Diálogos constitucionais na saúde – Por Clenio Jair Schulze

07/12/2015

Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em junho de 2014 existiam aproximadamente 400 mil processos judiciais sobre direito à saúde. Seguramente o número é muito maior, pois muitos Tribunais ainda não adotaram a tabela de assuntos do CNJ na classificação dos seus processos, sem contar que vários Tribunais sequer informaram a sua demanda sobre o tema[1].

Diante deste elevado número de processos judiciais em matéria de saúde, é inegável que os gestores possuem um papel importante. A proposta aqui apresentada tem por finalidade a aproximação entre estes atores do sistema de saúde e do sistema de Justiça.

A tese tem como base a teoria dos diálogos institucionais (ou teoria dos diálogos constitucionais), que exige uma nova postura dos integrantes dos Poderes do Estado.

Vale dizer, os agentes políticos precisam exercer suas funções, sempre que possível, mantendo diálogos constitucionais – institucionais. Se todos os agentes públicos devem obediência ao texto da Constituição, é indispensável que as relações estatais se estabeleçam a partir da interpretação das normas constitucionais empreendida coletiva e harmonicamente entre os Poderes.

Os diálogos constitucionais – institucionais – exigem, portanto, uma mudança de postura dos agentes públicos. O diálogo existe para permitir a independência e a harmonia entre os Poderes da União, nos termos preconizados pelo artigo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil.

Desta forma, a abertura da interpretação constitucional e da pluralização do rol de agentes autorizados a participar e debater os conflitos de interesse não se limita apenas aos cidadãos, tal como propõe a teoria de Häberle[2], permitindo-se também a integração dos demais órgãos, entes e Poderes do Estado, com o fim de conferir maior eficácia às normas estampadas no texto da Constituição.

O modelo inaugurado com a Constituição de 1988 tem conduzido ao entendimento de que cabe ao Poder Judiciário o papel de dizer a última palavra sobre todos os conflitos de interesse. Isso exige, portanto, uma maior participação do gestor em saúde no debate do processo judicial.

Neste contexto, fomenta-se uma contínua e permanente conversa entre o magistrado e o gestor em saúde.

Trata-se de um modelo já adotado, por exemplo, no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com o Comitê Executivo Nacional do Fórum da Saúde, que é composto por atores do sistema de justiça e atores do sistema de saúde.

Com efeito, além da teoria dos diálogos institucionais – constitucionais -, os atos normativos do CNJ também contemplam a necessidade de participação do gestor em processo judicial que trate de direito à saúde.

A Resolução 107 do CNJ que criou o Fórum da Saúde estabeleceu a possibilidade de celebração de termos de acordo de cooperação técnica ou convênios com órgãos e entidades públicas e privadas, cuja atuação institucional esteja voltada à busca de solução dos conflitos em saúde[3].

A Recomendação 31 do CNJ é mais específica, ao orientar os juízes do Brasil a ouvir, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, os gestores, antes da apreciação de medidas de urgência[4]. Esta medida é importante para permitir que o juiz conheça melhor os fatos.

Com efeito, é inegável que a oitiva prévia auxilia o magistrado na prolatação da decisão mais adequada. As discussões sobre vaga em leito hospitalar, internação compulsória, concessão de medicamentos excepcionais podem ser mais completas se for permitida a manifestação do gestor em 24, 48 ou 72 horas e previamente à prolatação da decisão em sede de tutela de urgência.

É possível, inclusive, que o magistrado faça contato mediante e-mail ou por telefone, a fim de que o gestor em saúde esclareça e apresente detalhes sobre a questão judicial. O inverso também é verdadeiro, cabendo ao gestor procurar o magistrado ou sua assessoria para auxiliar no esclarecimento dos fatos. Em determinados casos isso se mostra recomendado. Quando a discussão envolver a situação de um hospital, por exemplo, uma visita ao local permite conhecer a realidade enfrentada no quotidiano pelo gestor.

Ou seja, a teoria dos diálogos institucionais existe para permitir a aproximação entre o gestor de saúde e o magistrado – e todos os atores do sistema de Justiça, com o fim de contribuir para a melhoria da prestação jurisdicional e também do funcionamento da saúde.


Notas e Referências:

[1] CNJ. Relatórios de cumprimento da Resolução CNJ n. 107. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/programas/forumdasaude/demandasnostribunais.forumSaude.pdf.  Acessado em 02 de dezembro de 2015. Observa-se que dos Tribunais Federais, o TRF4 apresenta o maior número de processos (35.287) e o TRF5, o menor, com apenas 11 (o que demonstra que tal informação não está correta). Dos Tribunais de Justiça, o TJRS é o campeão, com 113.953 processos em tramitação e o TJAC possui apenas 7 processos em andamento. TJAM, TJPE e TJPB não prestaram informações.

[2] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007.

[3] CNJ. Resolução CNJ n. 107. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/programas/forumdasaude/demandasnostribunais.forumSaude.pdf.  Acessado em 02 de dezembro de 2015.

[4] CNJ. Recomendação 31, de 31 de março de 2010. Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/322-recomendacoes-do-conselho/12113-recomendacao-no-31-de-30-de-marco-de-2010. Acessado em 02 de dezembro de 2015.


 

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