Direitos Humanos como ideologia do fim

26/08/2015

Por Marcelo Pertille - 26/08/2015

Os direitos humanos só têm paradoxos a oferecer! É com essa afirmação que Costas Douzinas abre O Fim dos Direitos Humanos, onde, a partir de uma análise crítica acerca da teoria dos direitos, propõe uma discussão sobre a forma pela qual os Direitos Humanos são tratados na contemporaneidade. O título, num primeiro olhar apocalíptico, sugere desde a capa o contexto paradoxal dos direitos humanos, quando permite que o leitor sinta-se instigado a descobrir o motivo de seu fim ou a qual finalidade se destinam.

A obra inicia com uma abordagem sobre o Direito Natural (tido como pai dos Direitos Humanos), estabelecendo que os direitos naturais eram vistos como necessários para manter a ordem, sintetizada na possibilidade que cada ser devia ter de cumprir seu papel. Se cada ser tem uma missão na natureza, são, portanto, naturalmente diferentes e devem ser tratados nessa medida. Esse Direito Natural, tido como clássico, passou a ganhar críticos quando os indivíduos pretenderam discutir as desigualdades perpetuadas pelos governos, enfatizando que os direitos deveriam nascer com os homens e não ser a eles atribuídos conforme suas funções. É nesse cenário que o Direito Natural moderno ficou caracterizado pelo liberalismo, pois o homem passou a ser a razão do Estado, este idealizado para garantir a efetivação de seus direitos desde seu nascimento. No novo Direito Natural os direitos nasciam com o homem e não serviam mais ao ideal de ordem da natureza.

As declarações de direitos do século XVIII (EUA e França) foram, então, fruto dessa perspectiva liberal e disseminaram, a partir de um homem abstrato, com vocação universal, direitos basicamente atrelados a propriedade (Locke), e marcaram a era moderna. Dali em diante os direitos do homem, que pareciam a “salvação” contra as diferenças, também produziram desigualdades, eis que aqueles que nasciam iguais passaram a ser excluídos dessa lógica quando por meio do trabalho não conseguiam ratificar sua condição. Hegel e Marx surgem como críticos, tendo este defendido que a verdadeira revolução devia ser social, não baseada nos direitos individuais burgueses.

O fato é que com o fim da segunda guerra mundial o mundo ocidental, atordoado com as barbáries do holocausto, produziu uma nova declaração de direitos (1948), no estilo daquela antes feita na França, universalizando os direitos agora chamados de humanos. Douzinas estabelece sua crítica no fato de que a humanidade protegida pelas declarações não tem como alcançar um caráter global (Burke) a medida que o homem que idealiza não existe, pois é “muito abstrato para ser possível ou muito concreto para ser universal”.

Após a guerra fria, e com a decadência dos modelos comunistas, enfatizou-se no mundo a cultura liberal e os direitos humanos passaram a ser o cartão de visitas dos países com hegemonia econômica, utilizados como missão civilizatória, fazendo cumprir leis e tratados sem considerar as tradições e culturas locais. Os direitos humanos passaram a idealizar o homem e a definir sua humanidade jurídica levando em conta apenas a teoria padrão dos direitos, fazendo com que toda a crítica à administração da justiça estabelecida sob o modelo liberal capitalista vencedor passasse a ser tida como desarrazoada. Por isso Douzinas afirma que apesar dos direitos humanos constituírem o mote de atuação da política contemporânea, apesar de estarem impregnados na cultura pós-moderna, sua natureza tem sido desconsiderada, aquela atrelada à liberdade para resistir, contestar, evitar o policiamento das instituições e garantir o livre-arbítrio do homem.

A obra conclui que os direitos humanos, assim como a missão dos direitos naturais, são a utopia do amanhã e que quando positivados desconsideram particularidades que definem comunidades e realidades, produzindo exclusão e perpetuando desigualdades. Os direitos humanos quando declarados postam-se ao presente, num abstrativismo que impede o futuro das diversas “humanidades” espalhadas pelo planeta, servindo para ratificar soberanias e colaborar com o nacionalismo. Os Direitos Humanos chegaram ao seu fim se tidos como triunfo concretizado destes tempos, mas ainda assim sobreviverão em forma de esperança nos olhos dos homens não alcançados por sua positivação. O Fim dos Direitos Humanos é uma bela homenagem ao humanismo jurídico e comprova com técnica e teoria que os direitos humanos só têm paradoxos a oferecer.

A obra ganhou versão brasileira publicada pela Editora Unisinos em 2009.

o fim dos direitos humanos


Resenha do Livro "O fim dos direitos humanos", de Costas Douzinas. São Leopoldo/RS, Editora Unisinos, 2009, 418p.


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Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.

 


Imagem Ilustrativa do Post: Zeus or Poseidon, National Archaeological Museum, Athens  // Foto de: Jay Bergesen // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jaybergesen/3034774339

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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