Defensores públicos como agentes da maturidade digital

10/06/2021

Coluna Defensoria Pública e Sistema de Justiça / Coordenadores Gina Bezerra, Jorge Bheron e Eduardo Januário

A situação crítica global gerada pela pandemia do COVID-19 alterou radicalmente o nosso modo de viver, consolidando a mediação da sociedade por plataformas decorrente do uso maciço de tecnologias.

Com isso, muitos dos serviços, seja na seara pública ou privada, e as próprias relações humanas se virtualizaram, migrando, por exemplo, para o sistema home office, o sistema educacional em grande parte para o EAD – Ensino a Distância (embora a exclusão digital seja a regra), além do uso exorbitante de mídias de streaming.

Toda esta conectividade frenética levou a Anatel a determinar a redução da qualidade dos vídeos de tais plataformas digitais para se evitar uma pane nas conexões[1].

Afetados pelos efeitos pandêmicos, os atendimentos da Defensoria Pública incorporaram, por via originária e reforço, várias ferramentas de tecnologia da informação e comunicação, ficando o presencial e atos físicos restritos aos casos complexos, urgentes e de exclusão digital.

Seja através de sistemas de mensagerias, ligações, videoconferências, distribuição de conteúdo via rede social, streaming acessível por podcast com viés orientativo, educação em direitos, comunicação visual, entrevistas, novas ações eletrônicas/físicas, individuais/coletivas, da primeira à última instância, manifestações simples e estratégicas nas ações em trâmite, e até mesmo integração nas comissões governamentais do COVID-19 que dinamizam inúmeras reuniões e recomendações, fica evidenciado que a Defensoria Pública não parou, ao revés, se reinventou.

Pode-se dizer que o serviço, em verdade, não só aumentou[2] como ganhou status “híbrido” (físico e digital).

E o interessante que o hibridismo adveio antes mesmo do surgimento da Lei do Governo Digital – n. 14.129/21, por seu art. 3º, XVI.  

Afinal, não podemos nos cegar de que no Brasil, um quarto da população[3]  não têm acesso à internet o que, por si só, sinaliza que a imperativa participação implica numa exclusão digital e jurisdicional (direito de defesa e reação), simultaneamente, sendo impossível se pensar em serviços 100% digitais.

E o interessante, diga-se de passagem, é que esta vulnerabilidade independe do viés econômico, por haver locais onde não há, mesmo que sob pagamento, o funcionamento pela falta de sinal de internet, ou seja, a chamada “zona de sombra”[4].

E justamente neste contexto, que passamos a descrever a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública (2021)[5], que exorta dentre vários pontos, a exemplo do seu item 7.1, que 90,3% dos membros da Defensoria Pública atualmente prestam atendimento ao público por via remota. Aplicativos de mensagem (78%), e-mail (68%) e aparelhos de telefonia celular (65,5%) foram os meios de comunicação apontados como os mais utilizados, superando a tradicional comunicação por telefone (49%), assim como os aplicativos que permitem a realização de videoconferência (40,9%), de forma se a compreender novas territorialidades de acesso impostas pela virada tecnológica.

De outro lado, percebe-se no que tange as iniciativas tecnológicas, a plataformização de sistemas voltados à tramitação dos processos administrativos internos, desempenho da atividade-fim e à coleta automática de dados, cujos detalhes de funcionalidade se encontram no item 7.2 da pesquisa.

O mais utilizado no âmbito interno foi o SEI, enquanto o auxílio da atividade-fim foi majoritariamente exercido pelo sistema SOLAR, instrumento mais largamente utilizado também para a coleta automática de dados relativos ao desempenho da atividade-fim, através das unidades descritas na pesquisa.

Maior variação se percebeu, entretanto, justamente em relação às ferramentas utilizadas para a realização do atendimento remoto, oscilando a comunicação institucional entre o sistema SOLAR, aplicativos de videoconferência, uso do aplicativo WhatsApp, além de iniciativas envolvendo aplicativos institucionais próprios.

Pelo estudo, poucas instituições apresentaram ferramentas tecnológicas que operassem com base na inteligência artificial, embora haja muitos projetos na fase de desenvolvimento.

E o que se conclui deste raio-x institucional é justamente que o digital e o físico não se excluem, ao revés, se somam.  O virtual, em verdade, se opõe somente a aquilo que é  atual, já que este tem existência no ato. O avanço, além de seguro e maduro, não se evidenciou excludente, e se mantém em constante aperfeiçoamento para se customizar as necessidades do seu público, para uma maior gestão de controvérsias.

Com este diagnóstico, confirma-se o que já foi dito pelo STF sobre a Defensoria Pública, sobre sê-la um vital “instrumento de concretização de dos direitos humanos[6]”, aliás, muito mais do que um serviço, já que torna na grande maioria das vezes, uma pessoa em cidadão, tamanha a sua alienação a sociedade, ou como dito pela referida corte, se evita um verdadeiro "apartheid[03] jurídico e virtual.

Justamente por estarmos numa transição e imposição de conceitos prontos e que podem nos sabotar pelos clichês “tendências” e “transformação digital”, a exemplo de serviços 100% digitais num país desigual é que o exsurge reflexões a partir da pesquisa sobre maturidade, visando caminharmos e respondemos o que e como fazemos nossos trabalhos, para que e quem trabalhamos, assim como, por fim, o que somos e consequentemente nos ressignificar.

Conclui-se, assim, que a ambiência híbrida permitiu aos Defensores Públicos alçarem o status  de agentes de maturidade digital[7],  absorvendo os meios sem excluir as portas de acesso.

Afinal, tecnologia não é o motor da sociedade, devendo se observar a transição com maturidade centrado na idéia de o desenvolvimento tecnológico ser um processo social não limitado a técnica, mas que deve ser aceito, dotado de conflitos e lutas por estabilização, mormente num país com substrato de desigualdades sociais seculares.

 

Notas e Referências

[1] http://www.telesintese.com.br/anatel-convoca-empresas-de-internetestreaming-para-reuniao-de-gestao-de-risco/ - Acessado em 27/05/2021;

[2]  https://www.defensoria.mg.def.br/defensoria-de-minas-atinge-media-de-62-mil-atividades-juridicas-por-dia-em-regime-de-teletrabalho/ - Acessado em 27/05/2021;

[3] https://www.consumidormoderno.com.br/2021/02/22/excluidos-digitais-acesso-internet/

[4] https://www.anatel.gov.br/consumidor/telefonia-celular/direitos/coberturaezona-de-sombra

[5] https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/.

[6] STF. ADI 3819/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, julgado em 02.04.2007, DJ 11.05.2007

[7] “o alinhamento das pessoas, cultura, estrutura e tarefas de uma organização para competir com eficácia e beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela infraestrutura tanto dentro quanto fora da organização[7]”. CRISTINA, Yamagami. Tecnologia não é tudo: Entenda por que as pessoas são a verdadeira chave para a transformação digital do seu negócio. São Paulo: Benvirá, 2020, pág. 56.

 

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