Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Vivian Degann
O artigo tem por finalidade averiguar sobre as possibilidades de implementação de políticas públicas de lazer que possam potencializar instituições não-formais de educação no acolhimento das comunidades em condição de vulnerabilidade. Foi feito um breve levantamento dos dispositivos que garantem a proteção integral da criança em sua condição peculiar de desenvolvimento. Dispositivos que aproximam o Museu de Arte de Belém dos enfrentamentos a que se dispõe. Faz demonstrações claras sobre a importância, não apenas histórica, mas da história da cidade de Belém para a mudança de paradigmas das crianças. Despertou nas crianças a consciência do lugar. A pesquisa contou com análise dos documentos fotográficos e leituras dos diários de atividades, onde constam anotações sobre as falas das crianças. O Projeto PontArt é protagonista de possibilidades de Museu que argumente com o social, espaço onde políticas públicas de lazer podem ser executadas, garantindo a preservação do patrimônio por meio da saúde intelectual das crianças.
O trabalho com projetos não salvará qualquer que seja a criança da miséria moral onde se encontra. As situações de risco vividas por crianças e adolescentes das periferias de Belém são práxis facilmente observáveis, principalmente no discurso da sociedade. A grande quantidade de crianças perambulando pelas ruas em horário escolar é escandalosa; longe de atividades próprias a infância.
A Cidade Velha é um de muitos bairros da periferia de Belém, logo, não é diferente, pois é gritante o número de crianças oriundas deste bairro, pedintes pelo espaço do Ver-o-Peso, Praça D. Pedro II, Praça Felipe Patroni e Comércio. Este carrossel de negligências tem como ponto de referência o prédio símbolo do poder público municipal, o Palácio Antônio Lemos, onde está o arquivo e salas administrativas da prefeitura e onde está instalado o Museu de Arte de Belém (MABE).
A administração do MABE preocupada com a quantidade de crianças espalhadas pelo espaço optou por fazer um levantamento que indicasse o local de origem de tantas crianças. O trabalho indicou que estas vinham em sua maioria de uma única rua do bairro da Cidade Velha: a passagem do Carmo ou como é conhecido o “Beco do Carmo”. Uma ladeira ao lado da Igreja do Carmo onde as casas são de madeira e construídas à margem do rio.
As crianças eram originárias de famílias monoparentais (avó e mãe) e algumas de famílias extensas (duas a três famílias monoparentais em uma única residência) e, outro dado importante é que grande número de crianças possuíam algum vínculo de parentesco, por esse motivo passeavam pelas áreas supracitadas em grupos tão numerosos. A intervenção se fez necessária, pois algumas crianças já haviam iniciado pequenos atos infracionais, o chamado “descuido”.
A administração do MABE decidiu criar um projeto chamado “PontArte” e passou a atender as crianças em parceria com a Comissão de Moradores do Bairro da Cidade Velha. Iniciou busca ativa pelas famílias das crianças para que estas começassem a frequentar atividades arte educativas planejadas e executadas no Setor de Ação Educativa do MABE.
No ano de 2010 o projeto atendia cerca de 36 crianças sendo que apenas 19 eram moradoras da Passagem do Carmo, pois crianças moradores das demais ruas do bairro, também passaram a frequentar o espaço.
O projeto com iniciativa de espaços educativos não-formais no atendimento de grupos de risco fez-se necessário para averiguar sobre algumas das propostas do Museu de Arte de Belém no que garantiria o espaço de acolhimento das “Crianças do Carmo”. As ações tinham como proposta apresentar o MABE às crianças, contar um pouco da história da Cidade Velha e mostrar o Museu como espaço significativo e que deve ser preservado.
A fonte de dados sobre as ações ofertadas pelo Museu e executadas pelo setor de Ação Educativa são registros dos cadernos de atividades e acervo fotográfico, pois estive por dois anos (2011 e 2012) como oficineiro do projeto; este funcionou dias de terça e quinta no horário da tarde.
Para tanto foi necessária uma síntese do que é o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), uma síntese histórica do Museu de arte de Belém (MABE) e uma breve revisão comentada dos cadernos de atividades onde foram anotados os planos de ação que acolheram as crianças do Carmo. A relevância deste estudo argumenta com as questões de políticas públicas de lazer, gerência popular que pode acompanhar e avaliar, ação educativa de museus e arte educação em museus.
1. SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069, aprovado em 1990, é considerado avanço surpreendente no campo democrático ao regulamentar os direitos da criança e do adolescente assegurado no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Direitos, também, garantidos na Convenção Internacional dos Direitos da Criança em 1989, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas (promulgado no Brasil pelo Decreto no 99.710, de 21 de novembro de 1990).
O ECA propõe nova forma de gestão dos direitos, pois todos tornam-se responsáveis por sua efetivação e cria de fato um sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente (SGDCA), conjunto planejado e estruturado de ações governamentais e não governamentais. Direitos complexos que necessitam de atividades articuladas entre o Estado, sociedade, comunidade e família. É a corresponsabilidade desses atores que permitirá o funcionamento da doutrina da proteção integral.
O SGDCA começa com a CF/88, ganha força com a criação do ECA/90, passa por longo processo de discussão dentro da sociedade civil com os levantamentos do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (CENDHEC) e culmina em 2006 com a Resolução nº 113 do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CONANDA), que determina e explica a sistemática do SGDCA.
O CONANDA busca articular e integrar as assistências públicas governamentais e da sociedade civil, no entanto há necessidade de parceria entre as partes para planejar, executar e monitorar as políticas públicas voltadas ao SGDCA, tendo sempre em vista o objetivo de aproximar a realidade da criança, da lei que garante seu direito, sempre com intuito de modificar a realidade para que haja o cumprimento da lei e não mudar a lei para validar a realidade.
É importante para o SGDCA o melhor interesse da criança, assim, deve estar perto da criança (no município onde mora, no bairro, na comunidade indígena, quilombola, ribeirinha ou povos tradicionais), longe de planos abstratos de atendimento, pois quanto mais perto da realidade da criança, mais fácil será o atendimento.
É importante a consciência de que este é um sistema estratégico, não é operacional, sem órgão gestor determinante de funções. Este atua naturalmente e as ações são sistêmicas, pois todos têm consciência das responsabilidades, ou seja, sujeitos responsáveis pelo pleno funcionamento dos eixos de promoção, defesa e controle da efetivação dos direitos.
O eixo da promoção busca efetivar de fato os direitos por meio de políticas públicas referentes à saúde, educação, lazer, moradia e segurança; as medidas protetivas que resguardam as crianças quando têm seus direitos violados; e as medidas socioeducativas que servem para amparar crianças e adolescentes em conflito com a lei. O eixo da promoção se efetiva de duas maneiras: execução de políticas (atendimento) e elaboração das políticas (planejamento). Tem de ficar claro que a promoção é dever de todos e isso está bem definido no artigo 227/CF88.
O eixo da defesa tem relação com o acesso à justiça e a atribuição dele é fazer cessar e punir a violação de direitos (ótica estatal). Os principais atores deste eixo são: o Juiz, o Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar, Centros de defesa e segurança pública.
O eixo de controle da efetivação, responsável pelo acompanhamento, avaliação e monitoramento de políticas públicas voltadas para infância e para adolescência, com lugar de destaque para sociedade (controle popular) por meio dos conselhos de direitos que deliberam políticas públicas para crianças e adolescentes.
Após esse breve histórico sobre os documentos legais que validam o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente, agora serão observados os grupos originários da Amazônia que compõem o ambiente sociocultural. Este que apresenta uma Amazônia de delimitações e conceitos territoriais. Entraremos agora no universo do Museu, espaço acumulador de artefatos sociais, culturais e principalmente históricos que revelam os aspectos espaço-temporais da cidade de Belém.
2. MABE: MUSEU DE ARTE DE BELÉM
A consciência patrimonial se deteriora lenta, mas fortemente. Os interesses intelectuais sofreram mudanças sérias e a relação da humanidade com sua substância histórica é motivo de preocupação e mobilização por parte dos incumbidos de preservar os patrimônios, os museus.
As sociedades vivem contextos tecnológicos imediatistas que tem pouco diálogo com a preservação físico-material do passado. Vive-se no planeta que nega a Amazônia como patrimônio da humanidade, como uma das maravilhas do mundo.
O Brasil existe como quintal de países economicamente fortes. Com histórico de dívidas externas e políticas públicas duvidosas, o povo sobrevive banhado de mídia futebolística que toma conta do horário nobre (LOBO, 1990). Cego, o brasileiro nega a real situação do país; duvida de sua capacidade e tem pouca fé na educação formal oferecida na escola. A falta de informação e conhecimento dos tesouros existentes em um país de contrastes étnicos; de cultura diversificada; prédios seculares que contextualizam o povo mais do que o povo imagina, está desaparecendo.
Belém, cidade de projeto urbanístico com mais de um século. A Belém de uma época onde há influência europeia em vários campos como: literatura, moda, mobiliário, alimentação, música, artes plásticas, cênicas e arquitetura. Cidade em estado de deterioração histórica (FIGUEIREDO, 2011).
As escolas não estão preparadas para trabalhar a importância dos conteúdos históricos e artísticos que habitam nos prédios e casarões antigos. A cidade do período da borracha caminhava lado-a-lado com o progresso e disputava culturalmente com Rio de Janeiro e São Paulo. Atualmente apenas repete tendências de outras regiões (BASSALO, 2008).
O Museu de Arte de Belém (MABE) é uma instituição comprometida com a preservação histórica de uma “cidade das mangueiras” abalada pelo abandono arquitetônico. A cidade em ruínas que sobrevive nos salões de exposições do museu, cidade que sobrevive no MABE e o MABE que sobrevive em si mesmo.
Pensar uma proposta de atuação para expressar a realidade histórica existente nos salões, em especial o Salão Verde é um desafio tentador, pois, a ação educativa do MABE tem o dever de dialogar com as escolas e visitantes. Na prática o trabalho de mediação voltado aos turistas e estudantes universitários é de determinada forma mais simples que a recepção das crianças e adolescentes frequentadoras das escolas de ensino fundamental e médio.
É pensando nos discursos necessários a apresentação dos artefatos artísticos que compõem os Salões e na recepção das escolas principalmente de ensino fundamental que faz-se de grande importância para a instituição uma indissociação dos objetivos educacionais do ensino de História e de Arte do ensino fundamental e do médio, para não apenas a manutenção dos discursos dialógicos, mediador/salão verde como para o diálogo com a necessidade das escolas de nível fundamentais e médio, que perdem-se diante das informações confabuladas nos salões.
A condição de atender de forma qualitativa as escolas, também, diversifica o atendimento dos demais grupos de visitantes e preparou os mediadores para receber as “Crianças do Carmo” nos dias de funcionamento do Projeto.
Mais que monumento histórico, o Palácio Antônio Lemos é projeto social que venceu as barreiras do tempo para existir de fato na cidade de Belém do Pará e para que Belém do Pará também exista em suas paredes e sacadas. Com uma frase vestida de ambiguidade, pode-se dizer que pisar no Palácio Antônio Lemos é pisar na história de riquezas e frustrações de Belém de outrora e é confabulando com as riquezas artísticas da capital paraense que as escolas tanto visitam o prédio dos intendentes.
A breve revisão histórica, apresentada, remonta desde o projeto de construção do Paço Municipal no fim do século XIX e início do século XX até o ano de 1991 quando foi instituído o Museu de Arte de Belém (MABE) como um departamento da Fundação Cultural do Município de Belém (FUMBEL) que tem como administrador maior a Prefeitura Municipal de Belém.
O início da construção do Paço Municipal no fim século XIX é o gatilho de uma Belém de tendências europeias; o comportamento e todo o referencial vivido em Belém é francês; é o momento da Art Nouveau e, também, momento de grande empolgação por parte da burguesia. Mas, da fundação da cidade até o século XVIII Belém estava dividida em Cidade (atualmente Cidade Velha) e a Campina (bairro limítrofe a anterior).
A cidade possuía na época a concentração do poder religioso e militar, representados na figura da Igreja Jesuíta e no Forte do Presépio. A “cidade” e a “campina” eram separadas por uma área alagada que se juntava ao Igarapé do Piri. Sendo essa uma ocupação institucional e depois de constatado em mapas datados de 1791 foi verificado que ali só existiam o Palácio do Governador, seus jardins e alguns outros galpões.
Belém foi uma cidade de inúmeras propostas urbanísticas, dentre elas encontra-se a formulada pelo major engenheiro João Geraldo Gronfelt, onde na área do Piri seria um canal navegável e a cidade seria tão bela quanto Veneza. No entanto, no século XIX o canal foi drenado e aterrado, trabalho esse iniciado pelo Conde dos Arcos, por volta de 1803. O resultado urbano dessa intervenção é a atual Praça D. Pedro II e as diversas ruas que vincularam a cidade à campina.
O favorecimento econômico relacionado à exploração da borracha, momento econômico conhecido como Belle Époque Equatorial, a partir de 1870, faz com que a Amazônia comece a escrever sua própria história, destacando Belém como maior porto distribuidor para os mercados internacionais, o que favorece o poder municipal. A nova situação econômica do município refletia nas atividades políticas e administrativas do município que ansiava por um prédio adequado a atual situação, por esse motivo a partir da metade do século XIX começa a ser construído um palácio que reuniria o poder da província; o local escolhido foi o Largo do Palácio, onde no século XVIII foi construído o Palácio dos Governadores.
No dia 14 de Abril de 1860 o prédio definitivo para o Paço Municipal começa a ser construído e o autor desse grandioso projeto é José Coelho da Gama e Abreu, fato registrado na moeda comemorativa, “delineou e executou” são as palavras gravadas na moeda. Muito longe de ser concluído o prédio foi inaugurado pelo presidente General Barão de Maracaju na data de adesão do Pará à Independência do Brasil, 15 de agosto de 1883.
Com o passar dos anos o prédio sofreu inúmeras pequenas reformas que o fizeram assumir uma proposta predial eclética que abriga atualmente o museu oriundo da antiga pinacoteca municipal o Museu de Belém (MUBEL), este que é em si artefato histórico, pois está localizado no prédio da intendência municipal, hoje Prefeitura de Belém.
Tornar acessível ao público o conteúdo histórico que habita no prédio da Prefeitura ou como é conhecido Palácio Antônio Lemos, onde se encontra o MABE, faz-se importante para o bom resultado do discurso de mediação. A descrição dos salões como Antonieta Santos Feio e Theodoro Braga e seus conteúdos faz-se necessário não apenas para enriquecer o conteúdo do projeto, mas para marcar mais um grande momento do MABE no contexto artístico intelectual da cidade de Belém. A contextualização dos salões no ano de 2012 serviu para registrar as exposições deste ano.
O Museu tornou-se, com a presença frequente de crianças que não estavam atreladas a trabalhos ou passeios escolares, um local acolhedor. As crianças passaram a visitar o Museu em dias independentes se ocorriam ou não ações do projeto. Então, passou a ser pensada a relação das “Crianças do Carmo” com o Museu.
3. O MUSEU E A CRIANÇA
A abordagem integrou os diversos discursos oriundos das crianças e foi considerada toda sua experiência para resolver e criar situações que envolviam a presença delas dentro do espaço do Museu. Este que é lugar de castrar determinados hábitos. Uma criança que está no espaço da rua, quando se depara com o Museu fica sem saber o que fazer, pois este se apresenta como lugar onde nada pode ser tocado, movido ou arredado (empurrado). Assim, foi necessário considerar as múltiplas possibilidades das “Crianças do Carmo” no espaço do Museu (LAPLANTINE, 2005).
O Projeto considerou todas as condições apresentadas pela criança e sua permanência no espaço do Museu, desde sua forma de expressão, pois está é a disseminadora da história a qual estão fazendo parte; o confronto não com o coletivo de crianças, mas com os sujeitos que ali se apresentavam.
O Museu havia aberto suas portas para outra realidade, outra realidade da mesma cultura. O estranhamento não aconteceu apenas nas crianças, mas em todos que no museu trabalhavam. O fato é que ocorreu uma troca, pois o museu aprendeu com as crianças. François Laplantine (2005) chama isso de experiência da alteridade. Era tão comum ver as crianças perambulando pela Praça D. Pedro II, pela Praça Felipe Patroni; era tão habitual olhar pela janela e estas estarem lá. Para as crianças era tão comum olhar as enormes janelas do Palacete Azul e os vultos de pessoas andando em todas as direções.
A diferença cultural apresentada pelo museu às crianças foi um choque e o próprio museu também ficou chocado com o que as crianças falaram do prédio. A frase mais intrigante foi a de uma menina de 12 anos: “eu nunca tinha visto esse prédio aqui” e outra completa “eu já, mas tinha medo de chegar perto”.
É surpreendente que uma sociedade que apresenta uma riqueza cultural tão diversa não entenda que o espaço por si só não representa cultura, este só carrega este estatuto quando representado no discurso de suas crianças. E isto só ocorrerá “no reconhecimento, conhecimento, juntamente com a compreensão de uma humanidade plural” (LAPLANTINE, 2005, p. 22).
O Projeto iniciou preocupado com as crianças em situação de vulnerabilidade, as acolheu e passou a mostrar a estas um novo lugar e este lugar passou a ensiná-las a cuidar e guardar preservando o patrimônio cultural que era não apenas o MABE, mas toda a Cidade Velha. O Projeto mostrou à criança o lugar onde ela mora.
4. A CRIANÇA MEDIADORA COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL
As atividades do Projeto PontArte modificaram a rotina das “Crianças do Carmo”, fez com que muitas passassem a frequentar mais a escola. Quase todas estavam estudantes na escola General Gurjão.
As ações desencadearam uma intensa procura pelo museu, mas que logo sentiam-se desestimuladas pois queriam que todos os dias fossem dias de jogos e pintura. A principal característica do projeto era a manutenção intelectual do espaço do museu, mostrar às crianças a importância do museu e de todo o seu conteúdo. Apresentar as belezas que ali se encontravam. As atividades de pintura sempre estavam relacionadas a alguma obra de um dos salões.
Eram propostas as crianças conversas sobre os salões e estas com o tempo passaram a narrar como “divulgadores” ou “pequenos mediadores” os salões, pois era intenção dos fundamentadores do projeto que as crianças argumentassem entre mundos e realidades diversas. A criança é aquela em constante contato e assim serve de canal de comunicação entre o museu e outras crianças, os novos visitantes.
Os estudantes de estágio que estavam responsáveis pela mediação dos salões construíram um jogo de tabuleiro que continha a rota dos museus da Cidade Velha. O espanto das crianças quando descobriram que a Igreja “grande” (Igreja de Santo Alexandre) era o Museu de Arte Sacra, que o Forte do Castelo é um museu e que a Casa das Onze Janelas não é um restaurante “chick”.
As atividades vestiram esses espaços com novos significados, assim o Projeto PontArt passou a mediar reflexões sobre a formação do patrimônio cultural. As crianças passaram a participar e o olhar passou a ler aquele enorme documento histórico que é o lugar onde moram. As crianças deixaram de ser as “crianças do Carmo” e passaram a ser “Pequenos mediadores”, pois passaram a rever suas imposições, atitudes e conceitos de identidade.
Portanto, é possível que pequenas ações planejadas e executadas por instituições não-formais complementem a realidade da criança possibilitando, na medida do possível, uma infância saudável e estas ações podem ser monitoradas pela população.
As crianças subverteram a rotina do museu com sua presença, pois este espaço até então se propunha apenas à visualidade de objetos exibidos através das exposições e estes assumem estatuto de arte, documento artístico ou documento histórico no momento que traz o passado como realidade presente, atualidade. A presença das crianças estabeleceu laços fragmentados na memória, vestígios de realidade; o passado como jogo, brinquedo e brincadeira.
Ensinar as crianças que o museu é um espaço de preservação da memória só foi possível no período da “Primavera de Museus”, pois até as crianças perceberem seus jogos, brinquedos e brincadeiras expostos em um Salão estas não compreendiam a importância e a possibilidade cultural de si.
O Hall do Palacete Azul expôs as produções artísticas das crianças e estas traziam os familiares e amigos, contando estórias do que aconteceu no dia que o artefato foi produzido. Assim como o museu possui um espaço conhecido como reserva técnica, onde estão guardados seus preciosos artefatos, o “coração” das crianças do Projeto PontArt guarda momentos de infância que fogem ao contexto de negligências a que estão submetidas.
CONSIDERAÇÕES PARA EDUCAÇÃO NÃO-ESCOLAR NO MUSEU
O MABE está de portas abertas às visitações e sempre bem-disposto a mediar sua essência histórica com as populações que o frequentarem. Antônio Lemos deixou sua marca na cidade de Belém quando idealizou uma Belém francesa. O prédio do “Velho intendente” é atualmente tesouro histórico, artístico, cultural e, graças ao projeto de intervenção, junto às crianças moradoras da Passagem do Carmo, também Projeto social. Um espaço de educação não-formal ativo perante a proteção integral de crianças e adolescentes do bairro da Cidade Velha.
O contato das crianças com o MABE possibilitou-lhes conhecer outra Cidade Velha. A Cidade Velha de sobrados e palacetes, com motivos de ser. Logo, as paredes do tempo, expostas no salão de arte abriram suas portas para novos leitores e contadores de suas histórias. A proposta de uma educação não-escolar planejada, executada e monitorada que possa abrir espaço para possibilidades de gestão popular do patrimônio cultural.
Como foi dito na introdução deste artigo, o projeto não vai salvar as crianças do seu contexto de negligências, no entanto abriu janelas de infância que servirão para serem recordadas e contadas sem medo, raiva ou vergonha.
O período de vivência das crianças no espaço do museu é propicio a questões como: qual a possibilidade de políticas públicas de lazer que fortaleçam ações como a do Museu de Arte de Belém (MABE)? Como o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes poderia fortalecer essa prática em instituições não-escolares na cidade de Belém?
Notas e Referências
BASSALO, Célia Coelho. Art Nouveau em Belém. Brasília (DF): Iphan/ Programa Monumenta, 2008
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
_____. Decreto nº 99.710 de 21 de Novembro de 1990. Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm
_____. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069compilado.htm
_____. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: História e Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997
_____. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Arte. Brasília: MEC/ SEF, 1997
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de (Curador). Janelas do Passado espelho do presente: Belém do Pará, Arte, Imagem e História. Belém (PA): FUMBEL, 2011
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo (SP): Brasiliense, 2005. (p. 13 a p. 33)
LOBO, Luiz. Televisão: nem babá eletrônica nem bicho-papão (a criança diante da tevê). Rio de janeiro: Lidador, 1990
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