Não obstante os excessos, gostei das ocorrências. Desta quadra política em que tanto e com tanta animosidade se polemizou sobre valores que aceitamos ou recusamos no Brasil, creio que se definiram e restarão quatro causas.
Jamais havia visto nossos traços culturais, ideológicos e morais serem solavancados o quanto o foram durante os embates acontecidos no correr desta erriçada campanha eleitoral para a Presidência da República.
Tudo isso exalta concepções valorativas da vida em comum e nos diz a nós mesmos quem somos. Se dependêssemos dos dois grupos mais dispostos à belicosidade, os bolsonaros e os lulopetistas, teríamos padrão único: o deles.
A relação entre esses sectários deu-se na base do “calaboca seu fascista”, ou “calaboca seu esquerdista”. Agiram como quem se considera detentor dos padrões éticos do “Bem”, os quais os brasileiros deveríamos cumprir.
Quanto às causas, ou o móvel dos atos aos quais assistimos, nos envolvendo ou não, referi que se nos destacaram quatro, os conjuntos de princípios que se delinearam durante a campanha eleitoral, e creio que restarão estabelecidos.
Um, a causa feminina (não diria feminista): a posição das mulheres foi catalisada pelo rechaço a Bolsonaro. As manifestações, seja pelo significado, seja pela amplitude, seja pela reação, seja pelo resultado, são uma marca histórica.
O movimento significa mais do que a rejeição a um candidato. Ele marca uma posição, delimita o que as mulheres não estão dispostas a aceitar, sobretudo como retrocesso a conquistas que se estabeleceram, ainda que tantas o aceitem.
As mulheres perceberam que, em se pondo a falar, seguramente se fazem ouvir. Elas se fizeram, nesta conjuntura, autoras da própria causa. Suponho que nunca mais decisões políticas serão tomadas sem sua efetiva participação.
Dois, os lulopetistas: o que nasceu de uma generalidade “contra o sistema” (daí sua importância de contradiscurso social) acabou como um aparelho corrupto, seja por roubo típico, seja por cooptação de camadas sociais influentes.
O petismo “organizou” a corrupção brasileira, fazendo-a política de Estado. A coisa foi a tal ponto que a maior parte dos componentes de seus governos foi posta na folha de pagamento das empreiteiras de obras públicas.
Esta esquerda que tenho por direita cultuará a personalidade de seu líder, repetirá mantras contra o neocapitalismo, glamorizará o chavismo, terá o apoio dos servidores públicos que costumam do público se servir. Sobreviverá forte.
Três, os bolsonaros: é a mentalidade obsolescente do Brasil. Aí está a moral religiosa, o rancor de classe (mesmo entre pobres), a nostalgia da ordem autoritária, a tradição moralista, as hierarquias sociais. Enfim, os “bons” costumes.
Bolsonaro tornou-se a solução dessas aspirações. Como se trata de um maniqueísmo que promete sincretizar a vida pública nas fórmulas de suas patriotadas, não é difícil entendê-lo e, então, fazê-lo “a saída extrema” para o Brasil.
Quem alcança contentamento em rasgos de valentia, em promessas de solução final, em “autoridade”, digamos, patriarcal, achou em Bolsonaro o que procurou em Jânio Quadros, na Ditadura de 64, talvez no “pai” que lhe faltou.
O bolsonarismo vai articular-se, formar partido, estabelecer-se em definitivo na nossa vida pública. Se a direita mundial está recrudescendo (com outros sintomas), aqui ela está, apenas, se evidenciando num reencontro consigo mesma.
Quatro, os de sempre: “Se há governo, sou contra”. Entre nós, inverteu-se a máxima de cariz anarquista: “Se há governo, qualquer governo, sou a favor”. Certos políticos saberão sempre se insinuar pelos palácios governamentais.
Tais políticos não são, entretanto, massa de manobra. Antes, pelo contrário, dão jeito de agenciar governantes, à direita ou à esquerda. Ninguém está inocente dessa gente que compõe com quem quer que tenha a “caneta” na mão.
Mas, sem inocência: composição tem reciprocidade. Referidos políticos compõem com qualquer governante, mas, qualquer governante, ponha-se sob o matiz ideológico que se venha a pôr, tem composto com referidos políticos.
É o que temos, é o que somos. De novidade, as mulheres, que, comprometidas com suas liberdades, reagiram ao machismo bolsonarista, não obstante as tantas delas que se alinharam ao que Bolsonaro ostensivamente significa.
No segundo turno, bem... O segundo turno será ou a confirmação do bolsonarismo, que se vai estabelecer, e a “raspa” das sobras do lulopetismo, reduzido às suas condições iniciais. Quem ganhar não terá base de apoio, terá que negociar.
Há um desafio histórico. Seja quem venha a ser o eleito presidente, terá que encontrar habilidade para composições com o Congresso referenciado por um bom programa, ou repete o que o Brasil tem repetido: o balcão de negociatas.
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