Da interpretação literal da norma de não incidência de ITBI na realização de capital social – Por Fernando Porto Martins

17/05/2017

O imposto sobre a transmissão de bens imóveis – ITBI é disciplinado em nosso ordenamento jurídico constitucional no artigo 156, II da Carta Maior, e possui como critério material a transmissão onerosa do bem ou a cessão dos direitos a ele inerentes:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: 

I - propriedade predial e territorial urbana; 

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; 

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) 

IV - (Revogado pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Destarte, quando há a transmissão onerosa de um bem ou a cessão dos direitos sobre ele, há a incidência de ITBI, que será calculado mediante imposição de alíquota imposta por lei do município da situação do bem imóvel e terá como base de cálculo o valor do negócio jurídico celebrado ou o valor venal do imóvel.

O texto constitucional traz, expressamente, a hipótese de não incidência do ITBI quando o imóvel é utilizado para realização de capital social de uma pessoa jurídica, no procedimento denominado de integralização de capital social.

Referida hipótese de não incidência, resta descrita no artigo 156, § 2º, I da Constituição Federal, que assim dispõe:

§ 2º O imposto previsto no inciso II: 

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; 

O Código Tributário Nacional também traz em seu texto a hipótese de não incidência de ITBI quando da realização de capital social de pessoa jurídica:

Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior: 

I - quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito; 

II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra. 

Neste sentido, colhe-se da lição de Paulo de Barros Carvalho[1]:

Houve por bem o constituinte afastar a possibilidade da instituição do ITBI sempre que o objeto da transmissão imobiliária tiver como destino a composição do capital de pessoa jurídica ou sua fusão, incorporação, cisão ou extinção. Logo, não restam dúvidas: o enunciado prescritivo constante do art. 156, § 2º, I, do Texto Maior, impede a tributação, pelo imposto sobre transmissão inter vivos, da transmissão de bens ou direitos decorrentes de cisão, excetuando-se apenas a hipótese da atividade preponderante do adquirente ser a compra e venda desses bens ou direitos, locação de imóveis ou arrendamento mercantil. 

Nota-se que a intenção do legislador foi clara no sentido de fomentar a atividade empresarial, permitindo que a integralização dos imóveis às pessoas jurídicas, não sofresse a incidência do ITBI, dando a norma um caráter de política fiscal, de estímulo a atividade produtiva, em acordo com o princípio da livre iniciativa previsto no artigo 170 da Lei Maior.

A este respeito, leciona o doutrinador Sacha Calmon Navarro Coêlho[2]:

[...] facilitar a ‘mobilização’ dos bens de raiz e a sua posterior ‘desmobilização’, de modo a facilitar a formação, a transformação, a fusão, a cisão e a extinção de sociedades civis e comerciais, não embaraçando com ITBI a movimentação dos imóveis, quando comprometidos com tais situações. 

Somente há exceção a referida imunidade quando a pessoa jurídica integraliza imóvel e tem como principal objeto social a compra e venda, locação de imóveis ou arrendamento mercantil.

No entanto, em que pese esta única exceção legal, mesmo havendo disposição expressa na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional quanto a imunidade do ITBI na realização de capital social, alguns municípios passaram a editar leis, restringindo o alcance da imunidade constitucionalmente assegurada, limitando-a ao valor correspondente ao capital social integralizado.

Tomemos como exemplo o Município de Blumenau, que editou a lei nº 931/2014, que inseriu o § 6º ao artigo 244 do Código Tributário Municipal, assim dispondo:

§ 6º A não incidência prevista no inciso VIII restringese ao valor do imóvel suficiente à integralização da cota do capital social, incidindo o imposto sobre o excedente do valor venal, se houver. 

Referido texto legal dá ensejo a figura da isenção parcial, a qual confere isenção tributária a somente uma parcela da hipótese de incidência, fazendo com que a outra parcela da mesma hipótese seja tributável.

A isenção ou imunidade parcial é criticada na doutrina de Paulo de Barros Carvalho[3], que não vislumbra a possibilidade de sua ocorrência, eis que a isenção parcial é entendida como uma mutilação de um dos critérios da regra-matriz de incidência tributária, quais sejam: I. Pela Hipótese: a) atingindo-lhe o critério material, pela desqualificação do verbo; b) atingindo-lhe o critério material, pela subtração do complemento; c) atingindo-lhe o critério espacial; d) atingindo-lhe o critério temporal. II. Pelo Consequente: e) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito ativo; f) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito passivo; g) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela base de cálculo; h) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela alíquota.

No caso da isenção referente ao ITBI na realização de capital social, o critério material está sendo mutilado, desqualificando-se o verbo.

Por certo que não há que se falar em limitação de isenção constitucionalmente assegurada, por meio de legislação municipal, sob pena de subversão do ordenamento jurídico pátrio.

Outrossim, é certo que as normas que instituem isenção em matéria tributária têm, obrigatoriamente, que serem interpretadas de maneira literal, não havendo espaço para os entes tributantes restringirem hipótese de isenção concedida através da Carta Magna, salvo se esta assim expressamente o preveja, tal como o fez quanto as pessoas jurídicas que possuem como objeto social principal a compra e venda, locação ou arrendamento mercantil de imóveis.

É o que disciplina o Código Tributário Nacional em seu artigo 111, II:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: 

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; 

II - outorga de isenção; 

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Com o advento das legislações municipais em sentido oposto aos enunciados da Constituição Federal e do CTN, o Judiciário passou a ser acionado para dirimir os conflitos daí advindos, sendo que, em 5 de março de 2015 o Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, reconheceu a existência de Repercussão Geral sobre o tema.

A decisão a ser tomada pelo Plenário do Pretório Excelso, no julgamento do RE 796.376/SC deverá ser observada por todas as instâncias judiciais e administrativas do país.

O Recurso Extraordinário 796.376/SC ainda está pendente de julgamento, mas temos que irá ocorrer em breve, considerando que o STF vem pautando de maneira reiterada questões tributárias ao longo do ano de 2017.

Espera-se que neste julgamento as razões jurídicas se sobreponham às razões econômicas, com o fim de que o texto constitucional seja reafirmado e integralmente respeitado.


Notas e Referências:

[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário Vol. II. São Paulo: Noeses, 2013.

[2] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Sistema Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2010.


 

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