Dez conselhos para um calouro em Direito

09/01/2018

E eis que uma nova fase se inicia! A faculdade vai começar daqui a pouco. Talvez você (ou seus pais) já tenha até mesmo feito o pagamento da primeira mensalidade e esteja aguardando ansiosamente pela primeira aula. Ou não, talvez você não esteja dando a mínima pra essa coisa toda de ter que fazer uma faculdade...

De todo modo, tenho uns conselhos pra te oferecer, porque uma coisa é certa: sua vida vai mudar consideravelmente. Tudo aqui nesse mundo do Direito é um tanto diferente.

As nossas roupas são mais formais. O nosso linguajar é estranho no começo, mas você pode se acostumar com isso, ou quem sabe você nos ajude a mudar um pouco essa coisa de pompa e circunstância que, às vezes, é brega demais.

Mas chega de prolegômenos, digo, chega dessa enrolação inicial e vamos aos conselhos!

1º. Aproveite a liberdade da sua quase-vida-adulta. Sim, talvez você ainda tenha que morar com seus pais. Talvez você tenha que sair da sua cidade e morar fora. Ainda assim, em qualquer circunstância, sua liberdade vai aumentar. As responsabilidades também, mas ainda é cedo pra falar delas. O ponto é a liberdade. Desfrute da maravilha que é sair daquelas caixinhas que nos colocam no Ensino Médio. Seja popular. Seja bom em um esporte. Seja bom em Bháskara. Saiba tudo sobre mitocôndrias. É, eu sei, dá até um arrepio, mas agora você vai poder transitar em quadrados diferentes. Permita-se conviver com os diferentões. Aproveite a liberdade de poder ser amigo daquele sujeito que em nada se parece contigo e com qualquer pessoa com quem você tenha convivido até aqui. Faculdade é diversidade e nela você vai encontrar desde a clássica patricinha (agora já uma semi-perua) até o tiozão do pavê que você tanto execra no seu Natal em família. Todas essas pessoas estarão reunidas em uma turma de 30, 40, 50 ou mais pessoas, todas muito diferentes entre si. E há muita graça nisso. Com a mesma intensidade com que você vai se irritar, você vai se divertir. E vai aprender, afinal de contas, fazer Direito é, em todos os sentidos, aprender a lidar com gente e trabalhar para gentes diversas. Fazer Direito é aprender a suportar o contrário de si próprio e resistir bravamente, sem perder o rebolado. Ou perder, mas recuperar logo em seguida.

2º. Aproveite as festas. Churrasco de turma de faculdade pode ser a sua primeira oportunidade de entender que cerveja combina mais com churrasco do que carne e carvão propriamente. Além disso, é ali que você fará seus primeiros contatos profissionais. Desfrute do prazer de embebedar um professor e ouvir dele confissões sobre o que é a vida estranha dessas pessoas esquisitas que nos ensinam táticas para vencer processos. Ah, e tem mais! É fundamental que você aproveite de forma completa as festas da faculdade, porque em alguns anos você perceberá que a ressaca deixa de ser um leve mal-estar e se transforma em uma doença que só se cura completamente cinco dias depois. E o gasto com farmácia aumenta! Lembre-se: aproveite as festas, confraternize, faça network e use camisinha, isso é bem importante!

3º. Pode não parecer, mas Filosofia é fundamental. E Sociologia também. Cara, se você souber dar o valor necessário à Metodologia da Pesquisa Científica, vai perceber que o monstro do TCC, no último ano, não passa de um Sulley inofensivo. Aprenda logo sobre os métodos de pesquisa. Absorva o que puder dos pré-socráticos, entenda Sócrates, compreenda Platão, Aristóteles e Kant! Kelsen vai tentar te assombrar, mas não desanime, ele é legal, Dworkin também e Hannah Arendt é sensacional! Talvez você encrenque com Durkheim e Weber, mas, acredite, você vai precisar deles. Miguel Reale vai te visitar algumas vezes. Receba-o bem, era um velhinho bastante simpático. Se puder, corra numa livraria e procure pelo “O caso dos exploradores de caverna” e pelo “A luta pelo Direito”, certamente o seu professor de Introdução ao Estudo do Direito irá te obrigar a lê-los. Talvez você goste, talvez não, mas leia mesmo assim, você vai precisar. Aliás, isso nos leva ao quarto conselho. Vamos lá!

4º. Leia. Poderia ser só isso, mas vou explicar melhor. O curso que você escolheu é uma biblioteca. Todos os professores, do início ao fim, vão citar autores e mais autores. Em todas as disciplinas vão ser recomendadas leituras, algumas obrigatórias, outras facultativas. É uma grande mentira. Na realidade, todas são obrigatórias. Então, amigo, se você vai ter que ler muito, aprenda a ler, mesmo sem gostar. Ler vai te ajudar a domar o cavalo chucro que é a Língua Portuguesa. Ela será seu instrumento ao longo de toda a sua vida, então é necessário montá-la. É, eu sei que é difícil, em tempos de textos curtos, criar disciplina para leituras enfadonhas de livros imensos recheados de termos difíceis ou estrangeirismos esquisitos. Se fosse fácil não seria divertido. Então trate de desenvolver o gosto pela leitura ou você passará cinco anos da sua vida – e outros tantos depois deles – desgostoso com o rumo que você escolheu. Mas eu tenho um alento: depois de algum tempo, você vai perceber suas preferências e poderá direcionar suas leituras mais densas para aquelas disciplinas com que mais se identificar, levando as outras com um relaxo mais tolerável. E isso nos leva ao próximo conselho.

5º. Não se assuste com a primeira nota baixa. Se você foi o melhor da classe no Ensino Médio, permita-se ser ótimo em Direito Penal, razoável em Direito Civil e péssimo em Tributário. Tente garantir a média, ao menos. Ser mediano em algumas áreas não te faz um derrotado. Seus professores dirão que você deve estudar muito todas as disciplinas, mas no fundo eles sabem que você não terá tempo para isso, então aprenda a ter foco para aprender o suficiente naquilo que você não se identifica e direcione seus grandes esforços para aquelas áreas que te trazem maior prazer. Seus professores também fizeram isso, é natural. Mas não esqueça: é importante conhecer o básico de tudo, afinal, o Direito, assim como qualquer outra ciência, é um emaranhado de conhecimentos que se complementam. Nenhuma área existe sozinha sem sofrer influências das outras. E é importante saber o básico de tudo até mesmo pra disputar com aquele primo sabichão no almoço de domingo a discussão sobre pena de morte ou descriminalização do aborto.

6º. E por falar em polêmicas, vai um conselho sobre isso: você, só porque faz Direito, não se torna, por decreto de esperança, um cientista político ou um sabedor-da-resolução-de-todos-os-problemas-do-mundo. Um tantinho de humildade te poupará de passar vergonha nas discussões de redes sociais. É, eu sei que talvez você discordará do seu professor de Criminologia e achará que a solução para a criminalidade brasileira é matar todos os bandidos, mas aprenda a ouvi-lo e lembre-se de um daqueles velhinhos maneiros da Filosofia: saber é saber que nada se sabe. Reconhecer isso é fundamental. E isso nos encaminha para o próximo conselho.

7º. Cale-se. Ouça seus professores. Pense. Pesquise. Escreva suas ideias. Leia-as com olhar crítico. Discuta-as com seus amigos próximos. Releia-as depois da discussão. Se depois disso tudo você ainda achar que tem razão, mostre-as ao professor com quem mais se identificar. Ouça as reflexões dele a respeito das suas ideias. Considere-as. Pesquise mais. Pense mais. Quem sabe daí nasça o desejo de aprofundar seus estudos em uma área e daí surja uma grande ideia, uma boa tese. Mas lembre-se, antes de tudo, cale-se e ouça. Falar agora não é importante, você ainda é um neófito e saber ouvir é uma grande coisa. Por falar em neófito, tenha um dicionário sempre à mão. Um app no seu smartphone há de ajudar. E tenha também um dicionário jurídico, juro que você vai me agradecer por isso.

8º. Seja paciente com seus professores. Eles, às vezes, precisam acreditar que, de fato, podem te ensinar algo realmente proveitoso. Você terá muitos professores. Vai adorar alguns, suportar outros e detestar boa parte deles. Eles são aquelas pessoas que se colocam no teu caminho para dificultar o acesso à linha de chegada, mas eles são muito necessários! Até mesmo aqueles que te irritam. Talvez estes sejam os mais necessários. Não se iluda, nem todos serão grandes professores. Alguns deles não entendem nada de didática e têm imensas dificuldades de fazer com que você compreenda o conteúdo, mas talvez possam ser excelentes churrasqueiros e é sempre bom ter alguém assim por perto. Alguns deles terão facilidades incríveis de transmitir conhecimento e irão inspirar suas escolhas. Outros terão passagem neutra pela sua vida acadêmica, mas agradeça a eles mesmo assim... imagina só se todos fossem exigentes demais. Você não teria tempo para as diversificações que fazem da faculdade a melhor época da vida.

9º. Fuja de qualquer livro que se apresente como facilitação de alguma disciplina. Só vou dizer isso: fuja!

10º. Preste atenção nas informações da primeira aula de cada professor. Se ele indicar que prefere se comunicar por e-mail, não mande mensagem no WhatsApp ou no Facebook às 3h da madrugada, ele pode estar fazendo coisas mais interessantes e divertidas do que se preocupar com a sua nota bimestral. Ah, e mais uma coisa: ele não é obrigado a fazer uma apostila da disciplina e te enviar para facilitar seus estudos. Mantenha suas anotações atualizadas e procure os livros indicados na bibliografia da disciplina, isso há de bastar. E, pra completar, anote o que puder. De preferência à mão, porque você vai precisar de condicionamento físico nos dedinhos e letrinhas legíveis nas provas dissertativas e também no Exame de Ordem. Evite cãibras e reprovações: coma banana e pratique sua caligrafia. Você faz Direito e não Medicina.

Seja bem-vindo aos melhores anos da sua vida!

 

Imagem Ilustrativa do Post: The New Library Square in my University // Foto de: baha omari // Sem alterações

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