DAS FORMAS DE ASSUNÇÃO A CARGOS PÚBLICOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

12/11/2024

“O errado é o certo de tudo isso’’

Herbert Helder

Uma Constituição instaura novos fundamentos ao Estado que, por sua vez, engaja a política e a administração pública[1].

A Administração Pública funciona a partir de órgãos, cargos públicos e agentes públicos, isto é, servidores públicos vinculados por relação estatutária de trabalho, responsáveis pelo atuar da administração e agentes políticos, emergentes da prática social do sufrágio, isto é, de eleições periódicas para exercício de mandato temporário, os quais serão responsáveis pelo direcionamento político.

A constituição vigente regula o sufrágio, universal e igualitário, e a Administração Pública. Diante das inúmeras situações jurídicas e da espinhosa questão do direito intertemporal, projeta-se para o futuro e busca, mediante regras de transição, criar liames necessários à consolidação do estado de coisas que pretende, performaticamente, constituir. Desde a Grécia, a constituição é poesia[2] e, busca, sobretudo, criar um Estado baseado no mérito para que a atuação estatal seja emoldurada de racionalidade na alocação de recursos públicos e no proporcionar serviços públicos de qualidade. 

A assunção em cargos pode ser diferenciada em três situações: 1) a assunção decorrente do sufrágio, direta ou indireta e 2) a assunção decorrente de concurso público e 3) a assunção exsurgente de contratação temporária.

A Constituição de 1988 estabeleceu a regra salutar e ética qual seja: a da exigência indeclinável do concurso para assunção a cargo público.

Operando a redução sociológica, os Estados na América Latina são Estado por sobreposição em que a política de círculos e a política de clã, muitas vezes, opõem-se ao fazer-se realidade da constituição.[3]

Prescreve o art. 37, inc. II, da CF:

“II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Estabelece-se, portanto, a regra da exigência de aprovação em concurso para assunção a cargo público.

A regra da exigência concurso só é excepcionada em dois casos. Um, voltado a resolver questão de transição entre a nova normatividade e as situações do passado. Outro, voltado a resolver questões emergenciais em que a feitura do concurso, pela demanda de tempo, seria inviável e deixaria em aberto questões prementes para resolver:

1. Contratação pela CLT ou situação fática consolidada conforme estabelece o art. 19 do Atos das Disposições Constitucionais Transitórias:

“ Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37 da Constituição, são considerados estáveis no serviço público. “

2. contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, inc. IX, da CF).

A regra da exigência do concurso tem sentido moral e político. Moral na medida em que expunge o favoritismo, o caudilhismo; político na medida em que a formação da vontade estatal é feita por pessoas habilitadas e capazes de agir de forma impessoal, objetiva e republicana[4].

Saliente-se que a contratação por tempo determinado não se relaciona ao cargo em si como propaga a doutrina mentalmente colonial, mas à necessidade de debelar situações urgentes de crise.

Dessa forma, as possibilidades juridicamente válidas são:

1. os efetivos, isto é, os concursados (art. 37, inc. II, da CF)[5];

2. os estáveis pela regra de transição, isto é, os que 5 anos antes da promulgação da Constituição Federal, são enquadrados nas hipóteses do 19 do Atos de Disposições Constitucionais Transitórias;

3. os contratados por tempo determinado (art. 37, inc. IX, da CF).

4. os agentes políticos eleitos e os de livre nomeação;

Afora essas possibilidades, todas as situações são inconstitucionais e carecem de normatividade.

 

Notas e referências:

[1] VEDEL, Georges. Manuel Élémentaire de droit constitutionnel. Paris: Recueil Sirey, 1949.

[2] Ver nosso: NASCIMENTO, Luis Eduardo Gomes do. Do discurso retórico da legalidade à construção societária da legalidade. Curitiba: CRV Editora, 2024. Ver também: DUSSEL, Enrique. Filosofía de la producción. Bogotá: Editorial Nueva América, 1984.

[3] Sobre o tema, ver: NASCIMENTO, Luis Eduardo Gomes do. Marxismo, Arqui-Espaço Agrimensuras Críticas. Curitiba: CRV, 2024, Ebook, página 13-14.

[4] Sobre a importância das regras republicanas, ver: ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.

[5] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. Segundo afirma a autora, efetivo é o servidor cuja forma de provimento adveio de concurso público. Estável é o servidor, efetivo ou não, que usufrui das prerrogativas inerentes aos servidores públicos.

 

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