Discurso de ódio e o massacre das minorias: o que Orlando nos disse sobre o Brasil

14/06/2016

Por Eduardo Rodrigues dos Santos – 14/06/2016

O ataque de Omar Mateen a uma boate gay, em Orlando, nesse final de semana, foi apenas mais um caso de intolerância e preconceito que ganhou os noticiários internacionais. A verdade é que diariamente um incontável número de pessoas é vítima do ódio disseminado contra as minorias, submetidas e subjugadas por um discurso de superioridade/inferioridade, por um discurso de bons/maus, certos/errados, santos/pecadores, por um discurso que dissemina o ódio e prega o combate aos desviados, inferiores, indecentes, pecadores etc.

O discurso de ódio tem marcado a história da humanidade. Não é uma novidade dos tempos modernos, nem mesmo da contemporaneidade. Os cristãos mesmo foram vítimas desse discurso após a morte de Jesus Cristo. Foram vítimas os evangélicos quando da reforma protestante. Foram vítimas os Judeus durante o regime nazista. Essa parece ser uma das marcas mais abomináveis da história da humanidade. Mas, o que há de (mais) comum nos mais variados discursos de ódio propagados ao longo de nossa história?

Bem, ao que nos parece, o discurso de ódio é direcionado à manutenção do poder/superioridade/privilégios/costumes das maiorias (políticas) sobre as minorias (políticas). Está direcionado a subjugar e inferiorizar aqueles que não pertencem ao grupo majoritário, pregando um combate àqueles que não se amoldam ao padrão da maioria, um combate às minorias, por vê-las como inferiores.

Foi exatamente isso que se via no discurso Hebreu e, posteriormente, Romano contra os cristãos nos anos que sucederam a morte de Jesus Cristo. Foi assim, também, no discurso da Igreja Católica contra os protestantes. Do mesmo modo foi o discurso nazista contra os Judeus e que culminou no holocausto. E, assim por diante.

Hoje não é diferente, os discursos de ódio são propagados contra as minorias e elas, consequentemente, são massacradas pelas maiorias. Muitas das vezes esse massacre é silencioso, cotidiano e não ganha as manchetes dos jornais. Mas, vez ou outra, quando ocorre um atentado de maior proporção, o tema volta à tona.

Ocorre que essa é uma realidade da sociedade mundial, é uma realidade dos Estados Unidos da América do Norte, da Europa, da África, da Ásia, do Oriente Médio, do Mundo Árabe, de Israel, do Brasil, de todo lugar. É uma realidade que subjuga as minorias (políticas) de um certo lugar. Assim, se cristãos disseminam o ódio contra os homossexuais e os mulçumanos na América, contra eles é disseminado o ódio no Oriente Médio, sempre na crença de que o grupo minoritário é inferior/errado/pecador/mau. Obviamente, em alguns lugares o discurso de ódio é menos intenso e severo que em outros.

Bem, seja por motivos religiosos, políticos, econômicos, culturais, morais, de sexo, de sexualidade, de raça etc., as maiorias derramam todo seu ódio contra as minorias e isso conduz ao inevitável “combate”. E, em combate, os soldados (combatentes) matam! E o que era só discurso de ódio se transforma em atos de ódio e de terror.

Se nos atentarmos ao caso dos gays, por exemplo, vamos perceber que no Brasil há um movimento forte, especialmente encabeçado por militares e líderes cristãos (católicos e evangélicos) que prega um “combate à homossexualidade”, um combate aos pecadores, aos doentes, aos anormais, aos “frescos”. Dizem que padecem de “gayzite”/“gayzismo”, que isso é algo do mal, do capeta, dos esquerdopatas, que é falta de coro, de moral, de vergonha na cara. Os mais fundamentalistas dizem que dá nojo ver um homem com outro homem, que isso é repugnante, e que deveriam matar todos, que são doentes que transmitem HIV. Já os mais moderados dizem que “se quiserem fazer isso em suas casas tudo bem, mas não na frente das pessoas”, como se os gays também não fossem pessoas.

Esse discurso, por óbvio, não é uma exclusividade dos gays. Infelizmente ele é propagado contra mulheres, negros, pobres, haitianos, cubanos, mulçumanos, espíritas, umbandistas etc., guardadas as devidas proporções e especificidades. Isto é, na verdade o discurso de ódio é repetido pelas maiorias (políticas) contra as minorias (políticas) gerando um ciclo vicioso de ódio, que se inicia no discurso e termina com atos de violência, terror e morte.

Talvez o que mais tenha impressionado, para além do próprio ataque à boate em Orlando, tenham sido os comentários às reportagens que noticiaram o ocorrido no Brasil e que tomaram as redes sociais. O ódio contra os homossexuais é chocante: pessoas desejando e comemorando sua morte, chamando-os de portadores de HIV, de aberrações, dizendo que essa é a vontade de deus etc.

Inevitavelmente esse discurso de ódio, diariamente, é transformado em atos de ódio, que, na maioria das vezes, não ganha a publicidade dos jornais. Mas, ainda assim, podemos lembrar do rapaz agredido na Avenida Paulista com uma “lampadada” na cara por ser gay. Podemos lembrar do índio queimado vivo no ponto de ônibus em Brasília. Podemos lembrar do pastor da Igreja Universal que quebrou uma santa ao vivo em seu púlpito, das invasões a terreiros de umbanda etc.

São infinitos os casos em terrae brasilis, são infinitos os casos ao redor do mundo. O discurso de ódio está massacrando as minorias. Não está “apenas” as inferiorizando e restringindo seus direitos, ele as está violentando, torturando e matando.

Por fim, inspirando-nos em Dworkin, precisamos levar os direitos humanos à sério. Já passou da hora de falarmos, discutirmos e educarmos com e para os direitos humanos, precisamos educar nossas crianças ensinando-as desde o princípio que ser diferente é normal, é bom, é bonito, é digno. Ou teremos mais gerações que comemorarão a violência e a morte dos grupos minoritários, de seus diferentes.


Eduardo Rodrigues dos Santos. Eduardo Rodrigues dos Santos é Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pós-graduado em Direito Constitucional. Professor de Direito Constitucional. Autor de obras e artigos na área do Direito Constitucional. Membro do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais (LAEC). Advogado. .


Imagem Ilustrativa do Post: 09.WhatSay.Self.SW.WDC.28nov05 // Foto de: Elvert Barnes // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/perspective/68225196

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura