DIREITO À MORADIA: UMA QUESTÃO DE DIGNIDADE E RESPEITO PELO SER HUMANO    

30/06/2020

O direito à moradia digna é um direito de Segunda Geração, ou seja, aqueles direitos relacionados ao Estado de Bem-Estar Social, onde o Estado deve (ou deveria), garantir direitos fundamentais a todos os seus cidadãos, valendo-se dos seus atos administrativos discricionários para estabelecer políticas públicas, como política de Estado e não de Governo, de modo a garantir acesso à saúde, trabalho, educação e à moradia, sendo esta o pilar para que o ser humano se desenvolva.

Uma pessoa em situação de rua jamais irá se desenvolver e estará condenada a viver os horrores de todas as privações inerentes ao ser humano até que a sorte a encontre.

Dada a sua importância em âmbito mundial é que o direito à moradia se tornou um direito social, ou seja, um direito humano universal, recepcionado no ordenamento jurídico de todas as nações do mundo.

Foi em 1948, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos que, a mesma passou a ser difundida internacionalmente, conforme previsto em seu art. 25, parágrafo 1º:

Art. 25, § 1º, DUDH/48: "Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”.

Não obstante o direito da pessoa à moradia, esta tem direito à moradia adequada de modo que a mesma possa perceber um padrão de vida condigno com a de um ser humano. Entende-se por “moradia adequada” toda aquela que tenha uma ocupação estável, onde seu ocupante não tenha receio de ser retirado do mesmo por ordem judicial, por ameaça de terceiros ou por ações da natureza, como por exemplo, deslizamentos de terra, inundações, etc. Deve ainda ser servida por serviços básicos prestados pelo Estado, tais como: sistema de água e esgoto, energia elétrica, iluminação pública, telefonia, coleta de lixo, postos de saúde e escolas públicas, além de sistema de transporte público.

De modo a garantir que os governantes aumentem seus esforços no sentido de adotarem políticas públicas que garantam o direito à moradia aos seus cidadãos é que, 05/03/2020, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), lançou um programa formal estabelecendo novas diretrizes para a implementação do direito à moradia adequada.

Ao todo são 16 diretrizes, as quais estabelecem padrões internacionais para que os Estados possam estabelecer politicas públicas de direitos humanos referentes à moradia.

Dentre as principais diretrizes se encontram: ter no direito à moradia um direito fundamental o qual está diretamente relacionado ao direito à vida e a dignidade; proibição de despejos forçados e impedir que as autoridades realizem despejos, sempre que possível; garantir o acesso à justiça para todos aqueles temas relacionados à moradia; garantia de envolvimento das pessoas nos assuntos relacionados à moradia; erradicação do problema do déficit de morarias e com pessoas vivendo em situação de rua; exigir dos gestores públicos que melhorem os assentamentos humanos informais, os quais foram ocupados de forma irregular e, adoção de políticas públicas que garantam a todos o direito fundamental à moradia.

No Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos XXII e XXIII, assegura o direito à moradia através do direito à propriedade:

Art. 5º, CRFB/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII – é assegurado o direito de propriedade;

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

Quando estamos falando de direito à moradia, entramos numa seara tão importante a qual envolve diferentes ramos do Direito, tais como: Direito Constitucional, Direitos Humanos, Direito Civil, sendo que estes acabam por ter uma relação multidisciplinar com outras ciências, como por exemplo: Serviço Social, Psicologia, Saúde Pública e Criminologia, somente para citar as mais evidentes.

Perante a realidade brasileira, segundo a Constituição Federal, temos na moradia um Direito e Garantia Fundamental, previsto no art. 6º:

Art. 6º, CRFB/88: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Assim sendo, como um direito social fundamental de todo brasileiro, é que o Governo Federal, desde 1964, com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e, a partir de 1986, através da Caixa Econômica Federal, vem financiando a produção de empreendimentos imobiliários para os trabalhadores, sobretudo para aqueles de baixa renda.

Sabemos que independentemente da gestão, ideologia social ou da época dos programas habitacionais federais nunca acompanham a demanda habitacional do Brasil, sendo que, conhecidas as teorias econômicas, as quais nos revelam que se não houver um incremento real da renda do brasileiro, este dificilmente terá condições para adquirir um imóvel, diferente daquele produzido e financiado pelos programas habitacionais governamentais.

Dentre estes programas, o Governo Federal, lança em 2009, através da Caixa Econômica Federal, o Programa Habitacional “Minha Casa, Minha Vida”, onde o governo subsidiaria a aquisição do imóvel para trabalhadores com renda familiar de até R$ 1.800,00.

Segundo informações divulgadas pela Caixa Econômica Federal, até o momento, o programa teria beneficiado cerca de 15 milhões de cidadãos, o que representa pouco mais de 7% da população brasileira, persistindo o déficit habitacional no Brasil.

Em tempo, este programa está permeado de inúmeras críticas fundamentadas em sua concreção, os quais vão desde localização, execução, estrutura, altos índices de inadimplência e até mesmo invasão das moradias por milicianos, os quais estariam invadindo estes imóveis e expulsando seus moradores.

Assim sendo, a garantia constitucional à moradia, não reside em uma solução política, mas sim em uma solução econômica, qual seja a do aumento da renda do trabalhador, em que pese o déficit habitacional brasileiro ser de 7,7 milhões de residências em 2019, segundo a Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios (PNAD)[i].

Dentre os fatores que contribuem para este resultado negativo estão: ônus excessivo com aluguel, baixa renda familiar, habitação precária, coabitação familiar e falta de capacidade do poder público em acompanhar o crescimento populacional no sentido de superar o déficit habitacional.

Em que pese o Brasil ter programas habitacionais há décadas, possuir um banco público para fomento de construção de moradias para trabalhadores de baixa renda, ter incrementado suas políticas públicas relacionadas à moradia, possuir um Estatuto da Cidade[ii] e talvez um dos poucos países no mundo a ter um Ministério da Cidadania, ainda assim, tem recebido diversas críticas de organismos internacionais, como a ONU, por não conseguir resolver seu déficit habitacional e, sobretudo, erradicar o problema desumano de pessoas em situação de rua.

A menos que as ações governamentais passem a contemplar uma solução econômica e uma política habitacional de Estado que não seja paliativa, dado o crescimento vegetativo da população brasileira, a tendência é deste problema se agravar ainda mais nos próximos anos.

 

Notas e Referências

[i] Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2019-08-31/deficit-habitacional-atinge-maior-marca-em-10-anos-solucao-pode-vir-da-academia.html. Acesso em 04 jun 2020.

[ii] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em 04 jun 2020.

Disponível em https://www.gov.br/cidadania/pt-br. Acesso em 04 jun 2020.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura