Da responsabilidade do dono da obra por verbas trabalhistas: um breve panorama da Orientação Jurisprudencial nº 191, da SBDI - I, do TST, e da novel Súmula nº 40 do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região

08/03/2017

Por Rafael Feitosa da Mata e André Chiabay - 08/03/2017

É inegável, diante da crise econômica existente no Brasil, que a construção civil passa por um período difícil. Segundo matéria da Revista Exame[1], de julho de 2015, por exemplo, uma das decorrências da recessão foi, e, diga-se, vem sendo, a crise da construção civil, que acarretou, dentre outras consequências:  na queda brusca de lucros no setor; na perda de valor de mercado das empresas na bolsa; na diminuição abrupta de obras; na falência de empresas. Isso sem mencionar, ainda, o envolvimento das maiores construtoras do país na denominada Operação Lava-Jato.

Em meio a este contexto, o resultado não poderia ser outro senão as demissões em massa. Segundo levantamento do Ministério do Trabalho[2], a indústria da construção civil teve a maior queda percentual na quantidade de empregados em relação aos demais setores da economia, fechando aproximadamente 82 mil postos de trabalho, o que representa um encolhimento de quase 3,5%. Um cenário que apavora empregados e empregadores e, obviamente, resulta em um aumento significativo nas demandas perante a Justiça do Trabalho.

Com isso, torna-se extremamente relevante e atual o tema aqui analisado. A responsabilidade do dono da obra pelos créditos trabalhistas – não adimplidos pela empresa contratada para prestação de serviços na construção civil – ainda é assunto que divide juristas e doutrinadores, apesar da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, no entanto, já ter consolidado sólido entendimento acerca do tópico, com a edição de uma Orientação Jurisprudencial, a qual veremos a seguir.

Primeiramente, cumpre destacar o embasamento legal da questão. A controvérsia se baseia na dicção – ou, mais especificamente, na omissão – do artigo 455 da CLT, que prevê a responsabilidade solidária do empreiteiro pelos créditos trabalhistas não quitados pelo subempreiteiro. Não tratou o dispositivo, conduto, sobre a relação entre o contratante (comumente chamado de “dono da obra”) e o empreiteiro principal, que mantém, entre si, uma relação basicamente regulada pelas normas do Código Civil (artigos 610 a 626).

Sobre esse hiato legal, portanto, debruçam-se a doutrina e a jurisprudência, nem sempre em consonância. Um dos maiores nomes do Direito Trabalhista contemporâneo, Mauricio Godinho Delgado, Ministro do TST e autor de uma das principais doutrinas no âmbito do Direito do Trabalho, sustenta sua tese de “responsabilização parcial” do dono da obra: para o jurista, uma interpretação ampla e sistêmica do dispositivo contido no artigo 455 da CLT ora justifica o afastamento de qualquer responsabilidade do dono da obra, ora obriga este a arcar com os débitos trabalhistas da empresa contratada.

Em síntese, dentre as hipóteses de irresponsabilidade do dono da obra estão a “empreitada ou prestação de serviços pactuadas perante terceiros por pessoa física, como essencial valor de uso”[3], como nos casos de reforma de residência. A lógica, sob a ótica do jurista, pode se estender às pessoas jurídicas, desde que em casos esporádicos e eventuais, mantido sempre o valor de uso.

Por outro lado, sustenta o ilustre professor que a responsabilização do dono da obra se impõe nos casos de empreitada envolvendo duas empresas, em que “a dona da obra (ou tomadora de serviços) necessariamente tenha de realizar tais empreendimentos, mesmo que estes assumam caráter infraestrutural e de mero apoio à sua dinâmica normal de funcionamento”[4]. Em outras palavras, nas hipóteses em que a empresa dona da obra promova a realização de obra inerente ao exercício ou à expansão de suas atividades, com objetivo intrinsecamente lucrativo, deve esta ser responsabilizada pelas verbas trabalhistas que não foram quitadas pela empresa contratada.

Tal interpretação, em resumo, se justifica pelos riscos da atividade econômica, que, no âmbito do Direito do Trabalho, devem recair sempre à empresa contratante (artigo 2º da CLT), e pela especial valorização que o ordenamento jurídico pátrio concede ao valor-trabalho e à proteção aos direitos laborais.

Além dos dois fatores citados, entende ainda o autor que “a circunstância de uma empresa contratar obra ou serviço de outra, não se responsabilizando, em qualquer nível, pelos vínculos trabalhistas pactuados pela empresa contratada, constitui nítido abuso do direito”[5]. Nestes casos, deverá o dono da obra, portanto, responder subsidiariamente pelos créditos devidos pela contratada - fala-se em responsabilidade subsidiária visto que, nos termos do artigo 265 do Código Civil a responsabilidade solidária decorre da Lei ou de Convenção entre as partes -, como em qualquer outra terceirização lícita de serviços ligados a atividades-meio, em conformidade com o entendimento disposto na Súmula 331, incisos IV e V, do C. TST.

Porém, a jurisprudência majoritária e pacificada do Colendo TST não adota inteiramente a interpretação proposta pelo citado jurista e Ministro da própria Corte Superior.

No que se refere, especificamente, ao dono da obra que não atua nos ramos da construção civil e da incorporação, há entendimento solidificado pela Corte Máxima Trabalhista no sentido de que não há responsabilidade nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, considerando a inexistência de previsão legal específica, nos termos da OJ nº 191[6].

Neste sentido, a referida Orientação Jurisprudencial, em sua nova redação alterada em 2011, é aplicada no Tribunal Superior do Trabalho no sentido literal, razão pela qual o dono da obra que não atua na incorporação ou construção civil deve ser excluído de responsabilidade pelos débitos trabalhistas contraídos pelo empreiteiro, ainda que que o contratante for pessoa jurídica que objetiva fomentar ou expandir sua atividade econômica.

Desta feita, não foi acolhida a tese de responsabilidade subsidiária do dono da obra da forma sustentada pelo Ministro Godinho Delgado, muito embora alguns Tribunais Regionais do Trabalho tenham proferido decisões no sentido de que nas hipóteses em que o dono da obra objetiva aumentar sua capacidade produtiva, ou aperfeiçoar sua produção a fim de maximizar seus lucros, não haveria que se falar na aplicação da OJ nº 191 da SDI-1 do C. TST[7].

Portanto, como exposto, tal entendimento foi pulverizado pelo órgão máximo da Justiça do Trabalho. Assim, para incidência da referida Orientação Jurisprudencial e consequente afastamento da responsabilidade basta que o dono da obra não atue nos ramos que justamente têm como atividade-fim a construção civil – construtoras e incorporadoras –, hipóteses estas que resultariam em nítida terceirização ilícita por parte da empresa contratante.

Já no âmbito do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, que possuía jurisprudência vacilante quanto ao tema, foi admitido recentemente Incidente de Uniformização a fim de unificar o entendimento com relação a responsabilidade do dono da obra perante os débitos trabalhistas contraídos pelo empreiteiro.

Na análise da questão, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho do Estado do Espírito Santo editou a Súmula nº 40, datada de 28 de abril de 2016, a qual, de certa forma, mesclou as duas linhas aqui apresentadas – a da OJ nº 191 do TST e do entendimento do professor Maurício Godinho.

Segundo o entendimento consolidado da Corte, não basta que a empresa dona da obra seja dissociada das atividades de construtora ou incorporadora: será necessária uma análise mais detalhada da natureza do contrato de empreitada pactuado e, principalmente, se a atividade-fim da empresa se associa, de alguma forma, com a obra realizada.

Nos termos do verbete sumular[8], a responsabilidade do dono da obra sobre contratos de empreitada na construção civil se dá em duas situações: a) caso a contratante seja construtora ou incorporadora, na forma já pacificada pela OJ nº 191; e b) nos casos em que o contrato seja de natureza não eventual – leia-se: permanente –, e esteja ligado diretamente à consecução dos objetivos primordiais da empresa contratante, ainda que não atue no ramo da construção civil.

São casos, por exemplo, em que uma empresa com atividade-fim voltada à extração de minério de ferro contrata empreiteira justamente para reparação e conservação dos minerodutos e das estações de bombas e válvulas[9]; ou hipótese em que empresa controladora de hidrelétrica contrata terceirizada para construção da própria usina, objetivando a consecução dos objetivos sociais da dona da obra[10]; ou, então, caso em que a empresa é a “Companhia Espírito-Santense de Saneamento, e sendo a obra contratada relativa à sua própria infraestrutura, atinente à obras de execução das obras e serviços de implantação do sistema de esgotamento sanitário de Viana, ES”[11], dentre outros vários julgados do C. TST que embasaram o acórdão introdutor da supracitada Súmula n.º 40.

Portanto, sob o olhar do verbete sumular capixaba, a empreitada que tenha por objeto a prestação de um serviço vinculada a atividade-fim do contratante, ainda que envolvendo obras, edificações e outras atividades afins, não isenta o dono da obra da responsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas dos empregados do empreiteiro, aplicando-se, nestes casos, a regra geral de terceirização nos termos da Súmula 331, IV e V, do TST.

Vale lembrar, ainda, que mesmo sob a égide da Súmula nº 40 do TRT/17, não seria possível igualar a situação do dono de obra sem fins lucrativos com a situação acima descrita, visto que, nesse caso, não há que se falar em ampliação do processo de produção para maximização dos lucros ou consecução de atividade-fim, como ocorre em obras filantrópicas ou promovidas por entidade religiosa, por exemplo.

Desta forma, pode-se dizer que o cenário inaugurado pela Súmula nº 40 do Tribunal Trabalhista do Estado do Espírito Santo, por mais que sua intenção seja preservar o hipossuficiente da relação aqui exposta, pode trazer insegurança jurídica a uma discussão já complexa e marcada pela divergência existente na ordem justrabalhista, tendo em vista que, conforme análise acima, “alargou” a responsabilidade da empresa dona da obra.

Conclui-se, assim, que se faz necessário um debate mais aprofundado acerca do tema, dada a sua relevância e repercussão nas relações sociais, objetivando oferecer segurança jurídica aos atores que atuam neste importante ramo para o desenvolvimento do país.


Notas e Referências:

[1] Disponível em: http://exame.abril.com.br/revista-exame/a-crise-e-a-crise-da-construcao/. Acesso em 16 de fevereiro de 2017.

[2] Disponível em: http://radioagencianacional.ebc.com.br/economia/audio/2017-01/empresarios-da-construcao-civil-estao-mais-confiantes-aponta-pesquisa. Acesso em 20 de fevereiro de 2017.

[3] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016. P. 550.

[4] Ibid. P. 551.

[5] Ibid. P. 552.

[6] 191. CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL.  RESPONSABILIDADE. (nova redação) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.

[7] TST, RR 11889520125150056, Relator: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 18/03/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/03/2015) e (TST, RR: 411002220085170012, Relator: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 25/02/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/03/2015).

[8] "DONO DA OBRA. CONTRATO DE EMPREITADA. RESPONSABILIDADE PELOS ENCARGOS TRABALHISTAS ASSUMIDOS PELO EMPREITEIRO. O dono da obra de construção civil não é responsável solidária ou subsidiariamente pelos débitos trabalhistas contraídos pelo empreiteiro, à exceção das hipóteses em que o dono da obra atue no ramo da construção civil ou da incorporação imobiliária ou nos contratos de empreitada de natureza não eventual, cujo objeto principal seja a prestação de serviços ligados à consecução da atividade-fim da empresa, ainda que esta última não atue no ramo da construção civil.

[9] RR  -145200-20.2012.5.17.0131  ,  Relator  Ministro:  Douglas  Alencar  Rodrigues,  Data  de Julgamento: 12/08/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/08/2015

[10] (RR - 883300-65.2005.5.15.0143 , Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 27/10/2010, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/11/2010)

[11] RR - 21800-70.2009.5.17.0002 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da  Veiga,  Data  de  Julgamento:  28/08/2013,  6ª  Turma,  Data  de  Publicação:  DEJT 30/08/2013.


Rafael Feitosa da Mata. . Rafael Feitosa da Mata é advogado, especialista em Direito Civil-Empresarial pela Faculdade de Direito de Vitória- FDV, associado ao escritório Varella Dall´Orto e Malek Advogados Associados.. .


André Chiabay. . André Chiabay é advogado, graduado pela Universidade Federal do Estado do Espírito Santo, associado ao escritório Varella Dall´Orto e Malek Advogados Associados. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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