Por Adalberto Narciso Hommerding - 15/03/2016
É antigo o “causo” contado em Santa Rosa referente aos três amigos músicos que, enquanto cruzavam de balsa o Rio Uruguai rumo a Oberá na Argentina, discutiam sobre o conceito de metáfora, ou, melhor, sobre o que significava uma metáfora. Um deles, que não sabia o que era uma metáfora, perguntou aos outros dois: - o que é metáfora? Um, então, olhou para o outro, que se prontificou a responder da seguinte maneira, sem dar um conceito, mas explicando de modo prático: - Fulano, já ouviste a expressão “as nuvens cavalgam no céu”? Claro que já deves ter ouvido! Mas já viste alguma nuvem “cavalgando”? Claro que não! Nuvem não cavalga; quem cavalga é cavalo. Dizer que as nuvens cavalgam é apenas uma forma de dizer que as nuvens se movimentam no céu. Isso é uma metáfora; ou seja, é uma forma de explicar as coisas. Após a explicação, um deles, o outro que ficara calado, perguntou ao que havia questionado: - entendeu agora, Fulano? E o questionador, então, respondeu: - sim, acho que entendi: metáfora é uma coisa que é e... não é!
Pois é, metáfora, como diria o sujeito aquele, é uma coisa que é e que não é. Nossa vida é repleta de metáforas. Objetivamos a explicação de alguma coisa por meio de metáforas. É uma forma de dizer algo que pode ser compreendido por todos. Na verdade, nem todos. Pode ser compreendido por todos aqueles que compartilham de uma mesma tradição de linguagem, pois, obviamente, quem não conhece algum termo, alguma expressão contida na metáfora, ou desconhece a própria metáfora, terá dificuldades para entendê-los. Assim é que, se algum cidadão de outro Estado ou de outro país, chegar na nossa região e se defrontar com expressões como “chimarrão dançante”, é bem possível que nada compreenderá.
Quando era guri, lá em Santo Ângelo, participava da invernada artística do CTG 20 de Setembro, entidade tradicionalista mais antiga da região, pelo que se sabe. Às vezes, aos domingos, os peões e prendas iam ao CTG para o tal do chimarrão dançante, que nada mais é que um matiné, um pequeno baile à tarde, e não no horário convencional. Sempre achei engraçado o termo chimarrão dançante. Na minha cabeça via as cuias de chimarrão rodopiando ou dançando umas com as outras!
Ainda quando guri, na época em que fui menor estagiário no Banco do Brasil, no antigo CESEC – Centro de Processamento de Serviços e Comunicações -, ouvia a piada da velhinha que havia se desesperado porque, chegando na agência do banco, fora informada de que seu cheque havia “caído na vala comum”. No mais, cresci ouvindo meu pai e minha mãe dizendo que novamente haviam recebido um “cheque-frio”. Assim é que, dias destes, dei-me conta de que as metáforas sempre acompanharam e acompanham a minha vida e a vida de todo mundo. Na música e na poesia, esse fato é notável; no nosso dia-a-dia, em todas as áreas e em todos os momentos, estamos cercados por elas, pelas metáforas, cujo sentido depende do contexto em que se está inserido e de um prévio conhecimento do intérprete, daquele a quem se dirige uma determinada mensagem.
Assim, por exemplo, é que um poeta como o saudoso João Loureiro - para dizer que um apaixonado saudosista, certa vez, sentara-se sozinho no barco nas margens do rio para cantar sob a luz da lua - escreveu “o luar ficou parado lá no rio a me escutar”. E assim é que os empresários de Santa Rosa a cada mês se reúnem na AABB local para um “Almoço de Ideias”, cuja refeição fica sob o encargo da “Família Guanaco”, que de guanaco nada tem.
No Direito, minha área de atuação profissional, as metáforas são uma constante. Para referir uma hipótese, cito o caso do chamado “habeas corpus”, uma ação constitucional para proteger a liberdade, o direito de ir e vir de alguém, nos casos de abuso de poder. Os profissionais do Direito, volta e meia, nominam tal ação como o “remédio heroico”, pois poderosa para corrigir ilegalidades e arbítrios. Na minha cabeça, o uso da expressão traz à lembrança a figura de um super-herói com alguma capa vermelha, que venha voando para salvar o sujeito das mãos de alguma autoridade que lhe tenha ofendido o sagrado direito de ir e vir.
Acho muito engraçado falar em remédio heroico. Prefiro, ao menos nas minhas lidas de operador do Direito, dar o nome correto, adequado às coisas, simplesmente chamando-as pelos nomes que têm, não utilizando, portanto, metáforas. Sei lá. Talvez seja implicância minha contra as metáforas; implicação limitada, no entanto, como eu disse, à atuação profissional. É que tenho a impressão de que, não usando as palavras corretas, adequadas, nossa linguagem, a do Direito, que já é tão empolada, complicada e excludente, fica pior e não consegue ser entendida por boa parte da sociedade.
Isso não serve apenas para as metáforas, mas para os demais termos da linguagem jurídica que, ao invés de propiciar, de fato dificultam o entendimento. Não são poucos os profissionais que assim o fazem, acabando por tornar um martírio a leitura de uma peça processual. Assim é que, nas peças processuais, petição inicial tem virado “peça ab ovo” ou “peça pórtica”, recurso de apelação tem-se transformado simplesmente em “apelo”, e autor e réu têm se convertido em “suplicantes” e “suplicados”, como se estivessem implorando, suplicando ao magistrado – que não é nenhuma autoridade metafísica, qual um deus, e cuja obrigação, justamente, é garantir ao cidadão que irá zelar pela observância do procedimento judicial a fim de poder decidir da melhor forma possível, adequada ao Direito – lhes dar uma espécie de “esmola” ao final do processo.
Quem nunca utilizou um palavreado da espécie ou nunca utilizou uma metáfora que atire a primeira pedra. É inevitável utilizá-las. O que complica é utilizá-las em demasia e sem atender a qualquer fim razoável e prático.
No que diz com as metáforas, elas servem, de fato, para explicar coisas. Basta lembrar do sujeito da balsa. A metáfora é aquilo que é e não é. Se não tivermos, porém, algum contato prévio com a linguagem, com a cultura de uma dada região, com as características de um dado ofício ou profissão, a metáfora poderá ser um complicador para o nosso entendimento. Bem, a conversa já ficou espichada e é hora de fechar o texto, pois daqui a pouco tenho de comparecer a um “encontro de garrafas”.
Santa Rosa, 24 de janeiro de 2016
Adalberto Narciso Hommerding é Juiz de Direito no Estado do Rio Grande do Sul; Pós-Doutor pela Universidade de Alicante, Espanha, sob a supervisão do Professor Manuel Atienza; Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo/RS; Professor na Escola Superior da Magistratura da Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul – AJURIS, e na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, campus de Santo Ângelo/RS. Também é autor de livros e artigos jurídicos em revistas especializadas.
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