Das regras de prevenção e de competência absoluta nos tribunais

05/06/2023

No processo civil brasileiro, interessantes se revelam as regras de competência e prevenção, mais precisamente quando estamos nos referindo aos tribunais.

Vale dizer, quando é prevento o relator? Em que momento processual lhe é atribuída competência absoluta, consagrando o princípio do juízo natural em segunda instância?

Primeiramente, é importante frisar que não se revela adequado falar em delegações de competência no processo civil. Já encontram-se pré-estabelecidas no Código de Processo Civil as funções dos sujeitos processuais.

A título de exemplo, há abalizada doutrina a sustentar que a competência para julgamento do agravo interno, materializa o controle e fiscalização, pelo colegiado, da delegação de competência ao relator, nas hipóteses que lhe é autorizado proferir decisões monocráticas.[1]

Ao revés, a competência atribuída ao relator, nas hipóteses do artigo 932 do CPC, é funcional e não delegada.

A própria lei de regência processual, atribui a competência para prolatar decisões monocráticas baseadas e autorizadas pelo rol lá descrito.[2]

Os termos escolhidos pelo legislador ratificam o afirmado, atestando que “incumbe ao relator”, lhe dando poderes, e, consequentemente competência para tanto.

O recurso de agravo interno se revela, não em um mecanismo de controle pelo colegiado de eventual competência delegada, mas sim em uma faculdade da parte sucumbente acionar o órgão fracionário.

Entendo que a competência funcional absoluta deferida pelo legislador ao relator, se revela em uma verdadeira atenção a celeridade e economia processuais, não mais do que isso.

Destarte, alguns comportamentos e algumas decisões, são de competência unipessoal, sem que seja necessária a participação do colegiado.

Dentre elas, o relator deve apreciar pedido de tutela provisória, não conhecer de recurso inadmissível e negar provimento ao recurso contrário a orientação jurisprudencial vinculante.

Qual é a razão de o código atribuir a competência para revisão das decisões monocráticas ao colegiado e ao mesmo relator o julgamento das suas próprias decisões em sede de embargos de declaração?[3]

Apenas uma escolha legislativa de atribuições de competência jurisdicional. O fato corrobora o argumento de que não há delegação no processo civil.

Pois bem. Toda competência de tribunal e relator é uma competência absoluta. Não há qualquer possibilidade, tampouco faculdade, das partes em eleger determinado órgão recursal ou julgador, como a flexibilização em se escolher foro mais acolhedor, dentre as opções oferecidas, como em primeiro grau.

O alegado se fortifica, quando estamos nos referindo a competência para o julgamento de recursos, hipótese em que será sorteado um relator, que receberá o apelo e permanecerá prevento para qualquer outro recurso interposto no mesmo processo ou, até mesmo, em autos conexos, tudo a estreitar e enrijecer a sua competência absoluta.[4]

O momento em que ocorre a prevenção é o do protocolo do primeiro recurso no processo, aquele que inaugura a competência do tribunal.

Vale lembrar que os tribunais detêm competência para elaborar a sua própria legislação interna, materializada pelos regimentos, mas com o dever de obediência à lei processual de regência, devendo a ela adaptar-se.

Diferentemente do que parte da doutrina sustenta[5], o desrespeito às regras de prevenção do relator gera nulidade absoluta.

As possibilidades de prorrogação de competência dizem respeito ao território e ao valor da causa, e, no que tange ao território, os desembargadores compõem um mesmo órgão físico, em que pese podendo ocupar edifícios distintos, mas uma unidade incindível em relação ao território.

Além disso, o valor da causa é exigido em primeiro grau de jurisdição, a não ser que se trate de uma ação originária, mas esse requisito também não detém o condão de alterar uma competência, nos tribunais, que se revela absoluta e funcional, não existindo qualquer exceção para tanto.

Os próprios colegiados desenvolveram mecanismos para evitar a distribuição de recursos para relatores diversos daquele prevento, consubstanciando em grande prejuízo para o processo e para a segurança jurídica o desrespeito à essa exigência processual.

Por certo, existem situações em que não há a alteração de competência, mas unicamente a mudança da prevenção.

É o caso de relator que muda de turma, levando consigo apenas a relatoria do processo a ele anteriormente distribuído, mas qualquer recurso subsequente relacionado ao processo ou em autos conexos permanecerá a cargo do órgão fracionário originário, sendo necessária a redistribuição para novo relator.

Creio que as regras de competência processual, em sede dos tribunais, fortalecem o princípio do juízo natural, ao passo que encontram-se perfeitamente esclarecidas, evitando uma eventual escolha de um relator mais simpático à parte.[6]

Porém, o digesto processual leciona que torna prevento o relator o primeiro recurso interposto no processo. Posto isto, as ações originárias de tribunal ou incidentes a serem processados perante os tribunais tem o poder de prevenção?

O caput do artigo 930 aduz que a distribuição perante as cortes observará a alternatividade, o sorteio e a publicidade e será disciplinada pelo regimento interno.

O regimento interno do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, em seu artigo 81, atesta que as ações originárias e os recursos cíveis e criminais tornam prevento o relator que primeiro os apreciar, importante dizer, no caso das ações originárias, a prevenção será sempre referente ao mesmo processo.

Decisões existem, de outras cortes de segundo grau, no sentido da inexistência de prevenção de relator na apreciação de ação rescisória e incidentes processuais, lembrando que a lei interna dos tribunais podem criar regras procedimentais, mas nunca indo de encontro ao CPC. Vejamos:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO RESCISÓRIA - PREVENÇÃO - INOCORRÊNCIA - HIPÓTESES LEGAIS E REGIMENTAIS NÃO CONSTATADAS. Porquanto a situação não se subsume às hipóteses previstas no art. 930, parágrafo único, do Código de Processo Civil, e no art. 54 do Regimento Interno desta Corte, a anterior relatoria de recurso referente ao processo originário não induz à prevenção, a qual deve ser tratada como medida excepcional, porque exceção à regra da distribuição por sorteio, para o julgamento da ação rescisória. (TJ-SC - CC: 10017545820168240000)

O fato de se ter relatado incidente, no caso Exceção de suspeição, não induz prevenção para processamento e julgamento de Agravo de Instrumento, uma vez que tal incidente não se encontra incluso no parágrafo 1°, do artigo 80 do regimento interno deste Tribunal. (TJMT- CC- 100102120178110000)

Portanto, é de se concluir que a literalidade do parágrafo único do artigo 930 do Código de Processo Civil não deixa margens a interpretação.

Nesse sentido, apenas os recursos são capazes de induzir a prevenção de relator ou órgão fracionário.

Quando muito, podemos citar a prevenção do relator de ação rescisória, em relação aos incidentes processuais a serem resolvidos no mesmo processo, assim como o juiz singular é o competente para solver as questões processuais em processo a ele distribuído.

 

Notas e referências

[1] LUIZ RODRIGUES WAMBIER e EDUARDO TALAMINI, Curso Avançado de Processo Civil, Vol. 2, 17ª ed., RT, p. 575

[2] Art. 932, CPC

[3] Art. 1.024, parágrafo 2°, CPC

[4] Art. 930, parágrafo único, CPC

[5] MARCO ANTONIO RODRIGUES, Manual dos Recursos, Ação Rescisória e Reclamação, Atlas, 2017, p. 143

[6] (LUIZ GUILHERME MARINONI, SÉRGIO CRUZ ARENHART e DANIEL MITIDIERO, O Novo Processo Civil, 3ª ed., RT, p. 599.

 

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