Coluna ASSET/SC
Como restou noticiado pela mídia nacional, no mês de março do ano passado o e. Supremo Tribunal Federal decidiu, pela sistemática da repercussão geral (Tema nº 69), que o valor de ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS/COFINS, sendo que ainda resta pendente a apreciação dos Embargos de Declaração opostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Da leitura das razões que embasaram o mencionado julgamento, é possível verificar o entendimento da maioria dos Ministros da e. Suprema Corte no sentido de que o valor do ICMS não integra a receita bruta das empresas, motivo pelo qual não poderia ser considerado como base de cálculo para a apuração das mencionadas Contribuições.
Diante disso, diversos contribuintes ingressaram com ações judiciais buscando aplicar o mesmo entendimento para outros tributos que também empregam a receita bruta na respectiva apuração, como, por exemplo, o Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL calculados no regime do lucro presumido.
Em muitas demandas que tratam dessa questão, as Procuradorias da Fazenda Nacional, representando os interesses da União – Fazenda Nacional, defendem a legitimidade da inclusão do valor de ICMS na receita bruta utilizada na apuração das bases de cálculo do IRPJ/CSLL, do lucro presumido, por dois motivos: (i) a adoção da sistemática do lucro presumido é facultativa, de modo que, ao optar por tal regime, o contribuinte concordou com a respectiva forma de cálculo, tendo em vista que poderia ter escolhido o lucro real em que é possível a exclusão do ICMS; (ii) o valor de ICMS é excluído da receita bruta no momento da aplicação das margens de presunção de lucro relacionadas ao IRPJ/CSLL.
Acontece que tais argumentos utilizados pelas Procuradorias da Fazenda Nacional são absolutamente insuficientes para justificar inclusão do ICMS na receita bruta aplicada no cálculo do IRPJ/CSLL no lucro presumido.
O primeiro argumento não subsiste tendo em vista que a existência de regimes distintos para o cálculo do IRPJ/CSLL não autoriza o uso de valores que não configuram receita bruta, vez que a “escolha” da forma de apuração feita pelo contribuinte não legitima a cobrança viciada de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Cabe ressaltar que as Procuradorias da Fazenda Nacional deixam de indicar qualquer fundamento constitucional ou legal que justifique tal argumento, pois, de fato, a facultatividade na escolha do regime de apuração do IRPJ/CSLL não torna legítima eventual cobrança indevida.
Ora, o pagamento indevido gera para o contribuinte o direito ao respectivo ressarcimento, nos termos do art. 165 do Código Tributário Nacional, e não a validação de exigência tributária irregular.
Acatar as alegações das Procuradorias da Fazenda Nacional seria o mesmo que
transferir a responsabilidade pela tributação indevida ao contribuinte, em que pese tenha sido exigida de forma ilegítima pelo sujeito ativo.
Explica-se, ao invés de reconhecer a ilegitimidade da inclusão do valor de ICMS na receita bruta utilizada para fins de apuração das bases de cálculo do IRPJ/CSLL, no lucro presumido, transfere-se a responsabilidade ao contribuinte que optou por tal sistemática de recolhimento.
Todavia, o contribuinte não legitimou a inclusão do ICMS na receita bruta, para fins de cálculo do IRPJ/CSLL no lucro presumido, pelo simples fato de optar por essa sistemática de recolhimento, de modo que a tributação eivada de inconstitucionalidade/ilegalidade subsiste independentemente da escolha feita pelo contribuinte.
Aliás, caso não tivesse incluído o valor de ICMS na receita bruta para fins de apuração das citadas bases de cálculo, os contribuintes fatalmente seriam autuados pela Receita Federal do Brasil, sendo uma falácia a afirmação de que houve a legitimação ou a concordância com a mencionada tributação indevida. Ainda de acordo com os argumentos das Procuradorias da Fazenda Nacional, o contribuinte teria, então, competência para legitimar a cobrança inconstitucional/ilegal mediante a mera opção pelo regime de tributação do lucro presumido?
Logicamente que a resposta ao questionamento acima é negativa, eis que o contribuinte não possui competência tributária, mas tão somente é obrigado a observar as imposições legais que lhe são pertinentes.
O segundo argumento das Procuradorias da Fazenda Nacional também não merece prosperar, pois, na verdade, implicaria no reconhecimento da existência de diversas “receitas brutas” do contribuinte.
De fato, admitir a argumentação das Procuradorias seria o mesmo que reconhecer a possibilidade de o sujeito passivo possuir “receitas brutas” distintas, uma utilizada para fins de cálculo do PIS/COFINS (sem a inclusão do ICMS, de acordo com o julgamento realizado pelo e. STF), e outra empregada na apuração das bases de cálculo do IRPJ/CSLL no lucro presumido (com a inclusão do ICMS).
E, ainda, em relação ao cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB, o contribuinte deve se basear em qual das “duas receitas brutas”? A mesma do cálculo do PIS/COFINS (sem a inclusão do ICMS) ou a do lucro presumido (com a inclusão do ICMS)?
Diante disso surge a indagação: a Constituição Federal de 1988 e os dispositivos infraconstitucionais que tratam da tributação em comento legitimam a existência de receitas brutas distintas, como defendido pelas Procuradorias da Fazenda Nacional?
Obviamente que a resposta ao questionamento feito acima é negativa, pois o contribuinte somente possui uma receita bruta, cujo conceito, para fins tributário, foi definido pelo e. Supremo Tribunal Federal no julgamento realizado em sede do Tema nº 69 da sistemática da repercussão geral.
Portanto, não é permitido ao legislador infraconstitucional ou ao intérprete redimensionar o que seria receita bruta sem considerar os parâmetros estabelecidos pelo e. STF, na medida em que não há como existir uma receita bruta para cada tributo.
A alegação de que a aplicação das margens de lucro implicaria na exclusão do valor de ICMS da apuração do IRPJ/CSLL (lucro presumido) também é infundada.
Isso porque, uma vez definido o conceito de receita bruta pelo Suprema Corte, não cabem maiores digressões sobre a matéria, não podendo ser incluídos valores estranhos na receita bruta com base no argumento de que as margens de presunção são capazes de “corrigir” tal inconstitucionalidade/ilegalidade.
Em conformidade com o entendimento defendido pelas Procuradorias, seria possível incluir quaisquer valores no conceito de receita bruta, vez que as margens de presunção de lucro poderiam “corrigir” eventual inconstitucionalidade/ilegalidade.
Contudo, a existência de percentuais de presunção do lucro não legitima a ampliação do conceito de receita bruta, haja vista que os referidos percentuais recaem sobre a receita bruta, não interferindo na sua definição/formação.
Dessa forma é possível concluir que os fundamentos expostos pelas Procuradorias da Fazenda Nacional são insuficientes para inviabilizar a aplicação do entendimento do e. STF, quanto à exclusão do ICMS da apuração do PIS/COFINS, ao IRPJ/CSLL, sendo imperioso reconhecer o direito de os contribuintes também excluírem o valor do ICMS da receita bruta utilizada na apuração das bases de cálculo dos citados tributos na sistemática do lucro presumido.
Cabe mencionar que os apontamentos apresentados não possuem o objetivo de esgotar as discussões quanto à matéria, apenas visam elucidar a insuficiência dos argumentos normalmente apresentados pelas Procuradorias da Fazenda Nacional nessa questão.
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