De Cidadã a Geni: a triste trajetória de uma Constituição

31/03/2018

Declaro promulgado o documento da liberdade,

da democracia e da justiça social do Brasil.

(Ulysses Guimarães)

 

Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!

(Chico Buarque)

  

Às vésperas de completar 30 anos de sua promulgação (5 de outubro de 1988) a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) foi denominada por Ulysses Guimarães de “Constituição Cidadã”. O então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Dr. Ulysses Guimarães com emoção e orgulho em seu discurso ressaltou que: 

A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais.

Afrontá-la, nunca.

Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. 

Quando disse que: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”. Ulysses foi calorosamente aplaudido. Pronunciando, ainda: “Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina”. 

Ulysses Guimarães foi dado como morto em 12 de outubro de 1992 em razão de um acidente aéreo de helicóptero no litoral de Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Seu corpo nunca foi encontrado. Após sua morte, quando a Constituição da República ainda era uma criança, muita coisa mudou no País. 

A Constituição Cidadã, comprometida com o Estado Democrático de Direito e com a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) bem como a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) representou, sem dúvida, um marco no reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais. 

Desgraçadamente, hoje, por inúmeras razões, notadamente o avanço do autoritarismo e o discurso oco da impunidade, a cada dia a Constituição - antes Cidadã e agora Geni - é maltratada, amaldiçoada e xingada como se fosse a responsável pela violência e pela criminalidade. A Constituição, antes exaltada e aclamada é hoje em dia, tal como a Geni, execrada publicamente e sem nenhum pudor. 

Os princípios – penais e processuais penais – proclamados na Carta Constitucional se transformaram na voz dos punitivista de plantão em óbice para realização de uma “justiça de exceção”. Em nome da perversa lógica de que “os fins justificam os meios” os princípios fundamentais são atropelados e as garantias são ignoradas. 

A Constituição da República é assaltada quando em nome do combate a corrupção é defendida a utilização de “métodos especiais de investigação”, “remédios excepcionais” ou quando arbitrariedades são acolhidas em nome da exceção e de um suposto “ineditismo” da prática criminosa. 

A Constituição da República é ultrajada quando em nome do enfrentamento a criminalidade se propõe a utilização de provas obtidas ilicitamente. 

Afrontam a Constituição aqueles que fizeram da prisão regra e da liberdade exceção. Magistrados que se transformam em verdugos insultam, diuturnamente, a Constituição. 

A Constituição da República é insultada quando processos e condenações são ditados pela mídia em atropelo ao devido processo legal e em completa desatenção ao processo penal constitucional e democrático. 

Rasgam a Constituição aqueles que não compreendem o verdadeiro significado da ampla defesa e que tomam o advogado como estorvo no ilusório combate ao crime. 

Os verdadeiros inimigos do Estado Constitucional clamam por “emendas” na Constituição para transformá-la em instrumento de repressão, inclusive, com o aniquilamento de direitos e conquistas sociais. 

A Constituição devemos respeito e obediência. Como disse Ulysses Guimarães, “Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”. 

Mal sabem eles que quando os fascistas chegarem, em seu enorme Zepelim, vão todos em romaria beijar a mão da Geni, “o prefeito de joelhos, o bispo de olhos vermelhos e o banqueiro com um milhão...” Mas, aí, pode ser tarde, pois não haverá mais direitos e garantias, para ninguém.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Constituição // Foto de: Gil Ferreira/Agência CNJ // Sem alterações

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