Desavenças sobre sexo, natureza, cultura

08/03/2023

Estamos todos familiarizados com palavras como genética, evolução, seleção natural, mas creio que não temos a exata percepção de como tudo isso incide sobre a nossa vida, ou, mesmo, é condição de nossa vida. Tomemos o sol. Quando a luz solar atinge a pele, faz com que o corpo produza um pró-hormônio conhecido como vitamina D. Esse esteroide é essencial.

O humano selecionado pela natureza foi aquele que, dentre outras vantagens competitivas, tinha a pele mais apta a produzi-lo. Enquanto evoluíamos, andávamos expostos ao sol; atualmente, nos vestimos, trabalhamos à sombra, nos untamos de protetores solares e, ademais, usamos sabonete, o que elimina o pouco que produzimos da vitamina.

Fomos convencidos a ter medo do sol. Estamos sofrendo as consequências. Ora, nós restamos como somos em decorrência da nossa relação com a natureza. Aliás, nós somos natureza. A moderna antropologia nos ensina, é verdade, que passamos a desenvolver cultura antes de nosso cérebro transformar-se no que é hoje.

A cultura passou a formatar a nossa relação com a natureza ao tempo mesmo em que a natureza delimitava a cultura possível. Ambas se tornaram igualmente importantes. A cultura, contudo, não elide a genética, mesmo dando sentido ao mundo e aos nossos dados genéticos. A cultura, digamos, gerencia a genética, conformando socialmente as suas manifestações.

Na natureza, fêmeas e machos têm papéis distintos, ambos relevantes à perpetuação da vida. As conformações culturais, todavia, privilegiaram desproporcionalmente os homens. Quer dizer, no passar do estado de macho (natural) para o de homem (cultural), o sexo masculino impôs ao sexo feminino condições sociais desvantajosas.

A genética está sempre subjacente e operante – é a condição de possibilidade da cultura –, mas muitas das situações sociais produzidas pela cultura, tratando diferentemente o masculino e o feminino, não são exigências de condição genética (da natureza), mas disposições produzidas historicamente (de poder), ou seja, são manifestações de gênero.

Pensemos na bunda. Na natureza, a bunda farta de uma mulher era “lida” como vantagem reprodutiva. A atração por ela decorria da sua forma, mas a gordura nela acumulada, além de lhe dar um desenho atrativo, era garantia de alimento para um filhote. Tanto assim é que quando se torna infértil (menopausa) a mulher perde gordura nas nádegas e nos culotes.

Então, atração por bunda é natural e macha. Já, gracinhas com uma mulher de bunda atraente é licenciosidade. Se na selva o macho submetia a fêmea, na civilização não cabe força física ou assédio. Gracinhas são forma substitutiva aos atos instintuais; não são machas nem masculinas, são grosseria. Valores sociais em construção as interditaram.

Masculino e feminino são natureza mais cultura (sexo mais gênero). Agora, se as maneiras culturais de viver o masculino e o feminino são expressões históricas de gênero e não condições naturais de sexo, isso não quer dizer que as condições de sexo desapareceram do humano. As condições animais da humanidade, insisto, estão operantes.

São inadmissíveis moral e juridicamente vantagens de gênero; são inegáveis, todavia, diferenças de sexo. O desempenho das mulheres nos lugares sociais que ocupam é prova inconteste de equivalência intelectual entre gêneros. Os hormônios, entretanto, seguem diferentes em um e em outro sexo, bem como os efeitos que causam no respectivo comportamento.

Penso que há equívoco na posição que algumas feministas tomam na luta que legitimamente travam por igualdade de gênero: o negar diferenças entre os sexos. Por séculos, ardilosamente se atribuíram limitações ao sexo feminino. Eram argumentos de poder, formas de dominação. Agora, em erro invertido, quer-se forçar uma igualdade biológica que não existe.

O efeito dos hormônios é tão imperativo quanto o efeito do sol. Em direitos e obrigações somos iguais, homem e mulher. Testosterona, porém, gera efeitos no organismo diferentes daqueles produzidos por progesterona e estrogênio. Quaisquer efeitos, embora advindos da natureza que existe em nós, não são condições determinantes de vantagens culturais.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Evolution. // Foto de: John Bastoen // Sem alterações

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