Depois dos quatro Ministros votarem, sendo apenas o relator, Marco Aurélio Mello, contrário à prisão em segunda instância, ela era a grande incógnita nas previsões relativas às ADCs 43, 44 e 54.
A ministra Rosa Weber, entretanto, votou contra a tese da prisão antecipada. No voto, que durou mais de duas horas, a Ministra afirmou que a Constituição de 1988 assegura mais do que uma presunção de inocência meramente principiológica. Para a julgadora: "O princípio da presunção da inocência, nessa versão moderna, tem um significado diverso do mero adágio in dubio pro reo, traduzindo, a formulação, a ideia de que a responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável, o que impõe, com acerto, um pesado ônus probatório à acusação".
Rosa Weber reconheceu que: "A sociedade reclama, e com razão, que o processo penal ofereça uma resposta célere e efetiva”. Por outro lado, afirmou que: “Tal exigência, no entanto, não pode ser atendida ao custo da supressão das garantias fundamentais asseguradas no Texto Magno, garantias estas lá encartadas para proteger do arbítrio e do abuso os membros dessa mesma sociedade."
Com o voto da Ministra, é possível trabalhar com a expectativa de derrubada da atual posição do STF, no sentido de ser possível a prisão, sem a fundamentação em qualquer pressuposto de cautelaridade, pelo simples fato do julgamento pela segunda instância.
Como o jogo só acaba quando termina, ainda paira sobre o julgamento o temor de que os Ministros façam uma modulação na decisão, ou seja, o Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, poderá encabeçar uma proposta no sentido da tese intermediária de prisão depois do julgamento pelo STJ e há um fundado receio de que essa decisão “salomônica” seja vencedora.
Fica a esperança de que o Presidente forme maioria e vote pela presunção de inocência prevista na Constituição, sem ressalvas.
No momento em que todo o País discute o assunto, importante fazer a pergunta: o que você (realmente) sabe sobre o julgamento das ADCs. 43, 44 e 54?
Sobre o tema, em rápidas considerações, quero chamar a atenção para um primeiro aspecto fundamental: a prisão dos pobres.
Ao contrário do que afirmam os defensores da antecipação do cumprimento da pena, não são os ricos os principais atingidos por essa discussão. Os levantamentos feitos pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, como vem demonstrando Pedro Carrielo , apontam para a grande massa de pessoas atendidas pelas Defensorias em todo o País. Está evidente que a execução antecipada da pena acarreta o agravamento de um sistema penal injusto, que visa atacar e punir de forma mais gravosa quem comete crimes de menor potencial ofensivo. Uma grande parte das decisões condenatórias acaba sendo alterada pelos tribunais superiores (algo em torno de 41% dos recursos interpostos pelas defensorias para o STJ).
Os pobres, portanto, são os maiores prejudicados pela prisão em segunda instância e os números apresentados pela Defensoria mostram isso.
Ademais, o argumento de que a mudança de orientação do STF poderia prejudicar a Operação Lava-jato é ridículo, pueril e inaceitável. Primeiramente, não é possível admitir que a antecipação da pena seja tomada como regra, em afronta à Constituição, para que pessoas (ricas ou pobres, não importa), sejam mantidas presas, antes do último julgamento possível. Em segundo lugar, os atingidos pela tal Operação representam uma gota no oceano de pessoas prejudicadas pela interpretação inconstitucional atualmente em vigor.
Por outro lado, a decisão sobre prender na segunda instância, não pode ser um debate específico sobre o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Inacreditavelmente, alguns movimentos reacionários de direita estão convocando manifestações populares contra a possibilidade de aplicação da Constituição, como se esse tema fosse uma questão de lado, de partido, de escolha político-partidária. A única forma de entender esse tipo de fenômeno é o chamado Comportamento de Manada proposto por Nietzsche.
O julgamento de uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC), não depende de plebiscito ou da verificação do entendimento da maioria. Nem mesmo a unanimidade, caso fosse possível, poderia determinar o resultado da ação. A aplicação do direito é para os juristas. Além disso, é de vidas humanas que estamos falando. Não há como restituir a liberdade injustamente tirada das pessoas.
Ainda, sobre o argumento do Ministro Luís Roberto Barroso, de que haveria um excesso de recursos defensivos no sistema processual brasileiro, um rápido levantamento sobre os “tempos mortos” dos processos em cartórios judiciais e nas secretarias dos Tribunais prova que a falta de gestão pelo Poder Judiciário é muito mais relevante, como causa da demora, do que qualquer outro fator.
Afinal, o que está em julgamento nas ADCs. 43, 44 e 54?
O art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal prevê que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O art. 283 do CPP, que é objeto do pedido declaratório de constitucionalidade, na mesma linha da Carta, prevê que: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Portanto, o STF foi instado a dizer nas ADCs o óbvio, ou seja, que prender alguém antes do trânsito em julgado significa afrontar o texto da Carta Política de 1988. Cabe aos dignos Ministros e Ministras, portanto, declarar a constitucionalidade do art. 283 do CPP. Ponto final.
Para encerrar, um pedido. Se você não tem formação jurídica e/ou não está informado sobre o real alcance da decisão, seus reflexos e suas consequências, por favor, não seja mais uma a sair às ruas para gritar contra a Constituição que marca a retomada da democracia num País antes sufocado por uma Ditadura Militar covarde, assassina, terrível. Não seja mais um na manada.
Não é demais lembrar Ulysses Guimarães, quando, na promulgação da Constituição Federal de 1988, disse: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina”.
Aos detratores da Constituição Federal o ódio e o nojo.
Mais não digo.
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