Defensoria Pública é admitida como “Custös Vulnerabilis” em Apelação Cível

05/12/2016

No dia 28 de novembro de 2016, em provimento ainda raro no meio jurídico, a intervenção processual na modalidade de “Custös Vulnerabilis”, de lastro constitucional, foi expressamente reconhecida à Defensoria Pública, em julgamento de Apelação Cível pelo Tribunal de Justiça do Amazonas.

Desde 2014 (MAIA), o termo “Custös Vulnerabilis” tem sido utilizado para designar as intervenções institucionais da Defensoria Pública em nome próprio, com lastro no seu interesse constitucional e legal (CRFB/88, art. 134 c/c LC n. 80/1994, art. 4º, XI).

Em verdade, a expressão “Custös Vulnerabilis” também sobreveio para, didaticamente, diferenciar a missão institucional da Defensoria Pública da atuação do Ministério Público, enquanto Custös Legis. Tratando-se de intervenção institucional de índole constitucional (MAIA, 2017), a tendência é seu crescimento a partir do reforço estrutural e de pessoal da Defensoria Pública.

Na Apelação Cível nº 0002061-84.2016.8.04.0000 (TJ-AM), relatada pelo desembargador Ari Jorge Moutinho da Costa (TJ-AM), as causas da intervenção da Defensoria Pública foram as sucessivas negativas de reconhecimento dos problemas psíquicos suportados pelo interditando, seja pelo Custös Legis e pelo julgador de primeiro grau, seja pela intervenção ministerial em 2º grau, a qual somente reconhecera problemas deambulares ao interditando.

No contexto acima narrado, por entender como fragilizado o contraditório em desfavor do vulnerável, a intervenção institucional da Defensoria Pública ocorreu espontaneamente no sentido de estimular a análise correta e integral dos documentos médicos e psicossociais demonstrativos das mazelas mentais do vulnerável interditando, para além da problemática meramente deambular.

Com efeito, o caso julgado pela Corte amazonense é também paradigmático e de vanguarda por nele ser visualizado a teoria das posições dinâmicas aplicadas à Defensoria Pública (MAIA, 2016): existia um defensor público enquanto representante processual na comarca de origem, o qual interpôs a Apelação e, por outro lado, atuou no caso ainda uma defensora pública em nome institucional – a defensora pública de 1ª classe atuante junto ao Tribunal de Justiça, Domingas Laranjeiras –, ou seja, em atuação interventiva.

Entre o relatório e o voto, pode-se aferir a visão do relator acerca da intervenção da Defensoria Pública e inclusive o reconhecimento de sua condição de guardiã dos vulneráveis: “A Defensoria Pública, por sua vez, em manifestação a título de Custus Vulnerabilis (fls. 114/121), também defendeu a decretação da “curatela do interditando limitadamente aos aspectos negociais e materiais da vida do vulnerável, nos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD)”.

No fim, acolheu-se a existência tanto da vulnerabilidade meramente motora, suscitada pelo Ministério Público, como “Custös Legis”, quanto a incidência da vulnerabilidade psíquica e negocial do interditando, suscitada pelo Apelante e pela Defensoria Pública, enquanto “Custös Vulnerabilis”.

Pioneiramente, trata-se do primeiro uso do termo “Custös Vulnerabilis” catalogado em nível de julgamento nos Tribunais e ainda da primeira aceitação judicial noticiada de tal condição em Apelação Cível.

Por outro lado, o termo “Custös Vulnerabilis” e a aceitação desse título enquanto modalidade interventiva da Defensoria Pública encontrou também incidência em audiência judicial na Comarca de Santo Antônio de Jesus (BA), no Processo nº. 0502495-15.2015.8.05.0229, sob o crivo do juiz de direito Pedro Henrique Izidro da Silva e condução dos defensores públicos Murilo Bahia Menezes e Lucas Marques Luz da Resurreição, no dia 2/3/2016. Por isso, paulatinamente, percebe-se a necessidade crescente de debater, analisar e reconhecer a temática no âmbito forense e acadêmico.

O tema aqui exposto é ainda incipiente e novo. Porém, a intervenção da Defensoria Pública, espontânea ou após a intimação judicial, é um potencial instrumento de amplificação do contraditório em favor dos segmentos mais necessitados e vulneráveis da sociedade brasileira.


Notas e Referências:

Maia, Maurilio Casas. A Intervenção de Terceiro da Defensoria Pública nas Ações Possessórias Multitudinárias do NCPC: Colisão de interesses (Art. 4º-A, V, LC n. 80/1994) e Posições processuais dinâmicas. In: Didier Jr., Fredie; Macêdo, Lucas Buril de; Peixoto, Ravi; Freire, Alexandre. (Org.). Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - V.1 - Parte Geral. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, v. I, p. 1253-1292.

______. A legitimidade coletiva da Defensoria Pública para a tutela de segmentos sociais vulneráveis. Revista de Direito do Consumidor, v. 101, p. 351-383, Set.-Out. 2015.

______. A Segunda Onda de acesso à Justiça e os necessitados constitucinoais: por uma visão democrática da Defensoria Pública. In: COSTA-CORRÊA, André L.; SEIXAS, Bernardo Silva de; SOUZA, Roberta Kelly Silva; SILVIO, Solange Almeida Holanda. (Org.). Direitos e garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui-SP: Boreal, 2015, p. 182-204.

______. Custos Vulnerabilis Constitucional: O Estado Defensor entre o REsp 1.192.577-RS e a PEC 4/14. Revista Jurídica Consulex, Brasília, p. 55-57, 1º jun. 2014.

______. Litisconsórcio e Intervenção de Terceiro no novo CPC de 2015: Uma visão Geral. In: Franklyn Roger Alves Silva. (Org.). O novo Código de Processo Civil e a perspectiva da Defensoria Pública. Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 185-206.


Maurilio Casas Maia pngMaurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutorando em Direito Constitucional e Ciência Política (UNIFOR). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email: mauriliocasasmaia@gmail.com / Facebook: aqui.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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