “ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”.

Assim, a ideia existente na construção legal do CPC 2015 parte da premissa de que os enunciados de súmula necessariamente representam a melhor análise acerca do contexto fático-jurídico do caso que lhes deram origem, quando, em verdade, se sabe que não é essa a realidade existente em nosso modelo.

Como destacado no item anterior, os enunciados de jurisprudência, ou súmulas, em muitos casos, expressam de forma objetiva e desvinculada de um contexto fático de análise teses jurídicas que são replicadas de forma ampla e abstrata a diversos casos, ignorando-se as peculiaridades que possam existir no conflito concreto.

É justamente neste ponto que reside a crítica à tentativa de adoção, por parte do ordenamento jurídico brasileiro, fundamentalmente de civil law, da teoria dos precedentes.

A despeito de promover a aproximação entre os dois modelos jurisdicionais, o ordenamento pátrio acaba por promover certa confusão entre os conceitos de precedentes e súmulas, fazendo transparecer que estas últimas equivalem ou ostentam as mesmas características daqueles.

Lenio Luiz Streck, mais uma vez de forma contundente, critica a tentativa de se atribuir efeitos vinculantes, a exemplo do que ocorre com os precedentes, às decisões dos Tribunais Superiores:

“[...] porque com a súmula vinculante, o tribunal estará definindo, previamente (veja como isto também ocorre com a interpretação conforme) os limites do sentido do texto, bem como o próprio sentido desses limites, obstacularizando o necessário devir interpretativo, impedindo-se, assim, o aparecer da singularidade/especificidade do caso jurídico sob exame[26][...]”

O mesmo autor ainda complementa:

“[...] Vale dizer, para o senso comum teórico, a elaboração de súmula vinculante, já que ela é abstrata, e sua aplicação é pro futuro, poderia ser aplicada de maneira entitificada, isto é uma categoria a partir da qual se farão deduções e subsunções. Ora, na medida em que a súmula é feita para resolver casos futuros, e nisso reside um equívoco hermenêutico de fundamental importância, o senso comum passa a imaginar que a utilização a súmula vinculante teria a função precípua de transformar os casos difíceis (que exigiam exaustiva interpretação) em casos fáceis (que em razão do texto sumular passariam a ser solucionados de forma automática via subsunção). Ou seja, a súmula viria para facilitar a vida do intérprete que poderia utilizar a dedução para solucionar milhares de processos de uma só vez, porque agora eles são “fáceis”, bastante, então, a subsunção [27][...]”

Fazendo um contraponto a este entendimento, Teresa Arruda Alvim Wambier acredita ser possível a utilização de súmulas vinculantes e demais enunciados de jurisprudência como fonte de previsibilidade e segurança jurídica.

Nos dizeres da mencionada professora, “costuma-se criticar o sistema da súmula vinculante, dizendo-se que ele enseja o engessamento da jurisprudência, o que levaria à indesejável imobilidade do direito[28]”. Contudo, conclui seu raciocínio da seguinte forma:

“[...] Estivessem, os que assim pensam, com a razão, o direito inglês seria o mesmo do século XIII! Somados os prós e os contras (e há inúmeros prós e inúmeros contras), sempre nos pareceu conveniente a adoção do sistema de súmulas vinculantes. Sempre consideramos ser uma medida vantajosa, já que, se, de um lado, acaba contribuindo para o desafogamento dos órgãos do Poder Judiciário, de outro lado, e principalmente, desempenha papel relevante no que diz respeito a valores prezados pelos sistemas jurídicos: segurança e previsibilidade. [29][...]”

A despeito dos posicionamentos antagônicos dos referidos autores, é de se notar que ambos carregam certo nível de razão. Não há como se negar a importância das súmulas (em especial das vinculantes) na construção de uma jurisprudência constitucional unificada, notadamente em nosso modelo jurídico de civil law, que ainda se vê bastante ligado à imperatividade do texto legal enquanto fonte do direito.

Contudo, também é impossível afastar a ideia de que os enunciados de jurisprudência se constituem em textos normativos abstratos e, por sua natureza, não têm o condão de abranger e resolver de maneira satisfatória todos os casos em que sejam aplicados por mera subsunção. E a realidade forense evidencia que a aplicação de súmulas e demais enunciados de jurisprudência é feita de forma ampla e, por vezes, como condição para prosseguimento de discussões em âmbito judicial, o que levanta discussões, inclusive, sob a ótica do acesso ao judiciário.

  • Da aplicação subsidiária das previsões do CPC ao Processo do Trabalho – regras de aplicação

Transportando-se a problemática para o âmbito trabalhista, especificamente, é importante relembrar que as normas de Direito Processual Civil são aplicáveis, de forma subsidiária ou supletiva, ao Processo do Trabalho, por força do artigo 769[30], da CLT.

Quando da promulgação do CPC 2015, o TST tratou de expedir a Resolução nº 203, de 15 de março de 2016, a qual editou a Instrução Normativa de nº 39 (IN 39), tendo como finalidade dispor sobre “as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho”.

O artigo 3º, inciso IX, da IN 39, do TST, foi claro ao dispor que se aplicam ao Processo do Trabalho as disposições do artigo 489, do CPC 2015, o qual trata sobre os requisitos para a fundamentação da sentença, já explorados acima. Assim, a IN 39 admitiu expressamente a necessidade de fundamentação das decisões trabalhistas no tocante aos precedentes invocados de ofício ou a requerimento da parte, a fim exigir a identificação da ratio decidendi e, quando cabível, a adoção dos mecanismos de distinguishing e overruling para afastar o precedente invocado.

Até este ponto, verificou-se grande avanço para o direito juslaboral, na medida em que elementos adicionais à formação do convencimento do magistrado foram agregados, deixando o ordenamento trabalhista de se ater tão somente ao texto da lei e seus congêneres.

Todavia, mais adiante, o artigo 15 da IN 39 assim dispôs:

Art. 15. O atendimento à exigência legal de fundamentação das decisões judiciais (CPC, art. 489, § 1º) no Processo do Trabalho observará o seguinte:

I – por força dos arts. 332 e 927 do CPC, adaptados ao Processo do Trabalho, para efeito dos incisos V e VI do § 1º do art. 489 considera-se “precedente” apenas:

a) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos (CLT, art. 896-B; CPC, art. 1046, § 4º);

b) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

c) decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

d) tese jurídica prevalecente em Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho (CLT, art. 896, § 6º);

e) decisão do plenário, do órgão especial ou de seção especializada competente para uniformizar a jurisprudência do tribunal a que o juiz estiver vinculado ou do Tribunal Superior do Trabalho.

II – para os fins do art. 489, § 1º, incisos V e VI do CPC, considerar-se-ão unicamente os precedentes referidos no item anterior, súmulas do Supremo Tribunal Federal, orientação jurisprudencial e súmula do Tribunal Superior do Trabalho, súmula de Tribunal Regional do Trabalho não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do TST, que contenham explícita referência aos fundamentos determinantes da decisão (ratio decidendi).

Ou seja, a exemplo do tratamento dado pelo CPC 2015 aos textos de súmula ou outros enunciados de jurisprudência, a IN 39 do TST também trouxe confusão quanto à aplicação da Teoria dos Precedentes, ao equiparar textos sumulares, que consistem fundamentalmente em normas de caráter abstrato e desvinculado de um contexto fático, aos precedentes judiciais, que dependem da construção interpretativa que passa pela análise da ratio decidendi e de obter dicta, bem como pelo emprego cauteloso dos mecanismos de distinguishing e overruling.

A bem da verdade, o que se constata é que o TST definiu, prima facie, aqueles que devem ser considerados precedentes para fins da aplicação das disposições legais do CPC 2015, olvidando-se do fato de que os precedentes judiciai reais, quando assim constituídos, se dão a posteriori, como corolário de um julgamento em que impera o acesso hermenêutico na busca pela melhor solução para o caso concreto.

A julgar pelas discrepâncias existentes entre os textos de súmula e os precedentes que lhes deram origem, como evidenciado, exemplificativamente, em tópico próprio acima, podemos presumir que a aplicação da Teoria dos Precedentes em nosso sistema jurídico, ainda muito influenciado pelo civil law, tende a restar infrutífera, exceto se houver o aprimoramento dos conceitos necessário para a exata compreensão dos institutos e de suas finalidades.

  • Considerações finais

A despeito da tentativa de aproximação dos modelos de civil law e common law, evidenciada pela importação de institutos relativos à aplicação dos precedentes judiciais vinculantes ao ordenamento jurídico brasileiro, verifica-se que há certa confusão quanto à definição acerca do conceito de precedente.

Como discutido alhures, os precedentes judiciais detém elementos que propiciam sua utilização de forma paradigmática em casos similares, por ostentarem grau de universalidade e transcendência quanto à ratio decidendi. O conceito chave subjacente à essa aplicação é o de que deve ser concedido tratamento igualitário aos conflitos que apresentem similitude de contornos fático-jurídicos.

Ou seja, tentar abarcar de forma igualitária, sob a ótica do texto legal, conflitos que, em sua essência, apresentam motivações distintas e peculiaridades incomunicáveis, consiste em método que evidencia a insuficiência do sistema puramente fundado na civil law.

Reconhecida a insuficiência da lei como fonte única do direito e, de outro lado, a necessidade de uma atuação dinâmica e constitutiva do intérprete na construção das normas para resolução do caso concreto, faz-se necessário o aprimoramento da utilização do instituto dos precedentes judiciais.

Não há como se equiparar textos ou enunciados de súmula (resumos da jurisprudência), aos precedentes judiciais dos quais se apropria o modelo da common law, já que os precedentes são reconhecidos a posteriori, como corolário de um julgamento em que impera o acesso hermenêutico, substancialmente restrito pela aplicação das súmulas.

Por vezes, o texto de súmula não evidencia ou reflete o conteúdo substancial dos precedentes que lhe deram origem, propiciando discrepâncias que nos levam a concluir pela impossibilidade de aplicação, em nosso ordenamento jurídico, notadamente o juslaboral, da Teoria dos Precedentes, exceto se houver a completa ruptura entre os conceitos de súmulas/enunciados de jurisprudência e precedentes, a fim de promover o aprimoramento necessário para a exata compreensão dos institutos e de suas finalidades.

 

Notas e Referências 

ANDRADE, Renato Faloni de; RAMOS, Adriana Monteiro et al. A interpretação do Direito em Eros Grau. Repensando o paradigma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2505, 11 de maio de 2010.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013.

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MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.

RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação dos precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2013.

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O precedente judicial e as súmulas vinculantes. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. In Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, ISSN 0391-1896, Vol. 61, nº 3, 2007.

TUCCI, Rogério Cruz e. Notas sobre os conceitos de jurisprudência, precedente judicial e súmula. Portal eletrônico do site Consultor Jurídico – Conjur, 2015.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 16.

[2] Idem.

[3] SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2013, p. 41.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 23.

[5] Idem, p. 23.

[6] Idem, p. 24.

[7] STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3 ed. rev. atual. de acordo com o novo CPC. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 53

[8] CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 125.

[9] ANDRADE, Renato Faloni de; RAMOS, Adriana Monteiro et al. A interpretação do Direito em Eros Grau. Repensando o paradigma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2505, 11 de maio de 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14826. Acesso em: 06/06/2018.

[10] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5.ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 129.

[11] A este respeito, vide comentários oportunos trazidos por TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. In Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, ISSN 0391-1896, Vol. 61, nº 3, 2007, pág. 714.

[12] TUCCI, Rogério Cruz e. Notas sobre os conceitos de jurisprudência, precedente judicial e súmula. Julho de 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jul-07/paradoxo-corte-anotacoes-conceitos-jurisprudencia-precedente-judicial-sumula. Acesso em: 07/06/2018.

[13] Idem.

[14] Segundo o autor, o termo é a abreviação do brocardo stare decisis et non quieta movere, que pode ser traduzido para “mantenha a decisão e não perturbe o que está estabelecido”.

[15] SILVA, Celso de Albuquerque. Súmula vinculante: teoria e prática da decisão judicial com base em precedentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 59.

[16] MARINONI, op. cit., págs. 219-220.

[17] Idem, p. 232

[18] CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil brasileiro. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 559.

[19] MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, págs. 82-83.

[20] MARINONI, op. cit., págs. 325-326.

[21] RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação dos precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, págs. 126-130.

[22] EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the common law. In: MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 389.

[23] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 456.

[24] Relação completa dos precedentes disponível para consulta no sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho: http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-244

[25] ROMS 396/2001-000-17-00-1 – Min. Ives Gandra Martins Filho; ROMS 533427/1999 – Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes; ROMS 186/2001-000-17-00.3 – Min. Emmanoel Pereira; ROMS 645012/2000 – Min. Francisco Fausto Paula de Medeiros e ROMS 97004/1993, Ac. 3558/1996 – Min. José Luiz Vasconcellos. A relação completa dos precedentes está disponível para consulta no sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho: http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-418

[26] STRECK, op. cit., págs. 54-55.

[27] Idem. p. 55.

[28] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2ª Ed. reform. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 216.

[29] Idem. págs. 215-216.

[30] Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

 

 

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