DANOS AMBIENTAIS: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENTE MORAL

08/05/2020

O presente artigo científico versa sobre uma análise doutrinária e jurídica da responsabilização civil, nos danos ambientais que são cometidos por Ente Moral[1]. Abordou-se o conceito de meio ambiente e suas modalidades, bem como sobre o objeto de estudo do Direito Ambiental. Examina-se a proteção constitucional ao meio ambiente, que está prevista no artigo 225 da Constituição Federal. Relata-se, de forma breve, acerca do conceito da responsabilidade civil e suas formas objetivas e subjetivas, como instrumento de comparação com a responsabilização civil ambiental, a qual está prevista na Lei 6.938/81. Trata sobre a existência de danos ambientais praticados por ente moral e quais os meios processuais utilizados para a reparação dos danos, com base em Ação Civil Pública e Ação Popular; ainda, especifica as formas de reparação que o ente moral deve executar, no caso de prática de lesão ao ecossistema.

O presente estudo trata da tutela constitucional que, em seu artigo 225, assegura a proteção ao meio ambiente, além de outras leis que garantem a proteção à natureza. O desequilíbrio que alguns entes morais têm causado ao ecossistema na atualidade torna imprescindível a criação de soluções ou formas de assistência que reparem tais lesões, pois a sociedade civil não se acomoda diante de tais ofensas, sem que sejam sanadas.

Este trabalho abrange alguns pressupostos da teoria da responsabilidade civil, traçando considerações gerais sobre a responsabilidade civil objetiva e subjetiva, enfatizando a objetiva, a qual se aplica à responsabilização por danos ambientais cometidos. Está prevista no artigo 927 do Código Civil e, independentemente de haver dolo ou culpa, o autor do dano tem a obrigação de repará-lo.

Os meios processuais aplicados para a responsabilização civil ambiental são a Ação Popular e a Ação Civil Pública, sendo esta última a mais adequada para apurar os danos ambientais infringidos. A Ação Civil Pública é utilizada para a defesa de interesses difusos e coletivos, de forma que acarreta ao agente causador de um dano o dever de cumprir uma obrigação de fazer, não fazer ou pagar uma indenização pecuniária.

Ao cometer uma agressão ao meio ambiente, o ente moral tem o dever de repará-la, dependendo da amplitude do dano causado. A reparação pode se dar com base em retorno ao “status quo ante”, de forma indenizatória ou compensatória. Em todos os tipos de reparação impõe-se um custo ao degradador, cujo objetivo é afastar o dano causado e desestimular novos comportamentos que causem degradação ao meio ambiente. Não deve ser apenas o dano ambiental objeto de reparação, mas também o bem-estar e a qualidade de vida da sociedade, assim como a restauração do equilíbrio ecológico.

 

PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE

O Direito Ambiental é um ramo do direito público que trata de assuntos referentes ao meio ambiente. É composto de regras e princípios que possuem função de regulamentar as condutas humanas, as quais atingem o ecossistema em todos os seus gêneros. Surgiu da necessidade da proteção ao meio ambiente para as pessoas da atualidade e para as gerações futuras, pois há uma preocupação devido às constantes catástrofes naturais e crimes ambientais, visando preservar o ecossistema para sua conservação.

O Direito Ambiental brasileiro é protecionista, ou seja, visa controlar a poluição, mantendo-a dentro de padrões suportáveis, a fim de proporcionar o equilíbrio e a sustentação da qualidade de vida humana e um espaço ecologicamente harmonioso.

Apesar de já existirem há muito tempo leis afins, o que propiciou visibilidade ao Direito Ambiental, no Brasil, foi a Lei 6.938/1981[2], pois foi a primeira lei que tratou do Direito Ambiental como um todo, não dividindo-o em partes. No artigo 3.º dessa mesma Lei, encontra-se insculpida a definição legal do meio ambiente, que pontifica que o meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Entretanto, entende-se que a definição legal não é suficiente para abarcar todas as modalidades de meio ambiente, pois foca apenas nos elementos bióticos (com vida) da natureza, não tratando das criações humanas que compõem o ambiente.

O meio ambiente é único e indivisível, o qual pode ser classificado, para fins instrutivos, nas seguintes espécies de meio ambiente: 1) o meio ambiente físico ou natural, que compreende os elementos da natureza com ou sem vida; 2) o meio ambiente cultural, que é composto por criações tangíveis ou intangíveis do homem sobre os elementos naturais; 3) o meio ambiente artificial, também formado por bens, frutos da criação humana, mas que, por exclusão, não integram o patrimônio cultural brasileiro, por lhe carecer de valor histórico, paisagístico artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico ou científico que possam enquadrá-las no acervo cultural; 4) e o meio ambiente do trabalho, que é realizado quando as empresas cumprem as normas de segurança e medicina do trabalho, proporcionando ao obreiro condições dignas e seguras para o desenvolvimento de sua atividade laborativa remunerada. O objeto de estudo deste trabalho recai sobre o meio ambiente físico ou natural, bem como em relação à degradação causada pelo ente moral ao ecossistema.

A Constituição Federal foi a primeira Carta Magna brasileira a criar um capítulo próprio ao meio ambiente (Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo VI – Do Meio Ambiente), elevando como um dos direitos fundamentais para os cidadãos a posse de um ecossistema saudável e ecologicamente equilibrado, ou seja, a garantia de uma qualidade de vida para a população brasileira.

O caput do artigo 225 da Constituição Federal mostra que o legislador conseguiu expressar em poucas palavras a importância da proteção do ecossistema e que esse artigo está estreitamente ligado ao artigo 5.º da Constituição Federal, tornando o meio ambiente um direito fundamental da pessoa. O direito a um ambiente equilibrado não se restringe somente aos brasileiros e estrangeiros que residem no território brasileiro, mas a todos que estiverem aqui de passagem, mostrando, assim, o caráter público e difuso da lei.

A Carta Magna, com o objetivo de concretizar a execução do direito a um meio ambiente saudável, elaborou uma série de obrigações ao Poder Público, que estão dispostas no artigo 225, § 1.º, incisos I ao VII, da Constituição Federal[3], que estabelecem direitos públicos subjetivos e que podem ser reclamados a qualquer momento.

Existem outros artigos e incisos constitucionais que abordam sobre a relevância da preservação ambiental pela comunidade; entre eles, está o artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal[4], que reconhece a conservação do ambiente como indispensável para a sociedade, seja porque são necessárias para a preservação de valores que não podem ser mensurados economicamente, seja porque a defesa do meio ambiente é um princípio constitucional que fundamenta a atividade econômica.

Outro artigo constitucional que garante a proteção ambiental é o artigo 5.º, inciso LXXIII[5], que estabelece que qualquer pessoa tem o direito de entrar com uma ação popular para pedir a anulação de um ato prejudicial ao meio ambiente, sendo que não precisará pagar nada por isso.

Dessa forma, após a constitucionalização do Direito Ambiental, busca-se a realização da tarefa mais árdua, consistente na efetivação das normas protetoras ao meio ambiente. Isso efetiva-se por meio de uma regulamentação infraconstitucional cada vez mais rígida, que, progressivamente, vem sendo observada pelo próprio Poder Público e por toda a coletividade. Assim, o desenvolvimento econômico não mais poderá concretizar-se a qualquer custo, devendo ser sustentável, ou seja, observar a capacidade de suporte de poluição pelos ecossistemas, a fim de manter a longevidade dos recursos naturais.

Conforme exposto, apesar de haver um capítulo exclusivo na Constituição Federal destinado ao meio ambiente, há diversos dispositivos esparsos que garantem sua proteção, mostrando, assim, a preocupação do legislador com a preservação ambiental para as presentes e futuras gerações.

 

CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra responsabilidade, em geral, destina-se à obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros. Esse entendimento aproxima-se bastante da compreensão jurídica de responsabilidade, que pode ser configurada como consequência obrigacional da atividade humana, de maneira que todo aquele, capaz de adquirir direitos e exercê-los por si só, responderá por todos os danos que venha a propiciar com seu comportamento no mundo jurídico, podendo a responsabilidade ser de índole civil ou penal.

A responsabilidade, quer seja civil, quer seja penal, resulta de ação contraria à ordem jurídica. Esta e aquela possuem idêntico fato gerador, isto é, a conduta humana. À medida que, na esfera penal, o núcleo é o contraventor e sua repercussão é sentida no cenário social, no Direito Civil privilegia a vítima, procurando restaurar a circunstância anterior, ressarcindo-lhe pelo dano causado, originário da violação de um direito.

Pela perspectiva sociológica, a responsabilidade penal visa tão somente à paz social, ao passo que a responsabilidade civil impõe a determinada pessoa a obrigação de indenizar o prejuízo causado, estando em razão de seu fim essencial, a restauração do status quo ante.

Posto que é comum o desencadeamento de ambas as espécies de responsabilidade por igual comportamento, sendo responsável o agente pelo Estado a uma sanção penal e à vítima, faculta-se em postular a reparação pelos danos sofridos na esfera cível. A função da responsabilidade civil na atualidade é restabelecer um equilíbrio infringido pelo dano, criando o dever de indenizar[6].

A responsabilidade civil divide-se, ainda, em objetiva e subjetiva. Na responsabilidade objetiva, independentemente de dolo ou culpa, irá ocorrer a responsabilização civil e a imposição de reparar o dano. O mero descumprimento, com a presença de nexo causal, conduta e dano, será suficiente para ensejar responsabilidade civil, mesmo que o agente não queira. A responsabilidade civil objetiva também é conhecida como teoria do risco. Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho entende:

Pela teoria do risco, quem tem o proveito de certa atividade deve arcar também com os danos por ela gerados. Em decorrência, deve ser imputada responsabilidade objetiva a quem explora atividade geradora de risco para que não venha a titularizar vantagem injurídica[7].

O Código Civil prevê diversas hipóteses para a responsabilidade civil objetiva; entre elas, a principal está disposta no artigo 927, parágrafo único, que dispõe: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

De acordo com o doutrinador Sergio Cavalieri Filho:

Causa lícitas englobam também as excludentes de ilicitudes, pois se passíveis, os fatos obviamente se tornariam lícitos e não indenizáveis, segundo a responsabilidade objetiva civil, destarte, se assim o fizesse, estaríamos deixando passar batido todo dano ecológico provocado, pois sempre haveria a ocorrência de um caso fortuito, força maior ou mesmo culpa exclusiva da vítima[8].

Em contrapartida, na responsabilidade civil subjetiva existe o elemento do dolo ou da culpa, no momento em que há o consentimento de um ato ilícito. Refere-se às hipóteses em que deve ser identificada a conduta do agente que deu causa a um dano ou culpa, para que haja a imputação da sanção e para gerar a obrigação indenizatória[9].

A responsabilidade subjetiva está prevista no artigo 186 do Código Civil, que dispõe: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Sendo assim, faz-se necessária a comprovação da culpa daquele que se pretende imputar a obrigação de indenizar.

 

 

RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Referente à responsabilidade civil ambiental, tornou-se primordial saber: 1) qual a medida a ser tomada; 2) a quem se pode culpar, administrativamente ou judicialmente; 3) de quem será a obrigação de restaurar os danos causados ao ambiente; 4) quem deve assumir as penalidades pelas infrações à legislação de proteção ambiental.

Conforme disposto no artigo 225, § 3.º, da Constituição Federal[10], a responsabilidade civil não exclui outras responsabilidades de natureza penal e administrativa; a regulamentação do referido artigo efetiva-se por meio da Lei 6.938/81. A Carta Magna destaca que a responsabilidade civil, pelas lesões causadas ao meio ambiente, pressupõe cumprimento do princípio da responsabilidade objetiva e solidária.

Como informa a Súmula nº18 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo[11], em matéria de dano ambiental, a Lei n° 6.938/81 estabelece a responsabilidade objetiva, o que afasta a investigação e a discussão da culpa, mas não se dispensa do nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem causou o dano. Se o nexo não é estabelecido, é caso de arquivamento do inquérito civil ou das peças de informação.  

Portanto, na responsabilidade civil por danos ambientais não se faz necessária a investigação e a comprovação da culpa do agente, mas é necessário que seja estabelecido o nexo causal entre o fato ocorrido e a ação ou omissão do agente a quem se pretende responsabilizar pelo prejuízo ocorrido.

O pressuposto para que ocorra uma responsabilização civil ambiental é a ocorrência de um dano ecológico. A Lei 6.938/81 trata sobre poluição e degradação, porém, não há uma definição legal para dano ambiental. A partir da interpretação da referida lei, pode-se classificar dano ambiental como toda ação praticada pelo homem que subtraia ou diminua um bem ou interesse ambiental.

O dano ambiental é toda interferência antrópica infligida ao patrimônio ambiental (natural, cultural, artificial), capaz de desencadear, imediata ou potencialmente, perturbações desfavoráveis ao equilíbrio ecológico, à sadia qualidade de vida, ou quaisquer outros valores coletivos ou de pessoas[12].

A Lei 6.938/81 dispõe como uma das finalidades da Política Nacional do Meio Ambiente a aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador, o qual visa a imposição de todas as medidas necessárias à prevenção dos danos ambientais e, também, no caso de ocorrência de degradação ao meio ambiente, exigir a compensação econômica.

Dessa forma, por esse Princípio, deve o poluidor responder pelos custos sociais da degradação causada por sua atividade impactante, ou seja, internalização dos prejuízos causados, devendo-se agregar esse valor ao custo produtivo da atividade, para evitar que se privatizem os lucros e se socializem os prejuízos ambientais, voltando-se principalmente aos grandes poluidores. Logo, caberá ao poluidor compensar ou reparar o dano causado, em razão da sua atividade poluidora.

Ressalta-se que esse Princípio não deve ser interpretado de forma que haja abertura ilimitada à poluição, desde que se pague (não é Pagador-Poluidor e sim Poluidor-Pagador), só podendo o poluidor degradar o meio ambiente dentro dos limites de tolerância previstos na legislação ambiental, após licenciamento.

Aliás, diga-se que a poluição amparada em regular licença ou autorização ambiental não desonerará o poluidor de reparar os danos ambientais, pois não se trata de uma penalidade e sim de um ressarcimento ao meio ambiente, em aplicação ao Princípio do Poluidor-Pagador.

 

DANO AMBIENTAL CAUSADO POR ENTE MORAL

O dano ambiental pode ser causado a partir de uma degradação, que é a alteração negativa adversa das características do meio ambiente, ou com base em poluição, que é causada direta ou indiretamente, podendo ser caracterizada: 1) quando causa prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar da população; 2) quando cria condições adversas às atividades sociais e econômicas; 3) no momento em que afeta desfavoravelmente a Biota (conjunto de todos os seres vivos de uma região); 4) quando afeta as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; 5) ou mesmo quando lança matérias ou energia em desacordo com padrões ambientais estabelecidos.

Pode-se definir o dano ambiental como qualquer prejuízo causado ao meio ambiente por uma ação ou omissão humana. Nota-se que a norma determina que o poluidor responderá pela degradação ambiental, assim considerada qualquer alteração adversa das características do meio ambiente.

Na seara privada, liga-se o dano ao prejuízo ao patrimônio de alguém, uma vez que, mesmo em casos de danos extrapatrimoniais (morais, em sentido amplo), indeniza-se em pecúnia, ante à sua irreparabilidade natural, enquanto que, no Direito Ambiental, existem inúmeras especificidades que impedem a adoção integral da linha privatista [13].

O ente moral provoca estragos de grande proporção ao ecossistema, por conta da falta de cuidados especiais nas fases produtivas de seus negócios. Tornar-se ambientalmente responsável e comprometido, nos dias atuais, é indispensável para a sobrevivência das empresas. O ente moral deve criar medidas específicas para que o meio ambiente seja objeto de cuidados especiais em todas as fases do processo de produção, pois o próprio consumidor cobra atitudes relacionadas à proteção ambiental, quando decide consumir determinado produto ou serviço.

Faz-se necessário um planejamento estratégico nas empresas em que o meio ambiente seja motivo de preocupação, com o objetivo de evitar futuras lesões.

 

MEIOS PROCESSUAIS PARA A REPARAÇÃO DO DANO (AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR)

O meio ambiente é um bem de interesse difuso que, de acordo com o artigo 81 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor[14], é de interesse transindividual, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. São os interesses que ultrapassam a esfera de atuação dos indivíduos, isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva[15].

O Código de Defesa do Consumidor refere-se aos interesses difusos como ligados a uma situação fática, que seria o elo em comum entre os lesionados, os quais dividem o mesmo interesse, de maneira que esse vínculo fático também se submete a uma relação jurídica. Os meios processuais utilizados para reparação dos danos ambientais são, principalmente, a Ação Civil Pública e a Ação Popular.

Sob um prisma doutrinário, se a ação estiver sendo proposta pelo Ministério Público, é correto chamá-la de Ação Civil Pública, que está baseada na Lei 7.347/1985[16] e versa sobre os interesses difusos. Caso a ação seja proposta por associações civis, será denominada Ação Coletiva, que está fundamentada no artigo 81 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor[17].

Antes da criação da Lei 7.347/85, havia grande dificuldade por parte do Ministério Público em reclamar ações de defesa ambiental, sendo que poucas chegaram a ser propostas. Entretanto, após a criação da referida norma, o artigo 5º da Lei nº 7.347/85 enumera, na legitimação ativa, não só o Ministério Público, mas também autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e algumas associações, além da Defensoria Pública.

Esses órgãos públicos legitimados têm compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, que muitos veem como a consagração definitiva no Direito Positivo brasileiro da admissibilidade de transações, em tema de direitos e interesses difusos[18].

A ação civil pública tem como disposição a criação de um fundo em que os recursos não emanam do Poder Executivo, mas sim das condenações judiciais, o qual busca a recomposição dos bens e interesses danificados, não se consubstanciando no ressarcimento dos danos experimentados por meio da agressão ambiental, mas visando à recuperação, ou a tentativa de recomposição de bens e interesses em seu aspecto supra individual[19].

A Constituição Federal, em seu artigo 129, inciso III[20], com o propósito de manter a titularidade concorrente do Ministério Público para a Ação Civil Pública Ambiental, ainda ampliou o propósito da Ação Popular, autorizando-a, nesse momento, não só com o intuito de anular ato lesivo ao patrimônio público ou de instituição de que o Estado participe, mas também para anular ato lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. O objetivo da Ação Popular resume-se à tutela ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao patrimônio cultural, com relação a atos maléficos contra ele praticados, até mesmo por entidade da qual o Estado participe[21].

A Carta Magna também garantiu que todos têm direito ao meio ambiente devidamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, instituindo-se ao Poder Público e à sociedade a incumbência de protegê-lo e conservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A ação civil pública pode ser classificada como a de maior eficácia na responsabilidade civil ambiental. Seu objetivo é a tutela do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado que, em razão da Constituição Federal, não é apenas considerado como um interesse difuso, mas também uma forma de Direito Humano Fundamental. Sua finalidade imediata resume-se em condenação pecuniária ou na obrigação de fazer ou não fazer[22].

Vejamos o entendimento da jurisprudência:

DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEGRADAÇÃO DE ÁREA AMBIENTAL. NEXO DE CAUSALIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEVER DE INDENIZAR. 1. O sistema normativo-ambiental instituído no País, a partir da Lei n. 6.938/81, reflete o princípio da responsabilidade objetiva integral pelo dano ecológico, especificamente: "a) irrelevância da intenção danosa (basta um simples prejuízo); b) irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, no nexo de causalidade, além tenha participado, e, tendo participado, de alguma sorte, deve ser apanhado nas tramas da responsabilidade objetiva; c) inversão do ônus da prova; d) irrelevância da licitude da atividade; e) atenuação do relevo do nexo causal - basta que potencialmente a atividade do agente possa acarretar prejuízo ecológico para que se inverta imediatamente o ônus da prova, para que imediatamente se produza a presunção da responsabilidade, reservando, portanto, para o eventual acionado o ônus de procurar excluir sua imputação"(Sérgio Ferraz, citado por José Afonso da Silva). 2."Não libera o responsável nem mesmo a prova de que a atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo legal, já que as autorizações e licenças são outorgadas com a inerente ressalva de direitos de terceiros; nem que exerce a atividade poluidora dentro dos padrões fixados, pois isso não exonera o agente de verificar, por si mesmo, se sua atividade é ou não prejudicial, está ou não causando o dano" (José Afonso da Silva). 3. Dos autos de infração, verifica-se conduta da ré de exploração de atividade mineral em áreas protegidas em desacordo com a licença ambiental. 4. Comprovado o dano e o nexo de causalidade, cumpre à ré o dever de reparar. 5. Negado provimento à apelação. (AC 2002.34.00.033143-9/DF; apelação cível, e-DJF1 p.90 de 06/08/2010).

Entende-se, portanto, que a Ação Civil Pública visa sempre a suprir a máxima proteção da natureza, reparando, assim, a lesão causada, verificando o nexo da ação e seu efeito, além de oferecer o resultado da demanda reparatória.

 

REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL CAUSADO POR ENTE MORAL

A Constituição Federal preocupou-se em confirmar a incontestabilidade de seu comando e, ao mesmo tempo, garantiu direitos e deveres ambientais a todos, impondo penalidades aos transgressores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, com a resultante obrigação de recuperar os prejuízos causados.

A reparação de danos ambientais, promovida contra o ente moral, pode ser feita de três formas, dependendo de sua amplitude, gravidade e alcance, sendo que, diante disso, o ecossistema poderá ser reparado, indenizado ou recuperado.

Alguns tipos de lesões ao ambiente, mesmo diante de sua gravidade, permitem ao ente moral a recuperação da área degradada, por meio do retorno ao seu “status quo ante”, ou seja, que volte para seu estado natural.

A doutrina brasileira mostra a importância e a prioridade de se adotar a recuperação “in natura” como forma de reparação ao dano ambiental, quando, por exemplo, há o lançamento de poluentes que causam a morte de peixes em um rio; nesse caso, seria inadequada a indenização meramente pecuniária ao proprietário, seja ele o Poder Público ou particular. Dessa forma, seria uma tarefa árdua estabelecer um montante a ser pago. Sendo assim, nesse caso, a reparação poderia ser uma recomposição efetiva e direta do ambiente prejudicado.

Diante do exposto, a reparação desse dano poderia ser feita com base na reintrodução de peixes ao rio, para tentar voltar ao seu “status quo ante”, havendo, assim, a reconstituição e a reposição do bem lesado.

Existe também a condenação indenizatória, a qual é extremamente complexa, pois não é um ato simples transformar um dano ambiental em uma obrigação pecuniária. O objetivo da indenização econômica é a restituição do bem lesado, reparando os danos materiais e morais de quem sofreu a lesão.

Alguns estragos causados ao meio ambiente pelo ente moral podem danificar habitats naturais ou até mesmo extinguir espécies de animais ou plantas; com isso, torna-se difícil estipular um valor pecuniário. O que se pode fazer é estipular um “quantum” indenizatório proporcional ao lucro obtido na prática do dano e que contribua para que o ente moral causador do dano seja desestimulado a continuar cometendo a atividade danosa, amparando quem sofreu o dano.

A Ação Civil Pública é um forte mecanismo para reaver os direitos ambientais infringidos. A lei que instituiu a Ação Civil Pública indica o destino do dinheiro, oriundo da condenação – a reconstituição ao bem vulnerado[23].

Uma terceira forma de reparação ambiental consiste na compensação, que nada mais é do que compensar uma degradação ao ambiente de maneira indireta, sendo o dano reparado ao se introduzir no ecossistema um bem diverso daquele lesionado, mas que assegure, com a mesma competência, o equilíbrio ecológico ao que o anterior oferecia.

A compensação apresenta um resultado mais expressivo do que a indenização pecuniária, visto que, mesmo que o ente moral não corrija diretamente a lesão que ocasionou, por meio de sua atitude compensatória, irá restaurar outros danos ou outros problemas que o meio ambiente apresente, podendo, assim, assegurar a preservação de um ecossistema equilibrado.

Não é raro que os causadores de danos ambientais não façam nada para repará-los, deixando só à natureza o pesado encargo de levar anos para consertar o que o homem destrói em minutos, com o emprego de fogo ou máquinas.

Entretanto, mesmo que a natureza se encarregue de recuperar o ecossistema naturalmente, antes disso, houve uma violação ao direito, quando se degradou o ambiente, portanto, o dever de indenizar a coletividade pelo período em que tiveram a diminuição da fruição do meio ambiente ainda existe e essa indenização deve ser estipulada pela Lei 7.347/85.

 

 

CONCLUSÃO

Quando um dano ambiental é executado por um ente moral, a regra utilizada para o cumprimento da obrigação é a responsabilidade civil objetiva. Existindo uma degradação ao meio ambiente, provocada por uma pessoa jurídica, há o dever de repará-lo, mesmo quando não há a intenção de ocasionar a lesão.

Os prejuízos causados ao meio ambiente são tutelados por diversos meios processuais jurídicos, entre eles, a Ação Popular e a Ação Civil Pública. Entretanto, o meio processual mais eficaz para a apuração da responsabilização civil ambiental é a Ação Civil Pública, a qual versa sobre interesses difusos.

Ao obrigar a pessoa jurídica a executar meios de efetivar a recuperação do ecossistema, seja de forma pecuniária ou até mesmo na recuperação do status quo ante, essa empresa terá uma atenção especial em suas atividades cotidianas, a fim de prevenir e evitar gastos desnecessários, causados por condutas descuidadas que possam lesionar o meio ambiente.

A sociedade atual procura cada vez mais consumir produtos que ofereçam a garantia de que estão sendo produzidos por empresas que se preocupem com um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O ente moral, quando pratica dano ambiental, fica difamado e o papel da comunidade é de se conscientizar e cobrar juridicamente, com base nos instrumentos jurídicos oferecidos, para que esse poluidor seja responsabilizado tanto na esfera civil como na esfera penal, quando for preciso. Faz-se necessário estabelecer padrões na sociedade contemporânea de uma nova cultura jurídica, a fim de prevenir futuros danos ecológicos e evitar a responsabilização ambiental, além de impedir que o ser humano continue agindo de forma desordenada, pois, uma vez causado o dano ecológico, difícil será sua restauração.

 

Notas e Referências

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MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: (Lei 7.347/85 e legislação complementar). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Comentários ao Código de Proteção do Consumidor.  São Paulo: Saraiva, 1991.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 4, 2003.

 

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