Desafios para a pesquisa com/sobre/para as crianças, adolescentes e jovens em tempos de pandemia da Covid-19

07/07/2020

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Rêgo, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Vivian Degann

Estamos atravessando uma pandemia global que instaurou uma crise sanitária e econômica em muitos países, e no Brasil com a adição da crise política. No meio deste período marcado pelo isolamento social, fechamento dos estabelecimentos, inclusive as universidades, e a consequente redução do contato presencial entre as pessoas, como ficam as pesquisas com interlocutores ou temáticas ligadas às crianças, adolescentes e jovens? Eis a questão que pretendo refletir neste artigo.

Se já não bastasse o desmantelamento acelerado das universidades públicas, com cortes orçamentários, campanhas para a desqualificação do conhecimento científico e um apoio descarado à privatização do ensino superior público, ante a proposta governamental do Future-se (ou Fature-se?), eis que chegamos aos efeitos da crise sanitária para com a universidade e o fazer pesquisa. Isto, não somente em relação às condições sanitárias e sociais para sua condução, mas também num plano de (re)pensar as perspectivas metodológicas, epistemológicas, éticas e políticas.

Por certo, a problemática abarca o trabalho mais amplo do fazer pesquisa, mas ganha contornos específicos quando se trabalha o aspecto geracional do grupo com que se realiza a investigação. Por isso, crianças, adolescentes e jovens, que são usualmente classificados, inclusive em termos jurídicos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, passam a ter uma atenção redobrada para avaliarmos como fazer pesquisa com/sobre/para elas e eles.

Por achar que esta é uma discussão que fomenta um diálogo coletivo, convidei (ou, como brinquei no início do evento, convoquei) três colegas docentes, as professoras Clarice Cohn (UFSCar) e Fernanda Ribeiro (PUC/RS) e o professor Humberto Miranda (UFRPE), para debatermos a questão num seminário virtual, denominado de “Como fazer pesquisa com/sobre/para as crianças em tempos de pandemia da Covid-19?”[1], ocorrido 25 de junho de 2020, e transmitido pelo canal no Youtube que organizo, chamado Prioridade Absoluta[2].

Quais as nossas conclusões ou principais reflexões do debate? Uma primeira que é intrínseca do nosso momento é de que as condições sanitárias do fazer pesquisa devem ser tratadas como questões éticas do cuidado com o outro e consigo mesmo. Assim, o estar junto com crianças e adolescentes, tornou-se, com a pandemia da Covid-19, uma medida que precisa ser sopesada profundamente e planejada com segurança.

Além disso, como abordou Clarice Cohn no seminário virtual, é importante que se avalie se a demanda por pesquisa com sujeitos-crianças pode gerar certa sobrecarga para eles e elas, haja vista a mudança abrupta de suas rotinas e as dificuldades em lidar com isso e o acréscimo advindo da necessidade de participar de determinada pesquisa. Em todo caso, há de se levar em consideração que a constatação desta sobrecarga mental já é, em si, um indício da pesquisa, e que pode ter por trás outras situações de vulnerabilidade e/ou violações de direitos que o trabalho acadêmico poderia contribuir, ao menos, para visibilizar e problematizar as possibilidades de atendimento.

Concomitante a este debate sobre as articulações entre ética e saúde na execução da pesquisa, esteve também presente no seminário virtual  a problematização sobre as múltiplas configurações do ser criança e adolescente, e de como isto implica, também, em possibilidades variadas e desiguais de ser afetado por esta pandemia e, até mesmo, de permanecer em isolamento social. Isto foi bastante frisado por Fernanda Ribeiro, para quem o contexto da pandemia atinge de forma distinta as crianças e reforça as diferenciações sociais, em suas pluralidades e desigualdades, assim como as diferenciações geracionais e as formas como cada geração vivencia a pandemia.

Por outro lado, o contexto da pandemia também afetou diretamente as condições e os interesses do fazer pesquisa com/sobre/para as crianças e adolescentes. E, nisto, Fernanda Ribeiro asseverou que a pesquisa tem se encaminhado para lidar com três cenários: o primeiro, de pesquisas com crianças que já estavam em andamento quando foram interceptadas pelos impactos da pandemia da Covid-19 e do isolamento social, o que ocasionou uma interpelação ao campo de pesquisa e os dados apurados, assim como na relação com os sujeitos da pesquisa; o segundo, de pesquisa que passam a ter por foco o contexto da pandemia da Covid-19 e na relação com crianças e adolescentes; o terceiro, da conversão de pesquisas para que assumam a centralidade da pandemia em seus objetivos de investigação, o que também exige uma renovação metodológica.

Aliás, falando em metodologia, é preciso seriamente pensar e problematizar as condições de pesquisa por meio do ambiente virtual. Há uma inegável conclusão de que esta é, no momento, a melhor opção, até para evitar riscos de contato, e cujas possibilidades de efetivamente ocorrer variam conforme a desigualdade do acesso à internet e dos conhecimentos para operacionalizar equipamentos e aplicativos. Isto, ao mesmo tempo, torna-se um dado relevante para a pesquisa, além do olhar atento sobre como as pessoas se expressam no espaço virtual. Em todo caso, é necessário sempre lembrar da existência de outras possibilidades de produzir dados sobre ou com as crianças, adolescentes e jovens a partir do aproveitamento de suas linguagens de expressão, como o uso de desenhos, cartas, vídeos e, em tudo isso, em suas linguagens corporais.

Além disso, e como bem comentou Humberto Miranda no seminário virtual, é preciso se fazer uma pergunta: qual concepção de infância e de pesquisa que tenho? Na resposta, segundo indicou, podemos saber como nos colocaremos e adotaremos o “com, sobre e/ou para” no tratamento do tema abordado. E mais, também na forma como lidamos com o adultocentrismo e suas reconfigurações durante a pandemia para intensificar hierarquias e invisibilidades. A relação de poder baseada na hegemonia do adulto, basicamente o que traduz a ideia de adultocentrismo, está inegavelmente presente na relação de pesquisa entre uma pessoa-adulta que pesquisa e uma (ou mais de uma) pessoa-criança/adolescente/jovem que se coloca como sujeito de interlocução.

Por isso, é necessário problematizar a própria relação estruturada no fazer pesquisa, de modo a possibilitar a reorganização das estratégias, dos interesses e dos objetivos, com a inquietação para o fato de como o adultocentrismo está se (re)colocando nos cenários atuais de convivência e condições de vida de crianças, adolescentes e jovens.

Quanto aos e às jovens, uma possibilidade de continuidade deste debate vai ocorrer no dia 30 de julho de 2020, em que vamos tratar do tema: “Como fazer pesquisar com/sobre/para as e os jovens?” O novo convite (ou convocação) vai ser partilhado entre três docentes: Ilana Paiva (UFRN); Elisa Guaraná (UFRRJ) e Lúcia Isabel Silva (UFPA). O evento ocorrerá a partir das 19h30, com transmissão pelo canal Prioridade Absoluta.

 

Notas e Referências

[1] O link para acesso do seminário virtual é: < https://www.youtube.com/watch?v=5G2J2pFRMjo >.

[2] O canal foi lançado em junho de 2020, com foco, como consta em sua descrição (no item Sobre), na “conteúdo qualificado sobre os direitos, as políticas públicas, os serviços e as lógicas de atendimento de crianças, adolescentes e jovens. A ideia é compartilhar conhecimento útil e que seja factível de aplicação na prática e nos diversos contextos sociais e geográficos do Brasil, na busca permanente por levar a sério a prioridade absoluta de cumprimento dos direitos de crianças, adolescentes e jovens.” O link do canal segue: < https://www.youtube.com/channel/UCNbHstVJGJMJgxGZuEXVMVQ/featured >.

 

Imagem Ilustrativa do Post: justice // Foto de: openDemocracy // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/opendemocracy/2074283576

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura