Das relações de poder à dominância econômica e religiosa de um mundo inóspito: Mad Max - Fury Road

12/12/2015

Por Felipe Halfen Noll e Laura Mallmann Marcht - 12/12/2015

Mad Max: Fury Road é uma obra atual que segue a lógica de seus três primeiros filmes da franquia. Iniciou-se em 1979 e teve o último lançamento em 1985, figurando a luta pela sobrevivência do protagonista Max num mundo pós-apocalíptico, desértico e de plena escassez de recursos. A “loucura” é muito comum entre os personagens dos filmes, condição essa que se manifesta na ignorância dos aspectos abstratos e até então idealizados de humanidade, muitas vezes exponenciada pelo fanatismo.

O filme impactou o público crítico dos cinemas por repartir o protagonismo de Max com a Imperatriz Furiosa, personagem de fortes convicções que, estando no volante de uma das “máquinas de guerra” de Immortan Joe, encontrou a oportunidade de fugir de um ambiente opressor onde as mulheres eram tratadas como objeto, levando consigo as esposas do vilão, vinculadas até então à tarefa de lhe conceber filhos saudáveis.

No decorrer da película fica evidente a quebra que há com a tradição hollywoodiana de fragilizar e sensualizar as mulheres, que acabam pegando em armas na luta por liberdade. Porém, a presente análise visa mais do que apenas o estudo das relações de gênero, visa principalmente, discutir como as relações de poder constantes na obra se desenvolvem no cenário político atual.

Logo de início o público é apresentado ao grande ditador Immortan Joe. Sua fortaleza, em desconformidade com o cenário catastrófico dominante, é agraciada pela água, que torna possível o plantio e a própria subsistência. Ao sopé da montanha que abriga a fortaleza do governante, aglomera-se um grande contingente de pessoas, miseráveis, desprovidas de mínimas condições de vida, à espera da abertura, mesmo que momentânea, dos dutos de água estocada na fortaleza para seu próprio consumo.

A abertura dos dutos se dá mediante uma ritualística afirmativa do poder do personagem, que aparece pessoalmente em um púlpito iluminado por holofotes e recita “Eu sou seu redentor, é pelas minhas mãos que vocês vão se levantar das cinzas desse mundo”. A frase antecede a abertura dos dutos, que leva a população desesperada a inclusive brigar pela água que escorre pela montanha. Mesmo quando o líder cessa o fornecimento de água (com um simples movimento de alavanca), ele mantém sua postura de conselheiro, advertindo sobre a necessidade de não se deixar viciar em água, o que causaria más reações à sua falta.

Na relação de poder que há entre Immortan Joe e a população sedenta e miserável, fica clara a importância da propriedade da água, que se constitui em instrumento de dominação para a legitimação da “superioridade” do ditador. Para Bobbio, fica clara a relação entre o Poder sobre o homem e o Poder sobre a natureza, destacando que o Poder sobre as coisas pode se converter num recurso para exercer poder sobre os homens (1988, p. 934). A condição de escassez de um recurso vital, como a água, acaba legitimando de forma imperiosa o poder.

Nesse contexto, fica fácil constatar que a detenção dos recursos é premissa para governar. A fortaleza de Immortan Joe exporta água e leite materno (havendo uma “sala de ordenha” para mulheres lactantes) para Gastown, cidade extratora de petróleo e produtora de gasolina e para Bullet Farm, em tradução livre “Fazenda de balas”, fabricante de munições para armas em geral, em troca das “mercadorias” produzidas pelas cidades. Quando da fuga da Imperatriz Furiosa, Immortan clama por reforços das duas cidades, que acabam sendo representadas por seus líderes, também detentores de amplo poder e recursos pessoais.

Os fiéis guerreiros de Immortan Joe, os Warboys, são jovens portadores de tumores e doenças que lhes impedem uma vida muito longa. Esses jovens, crentes em uma religião que adoram o “V8”, são treinados para servir cegamente às ordens superiores e morrer em batalha para “dirigirem livres, eternamente, nas estradas do Valhalla”. Pode-se dizer que a criação do mito veio “de cima para baixo” para atribuir um sentido proveitoso ao líder carismático.

Outrossim, é importante frisar que o próprio Immortan é visto como uma figura divina. Evidencia-se isso quando um simples olhar seu assegura, para o imaginário de um dos guerreiros, a sua espera no Valhalla, da mesma forma que, em determinada altura do filme, na tentativa de inspirar um ato de bravura, Immortan Joe promete levar pessoalmente o jovem Nux aos portões desse cultuado paraíso.

É aqui que se pode evidenciar outra forma de dominação, que usa de uma fundamentação divina para legitimar o governo de um sobre os outros. Quando o personagem ditador assume a possibilidade e faz a promessa de levar Nux aos portões do Valhalla, ele está assumindo que têm o poder de transpor a barreira da vida, portanto, é superior aos demais que não o conseguem. Partindo dessa premissa, por mais que não seja explicitado na película, fica subentendida a justificativa de que seria de vontade divina que Immortan governasse os demais, sendo ele mesmo dotado de caráter divino.

Assim há a aparição de uma forte crise da democracia política, em que os cidadãos – os sobreviventes da chacina apocalíptica – não são ouvidos em suas solicitações, apenas submetidos ao que os resta, ou seja, a um estado excepcionado pela ausência de um ordenamento jurídico em conformidade com o cenário pós-apocalíptico, como delineia Giorgio Agamben.

Dessa forma a obra retrata um mundo castigado pela própria humanidade. Mundo este estéril pelas guerras nucleares, dentre outras atuais ao primeiro filme da franquia. Mad Max desde seu primeiro lançamento foi capaz de pintar um cenário metafórico, entretanto, de desordem em decorrência da superveniência de uma força maior, causa pelos abusos do homem.

O mundo supracitado, mantém nele não apenas os valores universais, nem mesmo a ética, reforçados pela Carta dos Direitos Humanos, mas a própria preponderância do poder econômico e da dominância de uns sobre os outros, leva os telespectadores a relembrar do clássico homo homini lúpus e da importância do Estado, em sua configuração democrática e laica, à manutenção da união social e paz civil.


Notas e Referências:

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varriale, João Ferreira, João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. 11. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. 1330 p.


Rede Garantismo Brasil, disponível em: www.garantismobrasil.com

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FELIPE (1)

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Felipe Halfen Noll é acadêmico do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS e bolsista voluntário no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto.

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Laura Mallmann Marcht

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Laura Mallmann Marcht é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS e bolsista voluntária no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto.

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Imagem Ilustrativa do Post: London Islington May 13 2015 067 Mad Max Fury Road // Foto de: DAVID HOLT // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/zongo/16990948713/

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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