O instituto da revelia encontra-se topologicamente localizado em um dos capítulos do processo de conhecimento do Código de Processo Civil.[i]
Apenas pode ser considerado revel o réu que deixa de contestar a ação, e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor na petição inicial.
É importante salientar que os efeitos da revelia apenas atingem o réu quanto aos fatos, nada dizendo a respeito do direito do autor, razão pela qual induz presunção relativa de certeza, sendo permitido ao juiz chegar à conclusão diversa por outros elementos de prova.[ii]
Na ação de conhecimento, caso não haja contestação, as questões fáticas presumir-se-ão verdadeiras, mas as alegações de direito permanecerão a disposição do juiz para instrução e julgamento, não recaindo os efeitos da revelia sobre o direito pleiteado.
Não por outra razão, o legislador permitiu o afastamento dos efeitos da revelia, que não se confundem com ela própria, quando havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação, o litígio versar sobre direitos indisponíveis, a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato e as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.[iii]
Ou seja, a revelia produz efeitos sobre os fatos narrados retirando o do autor o dever de produzir provas. Porém, pode ocorrer a revelia, mas como visto não incidirem seus efeitos, são questões distintas.
Pois bem. No processo de execução, seja no cumprimento de sentença ou na execução de título extrajudicial (procedimentos diferenciados por algumas questões que fogem do objeto do texto, como natureza do título, prazos processuais, formas de citação/intimação, etc.), o direito já se encontra cristalino no título exequendo.
Desse modo, não há que se discutir acerca do direito do exequente, e os fatos de igual forma não podem ser contestados, pois decididos por sentença ou acórdão (em caso de reforma) e acobertados pelo manto da coisa julgada.
Aliás, é vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão e transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.[iv]
Por essa razão, nem mesmo os fatos poderão ser alterados na fase de cumprimento de sentença, muito menos no processo de execução de título extrajudicial, o qual prescinde de um processo de conhecimento e, via de regra, possui um título executivo hígido.
O que resta ao executado nesses procedimentos é unicamente o ônus quanto a desconstituição da eficácia do título executivo e não a apresentação de peça de defesa, a qual, caso ausente, implique em revelia.
Colaciona-se elucidativo precedente do Superior Tribunal de Justiça (AREsp 1.352.507/SP):
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO INTEMPESTIVA. EFEITOS DA REVELIA. INAPLICABILIDADE. INSTITUTO APLICÁVEL APENAS À MATÉRIA DE FATO. PRECLUSÃO TEMPORAL. MULTA DE 10% PELO NÃO PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Os efeitos da revelia não abrangem as questões de direito, tampouco implicam renúncia a direito ou a automática procedência do pedido da parte adversa. Acarretam simplesmente a presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pelo autor (CPC, art. 319).
2. Conforme assentado por esta Corte, "[...]no processo de execução, diferentemente do processo de conhecimento em que se busca a certeza do direito vindicado, o direito do credor encontra-se consubstanciado no próprio título, que se reveste da presunção de veracidade, até porque já anteriormente comprovado, cabendo, assim, ao embargante-executado o ônus quanto à desconstituição da eficácia do título executivo" (REsp 601.957/RJ, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2005, DJ de 14/11/2005, p. 410).
3. Não se aplicam os efeitos da revelia à impugnação do cumprimento de sentença apresentada extemporaneamente, uma vez que as questões de fato relativas ao direito do credor já foram anteriormente discutidas e comprovadas e se encontram acobertadas pelo manto da coisa julgada material.
4. Fica inviabilizado o conhecimento de tema trazido na petição de recurso especial, mas não debatido e decidido nas instâncias ordinárias. Aplicação, por analogia, das Súmulas 282 e 356, ambas do col. STF.
5. Agravo interno provido para negar provimento ao recurso especial.
Portanto, não há que se falar em revelia, tampouco na incidência dos seus efeitos, nos processos de execução.
Quando o executado perde o prazo para impugnação ou embargos à execução, apenas deve-se falar em preclusão temporal que acarreta a intempestividade da manifestação defensiva, bem como a sua inexistência:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DO EXECUTADO. (..)
2.1 Os embargos à execução e a impugnação ao cumprimento de sentença extemporâneos equivalem a peça juridicamente inexistente, sendo inadmissível que o magistrado releve a intempestividade para se manifestar sobre as objeções apresentadas pelo embargante/impugnante, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Precedentes. (...)
4. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 216.583/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 03/05/2018, DJe 10/05/2018)
Um ponto merece relevo. No que diz respeito à exceção de pré executividade, nas hipóteses em que o juiz possa conhecer de ofício matérias de ordem pública, não há que se falar em preclusão temporal.
Da conjugação dos artigos 525 (parágrafo 11), 771 (parágrafo único), 803 (parágrafo único) e 917 (parágrafo 1°), todos do Código de Processo Civil, é possível alcançar à conclusão de que as matérias ali elencadas podem ser objeto de análise em exceção de pré executividade, livre de qualquer espécie de preclusão, a não ser que a parte executada tenha trazido essas matérias em impugnação ao cumprimento de sentença ou embargos à execução, incidindo, a meu entender, aí sim, as três espécies de preclusão (consumativa, temporal e lógica).
Porém, surge outra interessante questão. O réu revel na fase de conhecimento, deve ser intimado pessoalmente para o procedimento executivo?
No que diz respeito a execução de título extrajudicial não há maiores questionamentos, de modo que tratando-se de processo originário, o executado será devidamente citado nos termos da lei, não havendo que se falar em revelia em anterior processo de conhecimento.
Já no que toca ao cumprimento de sentença, a situação muda de figura. Adiante elucidativo precedente (REsp 2.053.868/RS):
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. INTIMAÇÃO. CARTA COM AVISO DE RECEBIMENTO. AUSÊNCIA. NULIDADE. RÉU REVEL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. DESPEJO E COBRANÇA DE ALUGUÉIS. RECURSO PROVIDO.
1. É causa de nulidade processual a falta de intimação do réu revel na fase de cumprimento de sentença, devendo ser realizada por intermédio de carta com aviso de recebimento nas hipóteses em que o executado estiver representado pela Defensoria Pública ou não possuir procurador constituído nos autos, na forma do art. 513, § 2º, II, do CPC/2015.
2. Recurso especial provido para anular os atos posteriores à ausência de intimação para cumprimento de sentença, determinando-se, consequentemente, o retorno dos autos à primeira instância.
No caso em tela, o tribunal local entendeu por desnecessária a intimação da parte executada em razão de ter sido citada na fase de conhecimento, ter permanecido inerte e não ter constituído advogado, caracterizando à revelia e o desinteresse de comparecer à demanda.
Porém, a nova lei processual (nem tão nova) é clara no sentido de que o devedor será intimado para cumprir a sentença por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos.[v]
Em que pese a lei não deixar claro que o réu revel, na fase de conhecimento, deverá ser citado pessoalmente, a interpretação deve ser no sentido de que o executado que não tiver constituído procurador nos autos presume-se revel, aplicando-se a norma.
Desse modo, é importante que os advogados estejam atentos a esse fato. Caso o cliente, revel na fase de conhecimento, não tenha sido intimado pessoalmente no procedimento de cumprimento de sentença, nulos serão os atos posteriores.
Nos termos do artigo 278, do CPC, a aludida nulidade deverá ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão. Valendo-se a norma para o procedimento do cumprimento de sentença, em razão do contido no artigo 318, parágrafo único, do mesmo Diploma Legal.
Assim, não há que se falar em citação do réu revel para a fase de cumprimento de sentença, posto que a citação já se perfectibilizou na fase de conhecimento, ainda que realizada na modalidade ficta.
A ausência de contestação que implica em revelia não se confunde com nulidade de citação. A citação real ou ficta ocorreu, mas o réu não se manifestou.
Desse modo, conclui-se que a revelia é fenômeno processual próprio da fase de conhecimento, além do que o réu revel deve ser intimado pessoalmente na fase de execução (cumprimento de sentença), em razão de ser o processo sincrético e de não ter, ainda, advogado constituído nos autos ou estar representado pela Defensoria Pública.
Notas e referências:
[i] Artigos 344, 354 e 346, do Código de Processo Civil
[ii] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1, 13ª ed., Saraiva, 2016, p. 440
[iii] Artigo 345, do Código de Processo Civil
[iv] COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do Direito Processual Civil, Conceito Editorial, 2008, p. 253
[v] Artigo 513, parágrafo 2°, inciso II, do Código de Processo Civil.
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