Diogo de Figueiredo Moreira Neto – Mestre de Dois Mundos – Por Weber Luiz de Oliveira

09/07/2017

“Assim é que o antigo conceito de ação pública – por tradição, burocrático, monolítico, centralizado e conduzido pela fé cega no exercício da imperatividade – tende a ceder ante a nova concepção de gestão pública – criativa, flexível, descentralizada e negociada, orientada pela consensualidade, pela visibilidade e pelo controle dos resultados.

Com ela, o diálogo político e o diálogo administrativo se expandem, se imbricam, se democratizam e se processualizam, para ganhar segurança, precisão e visibilidade, de modo a transformar, aos poucos, uma decisão imposta em uma decisão composta, e, assim, o governo – que era a única solução institucional imperativa de direção política das sociedades, com seu método exclusivista de decisão política próprio das sociedades fechadas -, cada vez mais se torna governança – como alternativa de solução dialogada e negociada: o método optativo de decisão política para as sociedades abertas[1].

“... missão própria do Direito Administrativo [é] sempre avançar na proscrição do arbítrio do poder, pelo aperfeiçoamento constante dos instrumentos que conduzam à efetiva sujeição do agir da Administração Pública a valores jurídicos claramente definidos”[2].

Desperdício, corrupção e inépcia: eis, entre outras, três reconhecidas causas da ineficiência do setor público; mazelas da Administração para as quais os controles políticos tradicionais da democracia representativa parlamentar se mostram cada vez mais insuficientes, propondo, nesta linha, o grande desafio de início de século ao Direito Administrativo, para o desenvolvimento de novas soluções de controle juspolítico que superem o embaraçoso impasse”[3].

“O Estado que substituir paulatinamente a imperatividade pela consensualidade na condução da sociedade será, indubitavelmente, o que garantirá a plena eficácia de sua governança pública e, como consequência, da governança privada de todos os seus setores”[4].

Acima excertos de uma das obras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, falecido aos 84 anos no primeiro dia desse mês de julho de 2017, que demonstram, em pequena medida, a proficiência do autor.

A coluna de hoje, portanto, não traz tema para debate, mas sim homenageia o “influente administrativista”[5], com alguns trechos de seu pensamento para reflexão da advocacia pública e sobre o direito público, temas esses tão bem cuidados e contextualizados por Diogo de Figueiredo Moreira Neto.

A Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, órgão pelo qual Diogo de Figueiredo Moreira Neto atuou como Procurador do Estado, sintetizou a sua trajetória, descrevendo como sendo “um dos maiores juristas brasileiros, com renome internacional na área de Direito Administrativo e mais de 100 obras individuais e coletivas publicadas”.

Referiu ainda a PGE-RJ:

“Foi Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro entre os anos 1971 e 1972, e Presidente da Associação Nacional dos Procuradores de Estado (Anape) no biênio 1993/1995, tendo liderado importantes projetos de estruturação jurídica do Estado do Rio de Janeiro em prol da Advocacia Pública, e trabalhou no projeto de privatização e expansão do Metrô do Rio.

Também no Brasil, foi Professor Doutor e Livre Docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e na Universidade Candido Mendes, Presidente de Honra do Instituto de Direito Administrativo do Rio de Janeiro – IDAERJ e Presidente de Honra Instituo Atlântico (sic).

No exterior, foi embaixador do Brasil junto a OEA, em Washington DC por oito anos, e Professor Conferencista na Georgetown University (Washington DC) e Universidad Computlense (Madris, Espanha), dentre outras.

Após sua aposentadora na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, dedicou-se às causas da Advocacia Pública e à atividade de consultor jurídico, junto ao escritório Jurena & Associados”[6].

Não posso deixar de mencionar que tive a imensa oportunidade de conhecer Diogo de Figueiredo Moreira Neto a propósito da apresentação de tese no XLI Congresso de Procuradores do Estado e do Distrito Federal ocorrido em Brasília, em outubro de 2015. A tese apresentada era sobre ser o cargo de Procurador-Geral do Estado de exercício constitucionalmente obrigatório por membro da carreira.

Na ocasião, para fundamentar um dos pontos apresentados, fiz alusão a entendimento de Diogo de Figueiredo, quando, para minha surpresa, referiu o presidente da mesa que ele estava presente na plateia, assistindo ao fundo, discretamente, a apresentação.

Decerto que aquele momento singular veio à mente na escrita dessa homenagem, ainda mais quando, ao final do debate, tive a grata satisfação de refletir sobre o tema abordado com tão erudito autor.

Tal fato denota a grandeza e simplicidade de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, como um dos gigantes que nos levam aos ombros. Grandeza que a serenidade da experiência e da sabedoria possuía.

A admiração ora destacada não apenas de refere em razão da vasta obra já aludida, mas da percepção – que poucos têm – sobre a realidade e seu entrelaçamento com as instituições, a sociedade e o Direito. Colhe-se de outra obra, a respeito da crise e superação das relações entre o poder e a democracia, notadamente sobre as participações populares ocorridas nas ruas do Brasil nos últimos anos:

“Essa possibilidade de uma franca atuação da cidadania, sem intermediação de representantes políticos, possibilitada pelas imensas capacidades comunicativas e agregadoras das redes sociais, deve ser considerada como uma nova espécie de revolução, que prescinde das armas para se manifestar, embora nem sempre seja pacífica, mas por conta de costumeiros desordeiros e marginais infiltrados.

Portanto, uma revolução expressa por protestos, que, ocupando desde as vias eletrônicas às vias urbanas, se vale de formidáveis demonstrações públicas, que se originam, de descontentamentos agudos, tais como a ausência ou deficiência de políticas públicas, a descrença em seus representantes eleitos e a obsolescência ou inadequação das instituições políticas vigentes.

Ora, não se podendo, nem ignorar nem sufocar essa configuração de poder, a brotar espontaneamente da evolução juspolítica de povos, notadamente dos que se sentem mal atendidos e mal representados, toca, agora, aos cientistas sociais, notadamente aos juristas – como especialistas da ordem e da paz social – essa tarefa de conhecê-las, analisa-las e compreendê-las, para que ofereçam as suas sugestões, propostas e recomendações.

De todos, é justo que se esperem urgentes respostas, de modo a que se canalize ordeira e utilmente, essas legítimas e diferenciadas expressões espontâneas de poder do povo, de modo a superar as carências institucionais mais evidentes, aninhadas nas próprias causas dos cenários de crises, como, destacadamente, as que se referem à clássica tripartição de poderes, à representação política, aos partidos políticos e à democracia formal, como a seguir se examina.

Como se depreende – agora, quanto aos aspectos jurídicos – são temas típicos de Direito Público, mas, como a ênfase dos protestos se referem principalmente às atividades prestacionais do Estado – relativas, que são, de modo, recorrente, à segurança, à educação, à saúde e ao transporte – estão em jogo as suas funções administrativas de polícia, de serviços públicos e até de fomento público, a serem examinadas sob a perspectivas da transição em curso do Direito Administrativo moderno e pós-moderno”[7].

Assim é que, nessa singela homenagem póstuma, faço minhas as palavras do próprio Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em apresentação que fez de livro de Eduardo García de Enterría[8], para dizer que foi um “Mestre de Dois Mundos – do justo, da elegância e da clareza”, um mundo das ideias e um mundo da existência.


Notas e Referências:

[1] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, direito e Estado: o direito administrativo em tempos de globalização – in memoriam de Marcos Juruena Villela Souto, Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 30.

[2] Op. Cit. p. 100.

[3] Op. Cit. p. 103.

[4] Op. Cit. p. 143.

[5] Conforme título de notícia do site Cojur: http://www.conjur.com.br/2017-jul-01/morre-influente-administrativista-diogo-figueiredo-moreira-neto. Acesso em 07.07.2017.

[6] Disponível em: http://www.pge.rj.gov.br/imprensa/noticias/2017/07/morre-no-rio-o-ex-procurador-geral-do-estado-do-rio-de-janeiro-diogo-de-figueiredo-moreira-neto. Acesso em 07.07.2017.

[7] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Relações entre poderes e democracia: crise e superação, Belo Horizonte: Fórum, 2014, pp. 40-41.

[8] As transformações da justiça administrativa: da sindicabilidade restrita à plenitude jurisdicional: uma mudança de paradigma?, trad. de Fábio Medina Osório, Belo Horizonte: Fórum, 2010 (Coleção Brasil-Espanha de Direito Público, 1).


 

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