Direita, esquerda, atavismo autoritário – Por Léo Rosa de Andrade

28/12/2016

Há quem queira que o passado retorne para salvar o Brasil. São saudosos da Ditadura Militar de 1964. Defendem ordem e costumes sociais retrógrados. Apelam a princípios cristãos para curar o mundo degradado. Seus adversários são “comunistas”.

Existe quem se arrogue a capacidade de ditar o bem sobre mal. São os que acreditam em desenhar ideias e impô-las à Sociedade por meio de ortopedias políticas. Pretendem conformar os fatos ao que idealizam. Seus adversários são “fascistas”.

Os primeiros são havidos como de direita; os segundos, como de esquerda. Vejo a direita como equivocada na leitura do mundo, na sua direção histórica, nos métodos de intervenção social. São o atravanco do progresso.

A esquerda, são pelo menos duas. Uma lê bem as circunstâncias, tem proposta de direção correta, mas seus métodos são tão autoritários quando os da direita. Ditadura por ditadura, recuso essa esquerda como recuso a direita.

A outra esquerda, a democrática, sabe que não fará a “revolução”, compreende que deve legitimar suas propostas, joga as regras legais do jogo, ainda que se proponha a modificá-las no rumo das liberdades e igualdades pessoais e públicas.

A maior parte da esquerda brasileira, eu a tenho como messiânica, sincrética de algum materialismo histórico e muito salvacionismo religioso. Valho-me do testemunho insuspeito de Frei Betto, ícone da esquerda lulopetista:

As Comunidades Eclesiais de Base: “Elas são a sementeira de todo o movimento social que veio depois. Hoje é difícil encontrar um político de extração popular que não tenha origem nas CEBs” (https://is.gd/yXJKfK).

Ora, essas comunidades eram Teologia da Libertação, uma salada de marxismo mal lido e evangelhismo reinterpretado. Mas, é sabido, materialismo histórico exclui o “ópio do povo” assim como o “ópio dos intelectuais” exclui religião.

Daí, talvez, tenhamos nossos discursos de diferença tão próximos no seu modo de ser excludente. Os debates políticos levados às redes sociais são uma profusão de diferentes “cultos” fundados em certezas e praticados com ódio.

Quero dizer: estamos como se nos matássemos a nós mesmos, numa altercação em que uma direita reacionária, autoritária e corrupta e uma esquerda messiânica, autoritária e corrupta se insultam, proclamando certezas.

Certezas, contudo, sem ideias, sem programas, sem legitimação popular. A direita quer golpe, só. A esquerda fraudou suas promessas de campanha e sofreu vertiginosa perda de apoio da população que foi enganada.

Um dia o filósofo John Locke (Séc XVII) ensinou que a humanidade, filosoficamente, não tem condições de ter certezas. No Ensaio Acerca do Entendimento Humano recomenda humildade e compenetração no entendimento do interlocutor:

“Faríamos bem se nos comiserássemos com nossa ignorância mútua, tentando removê-la de forma justa e gentil por meio da informação; e erramos ao taxar os outros de perversos e obstinados, apenas porque não renunciam a suas próprias opiniões para adotar as nossas; pois é bem provável que sejamos igualmente obstinados quando nos recusamos a aceitar, ao menos, algumas das opiniões alheias. Pois quem de nós detém incontestável evidência sobre a verdade de tudo em que se acredita, ou sobre a falsidade de tudo o que condena; e quem poderá dizer que examinou a fundo todas as suas opiniões e as dos outros? A necessidade de acreditar em alguma coisa mesmo sem ter conhecimento total e às vezes sem o mais tênue fundamento, nesse bruxuleante estado de ação e de cegueira em que nos encontramos, deveria nos tornar mais dispostos a buscar nos informarmos a nós mesmos, em vez de reprimir aos outros.”

François-Marie Arouet, o Voltaire, muito jovem leu Locke e levou suas ideias à França, ajudando a inspirar a Revolução Iluminista. A mim me fica a impressão de que ainda não vencemos o suficiente este estágio civilizatório.

À direita e à esquerda temos coronelismo, patrimonialismo, caciquismo, mandonismo, caudilhismo, salvacionismo, populismo, demagogismo e corrupção. Esse atavismo político autoritário toma o Legislativo, o Executivo, o Judiciário.

Tolerância pública e liberdade individual são bens de interesse coletivo construídos no bojo de árduas lutas libertárias. A vida política democrática supõe persuasão do outro da conveniência da minha ideia. Talvez devamos rever nossa tradição.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Public art works on the streets of Calgary. // Foto de: Bernard Spragg. NZ // Com alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/volvob12b/8068607723

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura