O discurso jurídico brasileiro e a produção doutrinária pátria produziram nos últimos anos o equivocado entendimento de que o Direito é autossuficiente. Nesta ideia, a teoria jurídica é capaz de resolver, por si só, todos os dilemas da vida em sociedade.
Entretanto, já advertiu Posner que "boa parte da produção teórica em matéria de direito é vazia de conteúdo"[1]. E que por isso não possui condições de dirimir os conflitos de interesse.
Manuel Atienza, Professor da Universidade de Alicante, na Espanha, proferiu várias conferências no Brasil em 2015. Em entrevista, fez a seguinte crítica sobre a produção jurídica e sobre os doutrinadores brasileiros:
"Posso estar equivocado, mas creio que esses pesquisadores (que compartilham as mesmas preocupações) muitas vezes não se conhecem entre si, ou se conhecem muito pouco. Os trabalhos que escrevem parecem estar, com frequência, orientados mais a um auditório de alemães ou de norte-americanos do que a juristas brasileiros. Há uma tendência a assumir posições excessivamente abstratas que não me parecem adequadas adequadas para dar resposta aos problemas que realmente importam."[2]
É exatamente esta percepção que se tem em relação ao direito à saúde. Ou seja, o isolacionismo da teoria jurídica (e dos doutrinadores) seria capaz de resolver todas as demandas causadoras da judicialização da saúde.
Isso se observa, em regra, pelas decisões judiciais dos tribunais pátrios, inclusive das Cortes Superiores. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, baseia suas decisões sobre o direito à saúde apenas com base na teoria dos direitos fundamentais. Decisões proferidas, geralmente, com base em silogismos (esquecendo-se de que os conflitos sobre direito à saúde são policêntricos e se assentam em vários fatores - jurídicos e extrajurídicos). Observe-se:
“O Supremo Tribunal Federal entende que, na colisão entre o direito à vida e à saúde e interesses secundários do Estado, o juízo de ponderação impõe que a solução do conflito seja no sentido da preservação do direito à vida.”[3]
É muito difícil encontrar-se uma decisão judicial que também avalia a Medicina Baseada em Evidências - MBE e que não prescinda de prova da eficácia, da efetividade, da eficiência e da segurança do produto, da tecnologia ou do medicamento postulado na via judicial.
Este artigo, portanto, propõe a seguinte tese: não é possível resolver uma questão sobre direito à saúde com a abordagem isolada da teoria dos direitos fundamentais. É indispensável, por conseguinte, a construção de uma dogmática jurídica assentada na perspectiva do Direito Baseado em Evidências - DBE.
O Direito Baseado em Evidências - DBE tem como base não apenas a teoria dos direitos fundamentais, mas também a Medicina Baseada em Evidências - MBE[4]. A MBE é técnica específica para atestar com o maior grau de certeza a eficiência, efetividades e segurança de produtos, tratamentos, medicamentos e exames que foram objeto de diversos estudos científicos, de modo que os verdadeiros progressos das pesquisas médicas sejam transpostos para a prática[5].
Vale dizer, é preciso superar a arrogância jurídica, segundo a qual o Direito, por si só, contém elementos suficientes para resolver todos os problemas levados ao Judiciário.
E o direito não é autossuficiente porque é baseado em evidências!
Notas e Referências:
[1] POSNER, Richard A. Fronteiras de teoria do direito. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011, p. VIII. Tradução Evandro Ferreira e Silva, Jefferson Camargo, Paulo Salles e Pedro Sette-Câmara.
[2] ATIENZA, Manuel. Entrevista ao Consultor Jurídico. 05/09/2015. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-set-05/entrevista-manuel-atienza-professor-universidade-alicante
[3] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARE 801676 AgR/PE, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, julgado em 19/08/2014.
[4] SCHULZE, Clenio Jair. Medicina Baseada em Evidências. Revista Empório do Direito, Florianópolis, 23/11/2015. Disponível em http://emporiododireito.com.br/medicina-baseada-em-evidencias-por-clenio-jair-schulze/ Acesso em: 20 mar. 2016.
[5] NETO, João Pedro Gebran e SCHULZE, Clenio Jair. Direito à Saúde. Análise à luz da judicialização. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015.
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