Por Juliana de Alano Scheffer e Polliana Corrêa Morais – 18/11/2016
Ganhar um Oscar e estar no auge da carreira não garante igualdade de remuneração nem às estrelas internacionais. A atriz de Hollywood mais bem paga de 2015, Jennifer Lawrence, já demonstrou sua indignação[1] por descobrir que recebeu menos que seus companheiros de cena homens no filme “Trapaça” (American Hustle, de 2013, dirigido por Irving Rosenfeld[2].
Mais recentemente, Robin Wright, atriz conhecida atualmente por sua atuação no seriado da Netflix “House of Cards”, também relatou que vinha recebendo pagamentos menores que o ator Kevin Spacey, seu marido na série. Como estratégia para alcançar a equiparação da remuneração, a atriz esperou momento de maior popularidade de sua personagem em relação ao de Spacey e ameaçou trazer o caso a público se não recebesse o aumento[3]. A tática deu certo.
Percebe-se que o recurso utilizado por Robin Wright não está disponível para a maioria das trabalhadoras.
Analisando o contexto nacional, percebe-se que as brasileiras em 2014 receberam cerca de 72,44% dos rendimentos dos trabalhadores homens[4]. Quando se leva em consideração o fator raça os resultados continuam reveladores: as mulheres negras recebem menos do que as brancas[5].
Desse modo, no Brasil, quando a função laboral realizada é a mesma, caso seja identificada uma situação de diferenciação de remuneração com base no gênero, quais as ferramentas legais disponíveis para a trabalhadora prejudicada?
O artigo 461 da CLT é um instrumento para isto. Tal dispositivo deixa claro que a todo trabalho igual, realizado na mesma localidade, prestado ao mesmo empregador, e em que haja semelhante tempo de serviço, deverá ser concedido salário equivalente[6].
Nesse contexto, cabe à trabalhadora ingressar com ação reclamatória para receber a diferença salarial, indicando o trabalhador paradigma (aquele que realiza a mesma atividade, mas com remuneração maior). De acordo com a Súmula nº 6 do TST, as diferenças salariais podem ser cobradas até cinco anos retroativos, a partir do ajuizamento da ação[7].
DE OLIVEIRA e BERTOTTI[8] apresentam três causas principais que impedem a equiparação salarial efetiva, quais sejam: a descontinuidade de tempo de serviço devido à maternidade, a falta de divulgação pelos meios de comunicação do direito à equiparação salarial e a dificuldade de levantamento de provas.
A maternidade prejudica a equiparação uma vez que, ao se ausentar da prestação do serviço para cuidar dos filhos, a mulher compromete um dos requisitos objetivos previstos no art. 461 da CLT. A visão ultrapassada da mulher como principal responsável pelos filhos, e a ausência de licença parental – a qual permite que o pai, além da mãe, possa colaborar ativamente com os cuidados ao recém-nascido/adotado ao sair licença por um período considerável – contribuem com esta diferenciação[9].
Em relação à publicidade, as autoras apresentam o levantamento realizado pela ANDI – Comunicação e Direitos e pelo Instituto Patrícia Galvão no âmbito do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero (Eixo Comunicação e Mídia) da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, no qual a imprensa brasileira, em cerca de 91% dos textos, não traz a desigualdade salarial existente entre homens e mulheres como pauta.
A última causa elencada refere-se ao obstáculo de se conseguir provas da diferença devido ao sigilo salarial. Vale ressaltar que, conforme o art. 818 da CLT e do Enunciado nº 6 TST, o ônus da prova do pagamento diferenciado em virtude do gênero é do autor da ação, ao passo que à defesa cabe à prova dos fatos modificativos, impeditivos e extintivos do pleito de equiparação.
Percebe-se que o pagamento diferenciado para exercício de mesma função demonstra a visão ainda persistente, e tão pouco debatida, da mulher como mão-de-obra auxiliar, que não merece o mesmo valor. Fica evidente, portanto, que apenas a atual legislação não cria mecanismos efetivos de combate a essa disparidade. É necessária uma abordagem mais abrangente, que envolva todos os segmentos político-sociais. Seja em Hollywood, no escritório, na indústria ou no comércio: ainda há grandes passos para se alcançar a almejada igualdade salarial.
Notas e Referências:
[1] Disponível em: <http://us11.campaign-archive1.com/?u=a5b04a26aae05a24bc4efb63e&id=64e6f35176&e=1ba99d671e#wage>. Acesso em: 06 out. 2016.
[2] JENNIFER LAWRENCE express anger at Hollywood’s gender pay gap. The Guardian, 13 out. 2015. Disponível em: <https://www.theguardian.com/film/2015/oct/13/jennifer-lawrence-hollywood-gender-pay-gap>. Acesso em: 03 out. 2016.
[3] ROBIN WRIGHT says she had to fight for equal pay on House of Cards. The Guardian, 18 mai. 2016. Disponível em: <https://www.theguardian.com/society/2016/may/18/robin-wright-fight-equal-pay-house-of-cards>. Acesso em 06 out. 2016.
[4] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2015 – Uma Análise das Condições da População Brasileira. São Paulo: IBGE, 2015, p. 62. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=295011>. Acesso em: 10 mai. 2016.
[5] ABRAMO, Laís. Desigualdades de Gênero e Raça no Mercado de Trabalho: tendências recentes. Igualdade de gênero e raça no trabalho: avanços e desafios. In: Organização Internacional do Trabalho. - Brasília: OIT, 2010, p. 69. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/pub/igualdade_genero_262.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2016.
[6] BRASIL. Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 17 out. 2016.
[7] BRASIL. Súmula nº 6 do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_1_50.html#SUM-6>. Acesso em: 17 out. 2016.
[8] DE OLIVEIRA, Ana Paula Batista Guimarães; BERTOTTI, Daniela. O princípio da isonomia e a diferença salarial entre gêneros. Augusto Guzzo Revista Acadêmica, v. 1, n. 11, p. 147-165, 2013. Disponível em: < http://fics.edu.br/index.php/augusto_guzzo/article/view/159> Acesso em: 12 nov. 2016.
[9] O tema da licença parental já foi abordado na coluna Direito das Mulheres: http://emporiododireito.com.br/licenca-parental/.
. Juliana de Alano Scheffer é Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Servidora Pública na UFSC. Pesquisadora do GT Direito do Trabalho do Projeto de Pesquisa e Extensão “Direito das Mulheres” – UFSC. . .
. Polliana Corrêa Morais é Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Servidora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Pesquisadora do GT Direito Penal do Projeto de Pesquisa e Extensão “Direito das Mulheres” – UFSC. . .
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