Leia também a Parte I.
No último texto da coluna[1], apresentou-se a necessidade de construção do direito administrativo sanitáriocomo instrumento para mudança da postura do Estado no trato da saúde pública.
Além dos argumentos lá apresentados, a criação do direito administrativo sanitário ainda se justifica pelos seguintes fundamentos:
=> o direito administrativo sanitário deve estabelecer um rol de prioridades no cumprimento do direito fundamental à saúde. É papel do Estado, neste aspecto, optar por escolhas. E que esta escolha seja a mais adequada ao cidadão, à luz do cumprimento de política de saúde contemplada constitucionalmente e na legislação infraconstitucional. Cabe ao direito administrativo sanitário, portanto, conferir maior eficiência aos gastos públicos de saúde, tendo em vista a inexorável limitação orçamentária. Os resultados da atuação estatal também precisam ser maximizados.
=> cabe ao direito administrativo sanitário ampliar a criação de redes – envolvendo União, Estados e Municípios – que possam dialogar com os juízes do Brasil a fim de facilitar o julgamento de processos sobre direito à saúde. A criação de núcleos de apoio técnico formados por médicos e agentes de saúde pode auxiliar os magistrados com a apresentação de pareceres médicos e de outras informações sobre a questão deduzida em Juízo. Neste caso, o órgão auxiliar pode analisar e informar ao juiz sobre (a) a existência de evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento (b) fazer a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível (observar a relação custo-benefício) e; (c) observar se o pedido judicial está em conformidade com as Recomendações 31 e 36 do Conselho Nacional de Justiça.
=> na judicialização da saúde, especialmente de tecnologias – medicamentos, produtos, próteses, órteses, etc – cabe ao direito administrativo sanitário controlar e acompanhar o sujeito ativo do processo judicial e, na hipótese de procedência do pedido, fiscalizar o cumprimento dos parâmetros para cumprimento da decisão, a fim de verificar a evolução do quadro clínico e permitir a regular e periódica consulta para análise do real estado de saúde do sujeito autor do processo, a fim de constatar, no transcurso de certo espaço de tempo, se ainda persistem os sintomas que ensejam o uso da medicação ou tecnologia cuja entrega foi determinada judicialmente.
=> cabe ao direito administrativo sanitário o fomento à teoria dos diálogos institucionais (ou teoria dos diálogos constitucionais), exigindo uma nova postura dos integrantes dos Poderes do Estado. Vale dizer, os agentes públicos responsáveis pela concretização do direito à saúde precisam exercer suas funções, sempre que possível, mantendo diálogos constitucionais – institucionais. Se todos os agentes públicos devem obediência ao texto da Constituição, é indispensável que as relações estatais se estabeleçam a partir da interpretação das normas constitucionais empreendida coletiva e harmonicamente entre os Poderes. Ou seja, a teoria dos diálogos institucionais existe para permitir a aproximação entre os atores do sistema de saúde (médicos, gestores de saúde) e os atores do sistema de Justiça (magistrados, membros de Ministério Público, advogado), com o fim de contribuir para a melhoria da prestação jurisdicional e também do funcionamento da saúde pública.
=> cabe ao direito administrativo sanitário a adoção ampla e irrestrita do conceito de sustentabilidade. A noção de sustentabilidade enseja a escolha de uma política menos impactante orçamentária e politicamente nas relações fáticas e jurídicas. Conforme orienta Freitas, a sustentabilidade é multidimensional e deve contemplar cinco vertentes, a saber: (a) jurídico-política – que engloba um grupo de deveres, tal como educação, saúde, processo, informação, moradia, ambiente limpo, entre outros, e que exige a adaptação do regime administrativo, especialmente na contratação de agentes e de obras públicas e na prática de atos administrativos; (b) social – vincula todos os seres, como a proteção do trabalhador, evitando a mão de obra escrava; (c) econômica – preconiza escolha de políticas econômicas sustentáveis, combate ao desperdício, controle rigoroso de licitações e de obras públicas; (d) ambiental – dignidade do ambiente, responsabilidade ambiental, redução da poluição, preservação das espécies; (e) ética – aplicada na perspectiva intersubjetiva, de materializar o compromisso das atuais gerações sem prejudicar as futuras gerações. Fomentar o bem-estar íntimo e social[2]. É inegável que a administração possui discricionariedade para a escolha na alocação de recursos, mas tal liberdade não é absoluta, diante da necessidade de observância aos direitos fundamentais e aos princípios encapsulados no texto da Constituição. Pelo mesmo fundamento, o Legislativo não possui irrestrita liberdade de conformação, ante a necessidade de obediência às diretrizes constitucionais. A sustentabilidade exige um rigoroso controle no gasto público. Há casos graves de malversação de verbas públicas na área da saúde, tal qual o pagamento de mais de meio milhão de reais para a apresentação de uma cantora de axé music na inauguração de um hospital[3].
A atuação sustentável exige do Executivo o esclarecimento e a publicação dos procedimentos de compra, inclusive com a demonstração de abusos e excessos praticados pelos laboratórios. O Estado não pode ficar refém dos fabricantes de fármacos.
=> cabe ao direito administrativo sanitário fomentar a realização de audiências públicas para permitir a participação do cidadão na escolha das opções existentes em matéria de saúde pública, legitimando o modelo democrático instaurado pelo Constituição vigente. Se há limitação financeira, a alocação de recursos não pode ficar circunscrita à administração, cabendo ao cidadão, ainda que de forma reduzida, opinar sobre parte do orçamento da saúde.
=> cabe ao direito administrativo sanitário, à luz da atuação sustentável do Estado administrador e do Estado legislador, avançar na efetiva repartição de competências e na redefinição do modelo federativo sanitário brasileiro. Com efeito, é preciso uma efetiva e concreta descentralização das atuações do sistema de saúde pública com ênfase nas unidades federativas mais próximas do cidadão. Os Municípios são depositários de inúmeras obrigações de saúde previstas na Lei 8080/90, mas não possuem a necessária contrapartida orçamentária.
A centralização dos recursos na União é prejudicial ao progresso das políticas públicas de saúde. A transferência de recursos do ente federativo central sempre passa pela infeliz e lamentável drenagem irregular que produz violações à atuação proba e ética exigida dos agentes públicos. É, em outras palavras, exemplo de facilitação da prática de crimes contra a administração pública em detrimento da sociedade e, principalmente, dos cidadãos que aguardam a atuação estatal eficiente na condução da política de saúde pública. O problema existe e precisa ser combatido em prol dos princípios da moralidade e eficiência que norteiam a atuação estatal.
São alguns dos argumentos que permitem a criação de uma nova perspectiva na administração pública, norteada pelo direito administrativo sanitário.
Notas e Referências:
[1] SCHULZE, Clenio Jair. Direito administrativo sanitário. Revista Empório do Direito, Florianópolis, 11/01/2016. Disponível em http://emporiododireito.com.br/direito-administrativo-sanitario/ Acesso em: 15 jan. 2016.
[2] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
[3] Jornal Estado de São Paulo. São Paulo. 24/01/2013. A reportagem foi apresentada com o seguinte título: Ceará paga R$650 mil para Ivete Sangalo inaugurar hospital.
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