A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB[1] estabeleceu que as consequências também devem ser observadas como parâmetro decisório, seja na via administrativa ou na via judicial.
É o que o dispõem os artigos 20 (consequências práticas)[2] e 21 (consequências jurídicas e administrativas)[3] do Decreto-Lei 4.657/1942 (alterado pela Lei 13.655/2018).
Neste sentido, é importante fixar um guia prático para que os atos administrativos e os atos judiciais observem as consequências da decisão[4].
Vitorelli sugere os seguintes parâmetros:
1) Microconsequências: relativas às pessoas imediatamente destinatárias da decisão;
2) Macroconsequências: relativas ao grupo social que será impactado pela adoção da medida, sem ser dela destinatário. Isso inclui as pessoas que são excluídas da política pública e aquelas que arcam com os custos da sua implementação;
3) Distribuição temporal: consequências de curto, médio e longo prazo, na medida em que forem previsíveis, ou seja, que, “no exercício diligente de sua atuação, consiga vislumbrar diante dos fatos e fundamentos de mérito e jurídicos”, como pontuou o art. 3o , § 2o , do Decreto no 9.830/2019;
4) Maximização do bem-estar à luz das alternativas: maneira pela qual o ato promove o bem-estar do grupo social e dos indivíduos afetados, em comparação com outros atos que poderiam ser praticados;
5) Representatividade: em que medida aquele ato é desejado pelo grupo social por ele afetado; 6) Distribuição social: repartição das consequências sobre os grupos sociais afetados pela decisão, com especial atenção para os grupos vulneráveis;
6) Distribuição social: repartição das consequências sobre os grupos sociais afetados pela decisão, com especial atenção para os grupos vulneráveis;
7) Economicidade: ponderação acerca das consequências econômicas da adoção ou não adoção da decisão, em face das alternativas disponíveis e dos direitos materiais (sobretudo, aqueles que têm status constitucional) do grupo social afetado pelo ato,23 bem como do orçamento disponível para aplicação. [5]
Ou seja, toda decisão na área da saúde, principalmente no âmbito da gestão, deve observar os aludidos pressupostos. E na via judicial o magistrado precisa avaliar se o ato contempla as hipóteses de consequências mencionadas.
Interessante observar que no âmbito sanitário há muitas vezes a colisão entre os interesses da coletividade ou de minorias (todas as pessoas com doenças raras, por exemplo) e de sujeitos determinados (autores dos processos judiciais individuais), cabendo a seguinte reflexão:
Por exemplo, políticas públicas podem ser muito importantes, mas muito caras, como é o caso do fornecimento de medicamentos de alto custo não incorporados ao SUS, com base apenas no direito (abstrato) à saúde. Ou podem ser importantes para grupos minoritários, mas indesejáveis pela maioria, como é o caso da implementação de políticas de ação afirmativa não previstas em lei, mas baseadas no valor (abstrato) da igualdade material. Quer dizer, há uma contradição de consequências.
Nesses casos, a tarefa do administrador será motivar, expressamente, por quais fundamentos as consequências positivas prevalecem sobre as negativas. Se o resultado líquido da política e da decisão for positivo, isto é, se ela gerar mais bem-estar do que mal-estar, quando considerados o conjunto dos atingidos e a distribuição das consequências, ela deve ser realizada. Se o resultado final for negativo, será vedada. É claro que não existe um medidor objetivo para esse tipo de peso. Ele deverá ser demonstrado tecnicamente, em cada caso, de acordo com as peculiaridades das políticas públicas a serem desenvolvidas.[6]
Por isso que as decisões judiciais relativas a processos individuais em saúde (medicamentos e outras tecnologias em saúde) não podem desconsiderar as consequências no plano coletivo (macroconsequências) e focar apenas no caso individualizado. Isto é importante porque a judicialização da saúde, não obstante a tutela das pessoas, também se tornou um grande nicho de negócio para vários setores (laboratórios, médicos, advogados, entre outros).
De outro lado, as consequências não podem ser aplicadas de modo absoluto. A interpretação não pode levar a resultados extremos: “um médico, poderia matar um paciente saudável para salvar as vidas de cinco pessoas que precisassem de transplantes?”[7]
Portanto, as consequências decisórias configuram importante parâmetro para o gestor e o julgador e não podem ser desconsideradas, sob pena de violação às normas da LINDB[8].
Notas e Referências
[1] BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em: 19 Mar. 2022.
[2] Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
[3] Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.
[4] Alguns critérios para controle da consequência: “consequencialismo moderado (dado que não apenas as consequências da decisão devem ser levadas em conta), concreto (eis que enfoca as consequências concretas da decisão, não apenas as desejadas), maximizante (dado que pretende avaliar as consequências como melhores ou piores que as alternativas, não apenas como satisfatórias ou insatisfatórias), agregado (já que considera o total das consequências da decisão, o saldo das consequências positivas e negativas, não só suas parcelas), não igualitário (já que os impactos devem ser considerados ponderando os grupos sociais sobre os quais incidem, sobretudo os mais vulneráveis, não de modo uniforme) e avesso a perdas (consequências que impõem prejuízos aos administrados devem ser consideradas mais negativas do que aquelas que impõem a não obtenção de um benefício equivalente).” (In: VITORELLI, Edilson. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a ampliação dos parâmetros de controle dos atos administrativos discricionários: o direito na era do consequencialismo Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 279, n. 2, p. 91-92, maio/ago. 2020).
[5] VITORELLI, Edilson. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a ampliação dos parâmetros de controle dos atos administrativos discricionários: o direito na era do consequencialismo Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 279, n. 2, p. 93-94, maio/ago. 2020.
[6] VITORELLI, Edilson. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a ampliação dos parâmetros de controle dos atos administrativos discricionários: o direito na era do consequencialismo Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 279, n. 2, p. 97, maio/ago. 2020.
[7] VITORELLI, Edilson. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a ampliação dos parâmetros de controle dos atos administrativos discricionários: o direito na era do consequencialismo Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 279, n. 2, p. 99, maio/ago. 2020.
[8] Interessante observar que eventual ato ilegal pode ser mantido se a consequência for mais positiva do que negativa: “dependendo das circunstâncias do caso, poderão e deverão considerar lícitas condutas que, apesar de ilegais, geram consequências cujos benefícios se sobrepõem ao cumprimento da norma, sobretudo, como também afirma o art. 20 da LINDB, em seu parágrafo único, “em face das possíveis alternativas”. Dito de outro modo, se as alternativas disponíveis para o administrador, na situação específica, teriam potencial para gerar consequências piores do que as verificadas, o ato deve ser considerado de acordo com o ordenamento jurídico, ainda que contrário a um texto legal. As consequências, reitere-se, passaram a integrar a avaliação de juridicidade dos atos administrativos.” (VITORELLI, Edilson. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a ampliação dos parâmetros de controle dos atos administrativos discricionários: o direito na era do consequencialismo Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 279, n. 2, p. 105, maio/ago. 2020).
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