Dano moral por recusa à solução extrajudicial justa no Direito do Consumidor: A possibilidade jurídica da reparação moral pela negativa do fornecedor em oferecer tratamento adequado aos conflitos

27/08/2021

Coluna Espaço do Estudante

É pacífica na doutrina e na jurisprudência a existência de um “direito constitucional de acesso à justiça”. Na atualidade, é consenso que esse direito transcende o mero acesso formal ao Poder Judiciário, sendo certo que contempla, também, o tratamento e gestão adequada dos conflitos, bem como o acesso aos meios de resolução extrajudicial. Nesse sentido é a opinião, por exemplo, do Professor Rodolfo de Camargo Mancuso (2013, p. 171), que afirma que, na contemporaneidade, “a jurisdição passa a ser concebida como “‘composição justa dos conflitos’, e não mais, ou não necessariamente, pela solução adjudicada e imposta pelo Estado-juiz”. E, sendo assim, também o acesso à jurisdição passa a ter concepção mais ampla, coerente com as novas dinâmicas sociais.

Mas, como se sabe, a concretização plena desse direito permanece sendo um desafio, não apenas para o poder público, mas, também, para toda a sociedade, em razão de uma série de fatores econômicos, políticos,  culturais, sociais e de organização judiciária. Tratando-se de relações de consumo, o problema do acesso à justiça é ainda mais complexo, considerando-se a disparidade de forças (jurídicas e econômicas) entre os fornecedores e os consumidores. Sobre a existência dessa disparidade, que é conceito nuclear do Direito do Consumidor, Giovani Clark (1994, p. 31) aponta que “na realidade, a suposta liberdade de escolha na economia de mercado é extremamente fantasiosa, principalmente para os consumidores que têm sua liberdade de escolha tolhida pelos donos da produção e da comercialização, estes sim, que gozam dos frutos do liberalismo”. Por essa razão, a Constituição expressamente posicionou a proteção e a defesa dos consumidores como direito fundamental, nos termos do art. 5º, inciso XXXII, da Carta Política.

É precisamente essa disparidade entre fornecedores e consumidores que dá lugar ao fenômeno de que se ocupa o presente artigo: em muitos casos, fornecedores – em especial as grandes empresas, com atuação concertada e economicamente planejada – incorporam os conflitos em seu modelo de negócio, por meio da exploração da vulnerabilidade dos consumidores. Esses fornecedores, intencionalmente, negam ou tornam mais difícil ou oneroso o atendimento às demandas legítimas do consumidor, a fim de estimular a desistência em relação à busca de seus direitos. O fornecedor, assim, cria artificialmente um conflito, recusando-se a prover demandas justas do consumidor, com a expectativa de que este abra mão de perseguir o que lhe é devido. Trata-se de um risco calculado: alguns consumidores, diante dos obstáculos impostos, reivindicarão seus direitos perante os órgãos oficiais (como o Poder Judiciário ou as agências reguladoras); mas é certo que uma parte relevante dos consumidores simplesmente desistirá da empreitada, o que, no fim das contas, torna a litigância economicamente vantajosa para o fornecedor. Esse fenômeno pode ser considerado uma verdadeira “mercantilização da litigância”.

Imagine, por exemplo, que um consumidor adquira um par de fones de ouvido e, ao recebê-los, perceba que existe defeito na emissão do som. Trata-se de aplicação cristalina do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor (vício do produto), sendo devida ao consumidor a correção do vício no prazo legal, ou, alternativamente, sua substituição por outro da mesma espécie ou a restituição da quantia paga. No entanto, imagine que o consumidor encontre diversas dificuldades para fazer contato com a empresa. E, quando consegue, seja informado de que deverá preencher uma série de formulários e enviá-los, pelo correio, à empresa, a qual efetuará o reembolso em até seis meses. Além disso, suponha que a empresa determine que o consumidor deverá custear o frete de devolução do produto. É certo que as exigências do fornecedor, nesse caso, são totalmente incompatíveis com as normas de proteção ao consumidor positivadas no ordenamento jurídico. Mas, no caso concreto, é muito provável que o consumidor simplesmente abra mão de perseguir seu direito, à luz das dificuldades impostas pelo fornecedor, que é parte mais forte da relação. Se as chances de esse consumidor cumprir todas as exigências da empresa são pequenas, são ainda menores as chances de ele propor uma ação judicial visando à garantia de seus direitos. Ainda que o faça, será um processo demorado, oneroso (psicológica e financeiramente) e surtirá efeito apenas em relação a esse consumidor (dentre tantos outros que podem estar sofrendo a mesma violação de direitos).

Nos últimos anos, esse fenômeno, que não é exclusivo do Brasil, foi inteligentemente percebido pela cultura popular. O músico canadense Dave Carroll, por exemplo, teve seu violão Taylor quebrado pela empresa United Airlines durante o manuseio de bagagem. Após mais de um ano buscando incessantemente o fornecedor em busca da devida reparação, o artista recebeu a definitiva negativa de indenização, tendo jurado ao funcionário da empresa publicar três músicas sobre o fato. Poucos dias após o lançamento do primeiro videoclipe, a música já havia obtido milhões de visualizações no YouTube e ganhado o primeiro lugar na iTunes Store, repercussão que impactou negativamente a imagem da companhia. A estratégia empresarial também foi bem captada na música “Thanks for Your Time”, do australiano Gotye.

A “mercantilização da litigância”, contudo, não é impossível de se coibir. A própria concorrência entre os atores econômicos, quando em condições adequadas (“concorrência perfeita”), parece ser um instrumento eficaz. Os atores do mercado, quando em concorrência, tendem a melhorar seus sistemas de atendimento e flexibilizar procedimentos, com vistas a se destacarem e fidelizarem o consumidor, ainda que a um custo maior. É o que, hoje em dia, se vê entre os grandes varejistas (como Magazine Luiza, Americanas, Amazon, Shoptime, dentre diversos outros). Por exemplo, à altura do dia 23 de agosto de 2021, no portal “ReclameAqui”, 4 das 7 empresas que mais haviam resolvido conflitos pela plataforma eram do ramo do varejo eletrônico. No entanto, a concorrência permanece sendo insuficiente para coibir essa prática no caso de produtos e serviços altamente sensíveis a preço ou de mercados oligopolizados, como é o caso dos setores aéreo, bancário ou de telecomunicações.

Nesses casos, mecanismos jurídicos podem ser mobilizados. O principal deles é a ação coletiva, por meio da qual é possível tutelar o interesse de um grupo amplo de consumidores (determinados ou indeterminados) de uma só vez, através de substitutos processuais (Ministério Público, associações de defesa do consumidor, dentre outros admitidos por lei). Embora, nos últimos 20 anos, o Brasil tenha avançado bastante na sistematização e normatização das ações coletivas (por meio, por exemplo, da legitimação das associações para a ação civil pública, trazida pela Lei nº. 11.448/2007), o sistema de proteção ao consumidor ainda demanda atuação mais concreta e mais efetiva. Isso porque, com a ação coletiva, o fornecedor perde a possibilidade de explorar a fraqueza individual do consumidor, prejudicando como um todo a estratégia de exploração econômica dos conflitos. Nessa linha é a opinião de Eduardo Buzzinari Ribeiro de Sá (2009, p. 264-265), que magistralmente ensina:

Atualmente, uma enorme parcela das relações de consumo é representada por contratos de adesão reproduzidos aos milhares e sobre os quais o consumidor não possui nenhuma possibilidade de discussão ou alteração das cláusulas contratuais previamente estabelecidas pelo fornecedor. São exemplos rotineiros: os contratos de fornecimento de água, energia elétrica, serviços telefônicos, contratos bancários, alienação fiduciária de veículos, entre outros. Em todas essas hipóteses não resta alternativa ao consumidor, senão concordar com aquilo que estabelece o fornecedor ou ficar sem o bem da vida. Esse panorama é propício para a ocorrência de diversas modalidades de práticas abusivas que diariamente são enfrentadas pelo Poder Judiciário em uma infinidade de ações individuais pulverizadas. Nesse contexto, é fácil perceber que o consumidor merece formas de proteção mais eficazes, sendo o exercício da tutela coletiva um poderoso instrumento para alcançar esse objetivo. Tomemos como exemplo a inclusão de uma cláusula abusiva em um contrato bancário de adesão que exija a cobrança de uma tarifa ilegal de valor pecuniário irrisório. Sendo o dano insignificante sob ponto de vista individual, poucos serão os consumidores que buscarão a tutela do Poder Judiciário para corrigir a ilegalidade. Não obstante, o dano poderá constituir um valor substancial em seu conjunto, considerando que os consumidores lesados podem chegar aos milhares. Daí, a importância do ajuizamento de ações coletivas para a defesa da ordem de consumo. (SÁ, 2009, p. 264-265)

Além da ação coletiva, as agências reguladoras exercem papel importante no sistema de resolução de conflitos de consumo. Embora não eliminem totalmente as dificuldades impostas pelas empresas aos consumidores, o recurso a essas agências, em âmbito administrativo, ainda é muito mais simples, rápido e barato que o ajuizamento de uma ação judicial. Alguns mecanismos instituídos por agências reguladoras são o Portal ANATEL Consumidor e a Ouvidoria ANEEL.

No entanto, apesar de uma conjunção de esforços no sentido contrário, esse tipo de prática permanece sendo comum no mercado de consumo brasileiro. O que o presente artigo busca discutir é a possibilidade de esse tipo de conduta do fornecedor ser considerada ilícita e apta a provocar dano moral. De pronto, adianta-se que nossa resposta será afirmativa. Analisemos, portanto, os requisitos de que dependem a mencionada obrigação de indenizar, fundada no que pode ser chamado de “dano moral por recusa à solução extrajudicial justa”.

Como já mencionado, a ideia de acesso à justiça não se limita à ideia de acesso ao Poder Judiciário, nem é incumbência exclusiva do poder público. A Constituição da República, logo em seu preâmbulo, deixa clara a maneira por meio da qual o acesso à justiça deve ser compreendido, à medida que anuncia um projeto de sociedade “comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. Por sua vez, o art. 422 do Código Civil enuncia o princípio geral da boa-fé objetiva, aplicável a todas as relações contratuais e pré-contratuais, incluindo as de consumo. A doutrina e a jurisprudência já são pacíficas em reconhecer a função integrativa da boa-fé objetiva, que impõe às partes contratantes uma série de deveres anexos aos deveres expressamente pactuados (figura que, na common law, é representada pelos implied terms). Alguns deveres anexos gerais aos contratos são os de lealdade, honestidade, probidade, cooperação, confiança e informação, já tendo sido amplamente reconhecidos em diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do seguinte:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. DOAÇÃO DE COTAS EM FAVOR DOS FILHOS DO MANDATÁRIO.  CONCLUSÃO DO TRIBUNAL PELO ABUSO DA CONFIANÇA DO MANDANTE E NULIDADE DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL. MODIFICAÇÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. O Tribunal de origem concluiu que o mandatário agiu de má-fé, contra a vontade do mandante, excedendo a confiança que lhe foi depositada em razão de mandato outorgado em situação de vulnerabilidade, para realizar alteração contratual que previa a doação de cotas da empresa para seus filhos, em prejuízo do mandante, e em violação ao princípio da boa-fé objetiva e aos deveres anexos de lealdade, cooperação e informação, declarando a nulidade da alteração contratual.

2. Rever as premissas fáticas que ensejaram tal entendimento encontra óbice nas Súmulas 5 e 7/STJ.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1591707/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 19/12/2019)

No caso das relações de consumo, vislumbra-se proteção ainda mais rigorosa ao contratante de produtos e serviços. Afinal, o Código de Defesa do Consumidor estabelece que são direitos básicos do consumidor a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais” (art. 6º, VI), a "facilitação da defesa de seus direitos” (art. 6º, VIII) e "a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços” (art. 6º, III). Além disso, nos termos do art. 4º, VI, do CDC, a Política Nacional das Relações de Consumo possui como princípio a "coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo”. E, como é cediço, não apenas o Estado é destinatário dessas normas, mas também todos os agentes do mercado, incluindo os fornecedores e a sociedade em geral. É dever de todos promover o acesso à justiça (com a oferta, sempre que possível, de soluções justas aos conflitos), zelar pela proteção do consumidor e contribuir para a facilitação da defesa de seus direitos.

Sendo assim, não há dúvidas de que os fornecedores, ao negarem atendimento adequado às demandas dos consumidores, impondo obstáculos à efetivação de seus direitos, praticam ato ilícito, seja à luz do princípio constitucional do acesso à justiça, do princípio da boa-fé objetiva ou dos direitos básicos do consumidor. O ato ilícito, nesses casos, poderá decorrer de ação do fornecedor (por meio da imposição de exigências descabidas para garantia do direito, por exemplo) ou omissão (quando o fornecedor nega-se a observar direito certo e inequívoco do consumidor, ou nega-lhe tratamento efetivo e célere de sua demanda, segundo sua complexidade).

Em artigo publicado na Revista Eletrônica de Direito Processual - REDP, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Fernando da Fonseca Gajardoni (2020) aborda o mesmo tipo de ato ilícito, mas sob a perspectiva dos deveres de estímulo à autocomposição (art. 3º, §3º, do CPC) e boa-fé processual (art. 5º do CPC). Nesse sentido, o autor destaca que

para os conflitos onde seja evidente quem está certo e quem está errado, é dever das partes e dos procuradores buscar a solução consensual e extrajudicial do conflito. Trazido o conflito ao Judiciário, aquele que resistiu sem razoabilidade à solução consensual (seja demandante ou demandado), impondo arbitrariamente que o caso seja decidido pelo juiz, deve sofrer as consequências do seu comportamento processual conflitivo, em violação ao espírito dos arts. 3º, §§ 2º e 3º, e 5º, todos do CPC, e da Resolução 125 do CNJ. (GAJARDONI, 2020)

Entendemos que o dano ao ofendido, nessas hipóteses, é presumido (tratando-se, assim, de dano moral in re ipsa). Afinal, não se questiona que o ajuizamento de uma ação judicial, ainda que sob o pálio dos Juizados Especiais (Lei nº. 9.099/95), traz ao consumidor uma série de ônus, dificuldades e demanda uma série de diligências, tudo isso sem considerar o estresse psicológico naturalmente derivado do procedimento, bem como o prazo para sua conclusão. Segundo o relatório “Justiça em Números 2020”, o tempo de tramitação de um processo, da petição inicial à sentença, é de 9 meses, nos Juizados Especiais, e 2 anos e 5 meses, nas varas estaduais (CNJ, 2020). Vale lembrar que todos esses ônus e dificuldades não se aplicam aos fornecedores, em especial àqueles que ostentam o caráter de litigantes habituais, os quais possuem ampla capacidade informacional, organizacional e econômica. Ainda que o consumidor tenha sucesso em sua demanda, ele terá sido o maior prejudicado, tendo em vista todos os ônus e diligências que lhe foram impostos e o tempo perdido, apenas para fazer com o que o fornecedor cumprisse a prestação que deveria ter sido cumprida de plano. Ou seja, o consumidor, para fazer jus a um direito que deveria ter sido garantido de ofício pelo fornecedor (ou após uma simples provocação pela central de atendimento), precisou passar por todo o desgaste de um processo judicial.

Trata-se de dano moral próprio, entendido como “aquele relacionado ao denominado pretium doloris (preço da dor), ou seja, aquele gravame capaz de causar dor, sofrimento, amargura, abalo psicológico ou angústia” (CAPEZ, 2020), causado por ato ilícito (omissivo ou comissivo) do fornecedor. A demonstração de culpa do fornecedor é prescindível, tendo em vista que, nos termos dos arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil é objetiva.

No entanto, não será qualquer ajuizamento de ação judicial por consumidor apto a gerar esse tipo de indenização. Admitir isso representaria indevida restrição ao acesso à justiça por parte do fornecedor, o qual também possui o direito de ver seus interesses considerados e discutidos, inclusive em juízo. Se o fornecedor, embora não adimplindo a prestação desejada pelo consumidor, oferece-lhe tratamento adequado e resposta efetiva e célere, não há que se falar em dano moral, tendo em vista que, nesse caso, não haverá ato ilícito, salvo se tratar-se de prestação inequivocamente devida ao consumidor. A configuração do ato ilícito depende da demonstração de que o fornecedor, além de não garantir a prestação desejada pelo consumidor, também se esquiva de seus deveres de honestidade, cooperação e lealdade, seja por meio de omissão ou da imposição ativa de empecilhos ou dificuldades. Ou, embora oferecendo a resposta devida, se esquive de cumprir dever ou prestação certa e inequivocamente devida ao consumidor. É o caso, por exemplo, do fornecedor de produtos pela internet que se recusa a realizar a troca do produto durante o período de arrependimento, nos termos do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor. Ainda que ofereça a negativa de maneira célere e efetiva, estará violando o dever de boa-fé, recusando ao consumidor prestação que lhe é inequivocamente devida, produzindo artificialmente um conflito a fim de desestimular o exercício efetivos dos direitos consumeristas.

A jurisprudência de diversos estados já está se firmando no sentido de admitir o mencionado instituto, em especial na esfera dos Juizados Especiais, a saber:

RECURSO INOMINADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. QUITAÇÃO ANTECIPADA DE DÍVIDA. DIREITO ASSEGURADO PELO ART. 52, § 2º, DO CDC. ATITUDE DO CREDOR QUE DIFICULTA A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO, OBRIGANDO O CONSUMIDOR A PROCURAR O PROCON E O PODER JUDICIÁRIO. DANO MORAL CARACTERIZADO. ASPECTO ESPECIALMENTE PUNITIVO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME. (Recurso Cível Nº 71004103867, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 23/07/2013)

(TJ-RS - Recurso Cível: 71004103867 RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Data de Julgamento: 23/07/2013, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/07/2013)

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C.C. OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – TELEFONIA – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA (INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO, ABSTENÇÃO DE COBRANÇA E RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS DEBITADAS AUTOMATICAMENTE) – Consumidora que busca a condenação da prestadora ao pagamento de indenização por danos morais (R$ 20.000,00) – Operadora de telefonia que insiste na cobrança indevida de mensalidades – Apelante que diligenciou perante o PROCON e a ANATEL, tendo ajuizado anterior demanda, que foi julgada parcialmente procedente, para declarar a inexigibilidade da cobrança mensal de R$ 79,90 debitada automaticamente de seu cartão de crédito final 4986, relativamente à linha telefônica (11) 98102-3999 – Apelada que voltou a realizar novas cobranças, agora no valor mensal de R$ 89,99, debitado automaticamente do cartão de crédito final 6902, relativamente às linhas telefônicas (11) 98586-9787 e (11) 98586-9787 – Operadora que não comprovou a existência de relação jurídica entre as partes – Cobrança indevida – Danos morais caracterizados – Teoria do desvio produtivo do consumidor – Perda de tempo da autora na realização de diligências inúteis – Consumidora que se viu obrigada a diligenciar diversos órgãos administrativos (PROCON e ANATEL) bem como a acionar o Poder Judiciário por duas ocasiões, sofrendo, ainda, insegurança e aborrecimento exacerbado, provocados pelo débito automático das mensalidades que eram indevidas – Indenização por danos morais fixada em R$ 5.000,00, que se mostra razoável, não implicando enriquecimento a quem recebe e que serve para reprimir o ato – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJ-SP - AC: 10744408020198260002 SP 1074440-80.2019.8.26.0002, Relator: Angela Lopes, Data de Julgamento: 09/02/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/02/2021)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. Na espécie, a apelante foi contratada pela apelada, que buscou o cancelamento do contrato sem sucesso. Necessidade de demanda judicial. Aplicação da teoria do desvio produtivo do consumidor. Dano moral reconhecido. Dano moral manifesto. Condenação em R$ 10.000,00 que não se mostra excessiva. Valor que não se configura como excessivo e incapaz de gerar enriquecimento sem causa do apelado. Precedentes desta Câmara, que demonstram que o dano moral foi fixado de forma adequada. Recurso conhecido e improvido, nos termos do voto do Desembargador Relator.

(TJ-RJ - APL: 00105322920198190045, Relator: Des(a). CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ JÚNIOR, Data de Julgamento: 21/01/2021, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/01/2021)

No entanto, é importante esclarecer que, apesar da similaridade entre as ideias, o dano moral por recusa à solução extrajudicial justa é mais amplo que aquele fundamentado no mero desvio produtivo do consumidor, sendo certo que o segundo encontra-se inscrito no primeiro. Para a caracterização do dano moral por recusa à solução extrajudicial justa, basta a demonstração da inércia do fornecedor no cumprimento de dever certo e evidente do consumidor ou a violação aos deveres de informação, cooperação, honestidade ou lealdade na prestação do atendimento devido, por ação ou omissão. Na teoria do desvio produtivo, para ter direito à indenização, o consumidor deve provar que despendeu tempo para resolver o problema e que ocorreu efetivo desvio de sua energia ou tempo útil. Além disso, enquanto a teoria do desvio produtivo enfoca a compensação pelo tempo despendido, a indenização por recusa à solução extrajudicial justa considera, em especial, o estresse e o desgaste enfrentados pelo consumidor, bem como a necessidade de coibição da utilização da litigância como ferramenta econômica.

Portanto, à luz do exposto, busco sistematizar os requisitos necessários para que se configure o dever de indenização por recusa à solução extrajudicial justa:

1. A existência de relação de consumo, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor;

2. Ato ilícito, que pode consistir em:

2.1. Negativa de observância de direito certo e inequívoco do consumidor, sem justo motivo; ou

2.2 Imposição de ônus ou empecilhos exagerados para o exercício de determinado direito pelo consumidor; ou

2.3 Omissão na prestação de informações ou atendimento ao consumidor, negando-se a dar tratamento adequado e célere às demandas apresentadas, conforme sua complexidade;

3. Nexo causal, o qual somente poderá ser excluído nas hipóteses expressamente previstas no Código de Defesa do Consumidor;

4. Dano, o qual, nas hipótese de ato ilícito apresentadas, é presumível.

É certo que, a cada dia, cresce o número de demandas ajuizadas por consumidores contra fornecedores, sendo que, em muitos casos, tratam-se de processos perfeitamente evitáveis, envolvendo conflitos que poderiam facilmente ter sido solucionados por meios menos gravosos. Acredita-se que uma adequada sistematização do dano moral por recusa à solução extrajudicial justa pode contribuir para a concretização dos objetivos e princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição Federal, ampliando os alcances do acesso à justiça e reprimindo a mercantilização do litígio.

 

Notas e Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1591707/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 19/12/2019.

BRASIL. TJ-RJ - APL: 00105322920198190045, Relator: Des(a). CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ JÚNIOR, Data de Julgamento: 21/01/2021, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/01/2021.      

BRASIL. TJ-RS - Recurso Cível: 71004103867 RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Data de Julgamento: 23/07/2013, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/07/2013.

BRASIL. TJ-SP - AC: 10744408020198260002 SP 1074440-80.2019.8.26.0002, Relator: Angela Lopes, Data de Julgamento: 09/02/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/02/2021.

CAPEZ, Fernando. Fernando Capez: breves considerações sobre o dano moral. Artigo [On-Line]. Economia (Portal IG). Disponível em: <https://economia.ig.com.br/colunas/defesa-do-consumidor/2020-08-24/fernando-capez-breves-consideracoes-sobre-o-dano-moral.html>. Acesso em: 23 ago. 2021.

CARROLL, Dave. United Breaks Guitars. Youtube, 6 jul. 2009. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5YGc4zOqozo>. Acesso em: 18 ago. 2021.

CLARK, Giovani. A proteção do consumidor e o Direito Econômico. 1. ed. Belo Horizonte: Interlivros Jurídica, 1994.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. Justiça em Números 2020: ano-base 2019. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2021.

GOTYE (UMG). Gotye - Thanks For Your Time (Official Music Video). Youtube, 5 mar. 2008. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-UvvkWd_dR4>. Acesso em: 18 ago. 2021.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio de acesso à justiça à luz do CPC/15.REDP, v. 21, n.2, 2020.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo estado de Direito. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013.

SÁ, Eduardo Buzzinari Ribeiro de. A Importância das Ações Coletivas nas Relações de Consumo de Massa. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 12, nº 48, 2009.

 

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