O ministro Carlos Ayres Britto destaca o fenômeno de justaposição normativa dos papeis assumidos pelo advogado público, de modo a não reconhecer a existência de mescla ou fusão da sua identidade profissional com a de servidor público, “... pois o certo é que advogado público não deixa de ser advogado pelo fato de se investir em cargo público de provimento efetivo. Acumula os dois títulos de legitimação funcional, no sentido de que a formação de advogado é condição para a posse no cargo público e obtenção do status de servidor estatal efetivo”.
Assim como o médico utiliza a melhor técnica científica em benefício do paciente, o advogado exerce sua profissão com liberdade e autonomia, embora também sob o controle do órgão fiscalizador do exercício profissional, independentemente do vínculo existente entre ele e o seu cliente.
A advocacia será sempre um múnus público. Sobre o assunto, é imperiosa a compreensão de que, para os casos concretos, a escolha da solução técnico-científica deve ser sempre realizada com liberdade e autonomia para a boa aplicação do direito.
Os advogados têm, como maior responsabilidade, garantir a eficácia dos princípios e regras do ordenamento jurídico. Assim, as suas opções técnicas têm como foco a garantia da segurança jurídica. Entre o advogado e o cliente está sempre presente essa relação independente da maneira como foi contratado ou selecionado para exercer a profissão.
No contencioso, a atividade do advogado sintetiza o manuseio do processo e de argumentos teóricos na defesa com o resultado que melhor aproveite ao seu cliente.
No serviço público, o advogado é admitido e subordina-se ao estatuto respectivo. Contudo, o vínculo com a unidade federada a que serve deve obediência às normas uniformizadoras do Estatuto da OAB, vinculando-os a todos os deveres e encargos, mas também a todas as prerrogativas da profissão.
O exame de direitos, vantagens e prerrogativas dos membros de quaisquer dos ramos da Advocacia Pública decorre da identidade profissional que os distinguem. Não pelo compromisso com a realização do interesse público, inato e inerente a todo o Sistema de Justiça, mas pela vocação, pelo perfil profissional que orienta a atuação dos advogados públicos.
O advogado público é, antes de tudo, um advogado. Como advogado, é tão indispensável, inviolável e independente como o é o membro de qualquer outra carreira jurídica[1]. Essas características são imprescindíveis para a realização da importante função social que o ordenamento jurídico os confere de promover a orientação jurídica formal ou informal, que previne e confere segurança jurídica, e a representação judicial das partes.
Sejam advogados públicos ou privados, os profissionais da advocacia possuem prerrogativas próprias regulamentadas, em primeiro lugar, pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil[2], que, dentre tantas, confere-lhes a verba honorária de sucumbência paga pelo vencido em ação judicial que tenha como parte a Fazenda Pública (Título I, Capítulo VI, art. 23, do EAOAB).
Não menos importante é constatar que não existe qualquer vedação expressa à percepção dos honorários advocatícios de sucumbência pelos advogados públicos, ao contrário do que foi imposto constitucionalmente a outras carreiras jurídicas, a exemplo da magistratura, do ministério público e da defensoria pública.
Segundo Gustavo Binenbojm, “já quanto aos advogados públicos, não há disposição semelhante. Isso confirma que, também sob a ótica da percepção dos honorários de sucumbência. A unidade da advocacia foi claramente corroborada pela legislação federal infraconstitucional. A começar pelo Estatuto da Advocacia, que prevê de forma expressa que os advogados integrantes da Administração direta e indireta dos entes públicos sujeitam-se ao regime da Lei nº 8.906/1994, além do regime próprio a que se subordinem.” (grifo nosso).
Pelo contrário, o Novo Código de Processo Civil estabelece, no caput do seu artigo 85 que “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”, deixando clara a titularidade da verba.
Adiante, no § 19 do artigo 85, o Novo Códex prevê que “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”, reconhecendo que cada ente federativo tem competência para disciplinar os critérios de distribuição dessa verba honorária.
É importante registrar que o conceito de receita pública difere do conceito de entrada de dinheiro nos cofres públicos. O fato de o disciplinamento legal da distribuição prever o recolhimento dos honorários de sucumbência em contas de titularidade do ente público, em fase anterior a sua efetiva distribuição, como acontece em alguns Estados, no Distrito Federal e vários municípios, não é capaz de influenciar na natureza privada da verba.
Conforme assinala Kiyoshi Arada, “é importante deixar claro que o conceito de receita pública não se confunde com o de entrada. Todo ingresso de dinheiro aos cofres públicos caracteriza uma entrada. Contudo, nem todo ingresso corresponde a uma receita pública. Realmente, existem ingressos que representam meras ‘entradas de caixa’, como cauções, fianças, depósitos recolhidos ao Tesouro, empréstimos contraídos pelo poder público etc., que são representativos de entradas provisórias que devem ser, oportunamente, devolvidas.”
Ayres Britto também trata essa operação como simples acerto entre a entidade estatal arrecadadora e o verdadeiro destinatário da verba honorária de sucumbência, tratada ainda como importante instrumento de incentivo à atuação eficiente da gestão pública.
Resulta do exposto que a Administração Pública funciona como mera fonte arrecadadora dessa verba honorária para ulterior repasse aos legítimos destinatários, na forma da legislação de regência de cada ente político, o que não destoa do Estatuto da OAB e do Novo CPC, aplicados aos advogados do setor público e privado, haja vista que ambos são leis nacionais garantidoras de parâmetros mínimos da atuação desses profissionais e do processo civil brasileiro.
Justamente para espancar qualquer dúvida quanto a esse ponto, a Comissão Nacional da Advocacia Público do CFOAB aprovou a Súmula nº 8, que serve como diretriz para todas as seccionais, a saber: “Súmula 8 - Os honorários constituem direito autônomo do advogado, seja ele público ou privado. A apropriação dos valores pagos a título de honorários sucumbenciais como se fosse verba pública pelos entes federados configura apropriação indevida”[3].
Nessa linha, o Enunciado nº 384 do Fórum Permanente de Processualistas Civis dispõe que “a lei regulamentadora não poderá suprimir a titularidade e o direito à percepção dos honorários de sucumbência dos advogados públicos”.
Na jurisprudência pátria, não são poucos os exemplos que espancam qualquer dúvida a respeito da constitucionalidade, da natureza e da titularidade dos honorários de sucumbência dos advogados públicos. O TJMA, na ADI nº 30721/2010, e o TJDFT, na ADI nº 20140020168258, proferiram acórdãos já transitados em julgado, em 2012 e 2014, respectivamente, segundo os quais os advogados públicos, categoria da qual fazem parte os Procuradores de Estado, fazem jus ao recebimento de honorários advocatícios de sucumbência, sem que haja ofensa ao regime de pagamento do funcionalismo público através de subsídio ou de submissão ao teto remuneratório, tendo em vista que tal verba é variável, é paga mediante rateio e é devida pelo particular (parte sucumbente na demanda judicial), não se confundindo com a remuneração paga pelo ente estatal.
A referida verba, portanto, além de não ser uniforme, pois é fruto de rateio disciplinado por leis dos entes a que estão vinculados os advogados públicos, é ainda variável e não possui conotação de gratificação ou salário, já que baseada na atividade advocatícia exercida no processo.
Notas e Referências:
[1] CF/1988, art. 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
Lei 8.906/1994, art. 2º, § 3º: “No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.”
[2] EAOAB - Lei nº 8.906/1994.
[3] Conforme publicado pela OAB em 6.11.2012. Disponível em http://www.oab.org.br/noticia/24762/conselho-federal-traca-diretriz-em-defesa-da-advocacia-publica. Acesso em 30/01/2015.
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